domingo, 25 de fevereiro de 2024

Cipreste-dos-pântanos


Cipreste-dos-pântanos

O cipreste-dos-pântanos ou cipreste-calvo (Taxodium distichum (L.) Rich) é uma planta, pertencente à família Cupressaceae, oriunda das regiões pantanosas do sudeste dos Estados Unidos da América.

O nome do género Taxodium deve-se à semelhança entre as folhas das suas duas espécies com as folhas dos teixos e o da espécie distichum deve-se ao facto das suas folhas estarem distribuídas em duas filas.

O cipreste-dos-pântanos é uma conífera caducifólia que na natureza pode atingir até 40 metros de altura, com copa piramidal e ramos horizontais. O seu tronco alarga-se na base e a sua casca é grossa e fibrosa de cor castanho-avermelhada. As suas folhas com 1 a 2 com de comprimento são em forma de agulha, com cor verde-claro na primavera, um pouco mais escuras no verão e vermelho-acastanhadas no outono. As suas flores, que surgem em março e abril, são de cor púrpura, encontrando-se as masculinas em cachos pendentes e as femininas espalhadas pela árvore.

Em solos inundados, o cipreste-dos-pântanos emite raízes aéreas modificadas que se denominam penumatóforos que têm a função de captar o oxigénio atmosférico e também contribuem para a sustentação das árvores.

É possível observarmos cipreste-dos-pântanos com penumatóforos no Parque Terra Nostra e nas margens da Lagoa das Furnas. No Jardim José do Canto, em Ponta Delgada, como o solo é bem drenado, o exemplar lá existente não os desenvolveu.

Para além dos locais referidos, encontram-se ciprestes-dos-pântanos no Parque Beatriz do Canto e na Mata-Jardim José do Canto, na margem sul da Lagoa das Furnas.

Raimundo Quintal, no seu texto “Árvores monumentais nos jardins, parques e matas de São Miguel-Proposta de classificação”, publicado em 2019, propôs que o exemplar existente no Parque Terra Nostra fosse classificado como de interesse público.

Introduzido na Europa em 1640, o cipreste-dos-pântanos terá, segundo António Saraiva (2020) sido introduzido em Portugal continental “provavelmente por Edmond Goeze, a partir de uma oferta de José do Canto.”
Ao contrário do que supôs António Saraiva (2020) que atribuiu a sua introdução nos Açores a José do Canto, através da leitura de um texto publicado no nº 18, de junho de 1849, de “O Agricultor Michaelense”, fica-se a saber que tal facto se deveu a Thomaz Anglin:
As primeiras árvores desta espécie conhecidas em São Miguel foram importadas da America pelo Sr. Thomaz Anglin, e a despeito d’uma longuíssima e tormentosa viagem, em que morreram outras interessantes plantas que aquelle memso Sr. trazia, vingaram estas, não se ressentindo das contrariedade do mar.Também por intervenção do Sr. Anglin foram introduzidas no anno de 1847 algumas sementes do mesmo cypreste, as quaes nasceram facilmente, e hão crescido rapidamente.

No que diz respeito à sua multiplicação, Saraiva (2020), menciona que a sua propagação se faz por sementes, que devem ser colocadas na terra no outono “ou estratificadas a 4º C durante 90 dias. As jovens plantas devem ficar em solo húmido, mas sem água à superfície.”

A sua madeira, sendo branda e leve, é fácil de trabalhar, sendo por isto usada na construção civil.

Saraiva (2020) destaca o valor paisagístico dada a cor das suas folhas e Quintal num texto intitulado “Ciprestes dos pântanos na Lagoa das Furnas” (2021) ao escrever que “Estas gimnospérmicas caducifólias são um espetáculo de cor!” corroboram o que em 1949 foi escrito em “O Agricultor Michaelense”:

“Esta árvore tão preconizada reúne ainda a propriedade de ser elegante no sue porte, e possuir uma folhagem dificilmente excedida em beleza, por nenhuma outra. Com especialidade na primavera quando as suas mimosas folhas começam a desabrochar, e o verde claro d’ellas principia de avultar por entre os ramos symetricos, e horizontaes, +e de encantador aspecto, e muito para ver.”
Teófilo Braga

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Azevinho


Azevinho

O azevinho (Ilex azorica Gand.) é uma árvore dioica perenifólia, da família Aquifoliaceae, endémica dos Açores, que apenas não ocorre na ilha Graciosa.

O azevinho é uma árvore que pode atingir 14 m de altura. As folhas são pequenas e de forma elíptica-oblonga, glabras, verde-brilhantes na página superior. As flores que surgem em março, abril e maio, são brancas e os frutos são bagas vermelhas, quando maduras.

