segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

O Estandarte e a Batalha


O Estandarte e a Batalha

Entre 1 de março de 1926 e 31 de maio de 1927, publicou-se, com algumas interrupções, na ilha de São Miguel, Açores, o jornal “O Estandarte”, “órgão dos obreiros michaelenses”.

Com sede nas instalações da Federação Operária, na 2ª Travessa dos Mártires da Pátria, 13-D, na cidade de Ponta Delgada, “O Estandarte” começou por ter como diretor António Joaquim Correia de Melo e editor o tipógrafo João Duarte Botelho. O carpinteiro/marceneiro e mais tarde proprietário de uma agência funerária Manuel de Medeiros Cabral foi seu administrador desde o número dois, publicado a 15 de março de 1926.

Desconhecemos se as organizações operárias micaelenses tiveram algum tipo de contato com as suas congéneres continentais, mas sabe-se que durante a existência de “O Estandarte”, os seus responsáveis transcreveram textos publicados no jornal “A Batalha”, órgão da Confederação Geral do Trabalho, que surgiu a 23 de fevereiro de 1919 como “Porta-voz da organização operária portuguesa”.

No nº 3 de “O Estandarte”, de 1 de abril de 1926, o jornal publicou uma carta de Manuel Figueiredo, datada de 11 de março do referido ano que abaixo se transcreve:

“Ao camarada
Manuel de Medeiros Cabral
Acabei de receber o primeiro número do Estandarte para que aceitai as minhas ardentes saudações pelo aparecimento dessa rebelde tribuna para a defesa do operariado micaelense que de há muito se fazia sentir.
Oxalá que se mantenha sempre firme na defesa sistemática das classes trabalhadoras, para conter em respeito os inimigos dos que trabalham. A BATALHA não pode deixar de vos desejar uma longa e próspera vida.
Saudações Fraternais.”

A seguir, faz-se uma referência a um conjunto de textos de “A Batalha” que foram transcritos pelo jornal operário de Ponta Delgada.

No primeiro número de “O Estandarte” foi publicado um texto intitulado “Os operários franceses da construção civil fazem importantes reclamações de uma nova organização de trabalho”, onde é apresentado um caderno reivindicativo com todas as medidas destinadas a regulamentar as condições de trabalho na construção civil.

No segundo número, a transcrição foi de um texto intitulado “Uma alta finança de trazer por casa”. Passados mais de 90 anos, parece que a situação atual é semelhante, como se pode ver pelo seguinte extrato: “A maioria das casas bancárias portuguesas, a despeito das fachadas pomposas das suas sedes, estão à beira da falência. Vivem de expedientes torpes que vão da falsificação da moeda ao desfalque dos cofres do Estado”.

No número 3, o texto que se intitula “Angola e Metrópole, Banco de Portugal e Ultramarino” volta a referir a situação dos bancos. Assim, pela leitura pode-se concluir que a banca e seus mandantes perseguem a arraia miúda e beneficiam ou escondem as falcatruas dos graúdos, como se pode comprova pelo seguinte extrato: “Os Catões da rua Formosa pedem leis anormais para condenar os homens que eles acusam de estar envolvidos na burla das notas de 500 escudos, mas só para os que eles acusam. Para os Inocêncios da sua afeição querem decerto elogios no “Diário do Governo”, o hábito de Cristo e a bênção papal”.

No nº 17, “O Estandarte” transcreve o texto “A situação do operariado no ano da desgraça de 1927”. Nele é apresentada a situação miserável do operariado que é bem explicita nas últimas palavras:

“O quadro é bem expressivo: a crise de trabalho, carestia da vida, falta de habitações, emigração e falta de assistência hospitalar. Balanço completo: Fome, Miséria e Luto.
Assim será enquanto subsistirem as suas causas: a sociedade burguesa capitalista.”

No número 18, o texto escolhido relaciona-se com o anterior, sendo dado destaque ao facto de em todo o país existirem “milhares de desgraçados lutando com falta de recursos para viver, sem que se tomem providências”.

No último número de “O Estandarte”, de 31 de maio de 1927, publicado depois de “A Batalha” ter sido ilegalizada, foi transcrito o texto “Por Lisboa- A incompetência e o egoísmo das “forças vivas”. Neste é denunciada a existência, em Portugal, de milhares de pessoas “a braços” com a miséria”, são culpados os industriais por causa do seu rotineiríssimo e incompetência e denunciado o facto de industriais, agricultores e comerciantes viverem “do favor do Estado”.

Depois de referir a necessidade do operariado se organizar nos sindicatos para lutar contra os responsáveis pela miséria em que vivem e a exploração a que são submetidos, o texto termina com a seguinte interrogação:

“Estará o operariado disposto a contribuir, com a sua indiferença e com a sua passiva resignação, para a edificação dum futuro que seja o presente, continuado e agravado?”

Teófilo Braga

(A Batalha, nº 287, jan/fev de 2020)

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