L Silva, M. Martins, G. Maciel e M. Moura no livro “Flora Vascular dos Açores Prioridades em Conservação”, editado em 2009, afirmam que o azevinho aparece em “locais fortemente expostos, locais húmidos, ravinas, matos de montanha, florestas naturais …escoadas lávicas recentes com vegetação pioneira, margens de lagoas”.

O botânico sueco Erik Sjögren, em 2001, considerava esta espécie em perigo na ilha de Santra Maria e na ilha do Corvo, onde apenas um exemplar havia sido encontrado em 1978. Por sua vez, Rui Elias, no livro “Flora Nativa dos Açores, publicado em 2022, considera o azevinho mais raro em Santa Maria.

Gaspar Frutuoso, por diversas vezes menciona a presença de azevinhos em várias ilha dos Açores. Assim, ao descrever a ilha de Santa Maria, no capítulo IX, do livro III, das Saudades da Terra, escreve o seguinte:

Dá-se nela também toda a sorte de hortaliça, e muito boa, principalmente de Outono. Cria muito muitos azevinhos, ginjas, louros, tamujos e uveiras, que dão muitas uvas de serra e as melhores que há nestas ilhas todas.

No capítulo XLVIII, do livro IV, do livro mencionado, Frutuoso escreve sobre uma utilização do azevinho nos seguintes termos:

“…E onde alcançou e cobriu cinzeiro e pedra pomes, já agora cria uma erva que se chama solda, que se quer parecer com erva ussa, mas cresce mais alta e comprida, e é sempre verde, proveitoso pasto para o gado, além de o ser também a rama das árvores do mato, de pau branco e de outras, especialmente a do azevinho que é mais prestadia, a qual por ser alta Iha cortam os pastores, e outra rama de louro, que alcança o gado ao dente, por ser mais baixa, de que há maior quantidade e abundância; mas, a rama da ginja, de Março por diante, na serra e em terra de mato sombria, o faz ourinar sangue.”

Em 1871, Acúrcio Garcia Ramos, sobre o azevinho e a sua utilidade, escreveu o seguinte:

“É notável arbusto, ás vezes arborescente, por suas folhas duras, firmes, extremamente ondeadas, e por seus contornos espinhosos. A madeira é tão pesada, que vae ao fundo da água, e por isso mesmo tem muito apreço dos torneiros. Os ramos novos, muito flexíveis, servem para vassouras; e a segunda casca, ou liber, fornece aos passarinheiros um precioso visco. Há algumas variedades d’esta especie com folhas malhadas, que prestam um magnífico ornato aos jardins.”

Um relatório, datado de 1932, citado por Carreiro da Costa (1989), ao descrever a situação da flora na ilha do Pico, quase repete as informações de Garcia Ramos. Assim podemos ler o seguinte, sobre o azevinho: “arbusto de ornamento, de madeira muito pesada e que vai ao fundo da água, de grande apreço para as obras de torno”.

A azevinho também marca presença na toponímia açoriana. Assim, Gaspar Frutuoso refere o Pico do Azevinho, no Nordeste, ilha de São Miguel e o Arrebentão do Azevinho, na ilha de Santa Maria. Carreiro da Costa (1989) menciona, na ilha de São Jorge, a Fajã dos Azevinhos e o Salto do Azevinheiro.

Hoje, desconhecemos qualquer utilização do azevinho para além da ornamental, sobretudo em parques e jardins públicos e privados. Assim, fora do seu habitat natural, há azevinhos no Pinhal da Paz, no Jardim da Universidade dos Açores, no Jardim Botânico José do Canto, no Parque Terra Nostra, na Mata-Jardim José do Canto, nas margens da Lagoa das Furnas e na Mata do Dr. Fraga, na Maia.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Alice Moderno, Fédora Miranda e a SMPA


Alice Moderno, Fédora Miranda e a SMPA

Na sequência da morte de Alice Moderno a 20 de fevereiro de 1946, a SMPA-Sociedade Micaelense Protetora dos Animais foi forçada a procurar uma substituta, o que veio a acontecer quase um ano depois.

Foi Fédora Miranda, quem teve a honra de a substituir, tendo com a sua equipa implementado um conjunto de iniciativas dignas de registo.

Embora, longe de estar completa, decidimos publicar hoje, quando se registam 48 anos após a morte de Alice Moderno.

1947

A 9 de fevereiro de 1947, a eleição de Fédora Miranda foi saudada pelo jornal “Açores” nos seguintes termos: “Significa isto que o abnegado espírito de D. Alice Moderno continua a presidir aos destinos da nossa utilíssima instituição, inspirando, a cada passo, a generosa actividade dos seus membros.”

No mesmo jornal, Fédora Miranda comunicou a intensão da realização de uma exposição de animais, onde para além de serem atribuídos valiosos prémios, seriam louvadas as pessoas que haviam demonstrado carinho pelos animais. Na ocasião também referiu que a Junta Geral estava a ultimar os trabalhos para a construção do Hospital Alice Moderno.

A 14 de fevereiro de 1947, o jornal “Açores” publica uma reportagem sobre a Assembleia Geral da SMPA realizada no passado dia 11 daquele mês, onde foram eleitos os órgãos sociais daquela sociedade. Para além de Fédora Miranda, eleita presidente da direção, foram eleitos, entre outros, Manuel da Silva Carreiro, como presidente do Conselho Fiscal, Jacinto Inácio Silveira de Andrade Albuquerque Gago da Câmara, como presidente da Assembleia Geral, Lúcio Miranda, como vice-presidente da Assembleia Geral e Margarida Vitória Borges de Sousa Jácome Correia, como primeira pessoa da lista dos membros do Júri.

Na Assembleia Geral, Fédora Miranda, depois de ter afirmado que havia sido convidada em junho de 1946 para assumir a presidência da SMPA e que tinha receado por achar que podia “não reunir as qualidades necessárias para a [Alice Moderno] substituir, visto ser uma modesta dona de casa, vivendo apenas para o meu lar e para os meus filhos, afirmou que decidiu aceitar por ser sensível à “causa dos animais, nossos irmãos inferiores e nossos amigos leais e delicados.”

1948

De acordo com notícia publicada no “Açores”, de 14 de novembro de 1948, o Hospital Alice Moderno havia colhido uma cadela doente na Rua do Carvão. A cadela estava à disposição do dono que teria de pagar as despesas de tratamento.

1949

Segundo nota publicada no “Açores”, de 13 de novembro de 1949, a SMPA promoveu uma fiscalização, onde foram atuados, por transgressão às regras do uso do aguilhão, dois condutores naturais do concelho da Ribeira Grande.

1950

O pessoal do Hospital Alice Moderno, a pedido da PSP, recolheu na Rua do Mercado um cão que havia sido atropelado por uma caminheta de carga, anuncia o “Açores”, no dia 2 de abril. Mais informa que o mesmo ficaria no hospital à disposição do dono.

A 13 de maio de 1950, o “Açores” anuncia que a SMPA tem à sua guarda dois cães encontrados na ruas de Ponta Delgada e que aguarda o aparecimento dos respetivos donos.

A 18 de outubro de 1950, a SMPA anuncia, no “Açores”, que tem tomado medidas para evitar o excesso de carga e a crueldade para com os animais que transportam beterraba, que denunciou a morte de um cão por negligência e o ferimento de outro. Além disso a direção da Sociedade apelou para que os donos tirassem a licença camarária dos cães e chamou a atenção dos proprietários da carroças de carneiro para o facto de não ser permito transportar nas mesmas crianças após os 5 anos de idade e carga até 30 kg.

1951

Fédora Miranda, no dia 11 de junho de 1951, na sua qualidade de presidente da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais presidiu ao júri de um concurso de cães, realizado no âmbito de uma Exposição/Concurso Pecuário.

1953

No dia 1 de março de 1953, a SMPA denunciou o facto de alguns proprietários de carneiros estarem a usá-los para transporte de adultos e de cargas superiores a trinta quilogramas, o que era proibido por postura municipal e punido com multa elevada.

1954

A 22 de agosto de 1954, o jornal “Açores” anuncia que Fédora Miranda, tendo-se ausentado em vilegiatura, todos os assuntos relativos à SMPA passavam a ser tratados como encarregado da secretaria Fernando Soares, na Rua da Vila Nova, 111.

20 de fevereiro de 2024

Teófilo Braga

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Uva-da-serra


Uva-da-serra

O cronista Gaspar Frutuoso por várias vezes mencionou a presença da uva-da-serra em várias ilhas dos Açores.

No capítulo II, do livro IV das Saudades da Terra, Frutuoso, ao escrever sobre uma mulher que andou fugida na ilha de São Miguel registou o seguinte:

“…se foi por um escalvado até uma ribeira da banda norte, onde depois a foram achar uns homens, que pelo mesmo caminho a buscaram, e achando-a muito disforme, negra e descorada, por lhe faltarem os mantimentos, e não comer senão alguma fruta da serra, que chamam romania, e por outro nome uvas de serra, de que em toda a parte desta ilha há muita quantidade, e lapas, junto do mar, ou algum outro marisco, à ribeira lhe puseram nome a ribeira da Mulher, como hoje em dia se chama.”

O mesmo autor quando tratou da ilha do Faial, no livro VI das Saudades da Terra, escreveu que a romania “dá umas uvas pretas como mortinhos que chamam uva-da-serra que muitas pessoas comem por terem o gosto acre e aprazível.”

A uva-da-serra, romania, uva-do-mato, uva-do-monte, uveira (Vaccinium cylindraceum Sm.) é um arbusto ou pequena árvore, da família Ericaceae, endémica dos Açores, existindo em todas as ilhas, exceto na Graciosa.

A uva-da-serra, é uma planta semicaducifólia que pode atingir 5 metros de altura, com folhas alongadas, serrilhadas e agudas na ponta, sendo verdes e tornando-se avermelhadas no outono. Apresenta as suas flores agrupadas em cachos de 10-20, cor-de-rosa ou brancas, sendo visíveis nos meses de maio, junho e julho. Os frutos são pseudo-bagas, primeiro verdes e depois negras quando maduras.

A uva-da-serra prefere locais húmidos e pouco expostos, preferencialmente entre os 300 e os 1300 m de altitude.

Em 1950, no BCRCAA, nº 11, o tenente-coronel José Agostinho já alçertava para a escassez da uva-da-serra nalgumas ilhas, nos seguintes termos: “Nas outras ilhas vai-se defendendo da perseguição do homem e das vacas, muito gulosas da sua folhagem (…) albergando-se em encostas inacessíveis das grotas, ou no interior dos matos pouco frequentados.”

Drouet (1861) escreveu que com os frutos se fazem geleias e que a madeira serve para o fabrico do carvão. Dez anos depois, Accurcio Garcia Ramos (1871) apenas referiu que a sua madeira era usada para o fabrico de carvão.

O Dr. Francisco Carreiro da Costa (1949) no número 10 do Boletim da Comissão Reguladora do Arquipélago dos Açores, depois de escrever que “os pastores recorrem a ela ainda nos nossos dias para lhe comerem os frutos, quando maduros, apesar de ácidos e adstringentes”, menciona o uso da uva da serra nos seguintes termos:

“Fruto silvestre que tem sido, no decorrer dos tempos, saboreado pelos pastores e gente pobre das nossas ilhas, ainda há pouco, por ocasião da última guerra, dele fizeram aguardente nalgumas ilhas, designadamente em São Jorge, onde o produto obtido em nada, ao que parece se mostrou inferior à aguardente que se tem feito, em São Miguel, de ananás, e, em quase todas as ilhas, de nêspera.

Em presença desta ocorrência de que se obtiveram os melhores resultados, perguntámos nós: Estará a romania, posto que silvestre, um fruto com algum futuro industrial e, por consequência, com vantagens económicas para as populações rurais açorianas?”

Sendo uma das plantas mais bonitas da flora endémica dos Açores, sobretudo no período de floração e no outono, seria de todo o interesse usá-la para fins ornamentais, em locais altos e húmidos.

Teófilo Braga

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Feto-real


Feto-real

Embora alguns autores árabes e medievais europeus já tivessem escrito sobre o feto-real, o seu conhecimento científico não é recente, sendo a referência mais antiga a do médico e botânico alemão Valerius Cordus no seu livro “Historia Plantarum”.

O feto-real ou feto-de-flor (Osmunda regalis L.) é uma planta perene, pertencente à família Osmundaceae, nativa dos Açores que pode atingir 1,5 m de altura, com frondes largas verde-claras. Apresenta esporângios na extremidade das folhas férteis e os esporos são verdes.

O feto-real encontra-se espalhado por quase todo o mundo, em regiões temperadas e tropicais. Nos Açores existe em todas as ilhas, sendo, segundo Rui Elias (2022), raro em Santa Maria, muito raro na Graciosa e muito frequente nas Flores.

O feto-real prefere locais húmidos e abrigados, sendo comum nas margens de algumas lagoas como, por exemplo a Lagoa do Canário, na Serra Devassa, na ilha de São Miguel. Encontra-se, geralmente entre os 500 e os 1000 me de altitude.

Desconhece-se a partir de que continente o feto-real chegou aos Açores, nem como terá cá chegado. Poderá ter sido por ação do vento ou por intermédio das aves migratórias.

Sobre o feto-real, o Padre Ernesto Ferreira, no seu livro “A Alma do Povo Micaelense”, editado pela primeira vez em1927, escreveu o seguinte:

“O feito de Sam João (Em Portugal chamam-lhe feto real. É a espécie Osmunda regalis. Em Sam Miguel dizem geralmente feito em logar de féto.) também produz, na noite do austero Precursor, uma lindíssima flôr. Que ninguém jamais viu, mas que daria riquezas imensas a quem pudesse apanha-la. Consegui-lo-ia facilmente um padre indo, á meia-noite, paramentado como para celebrar missa.”

Em França, de acordo com o livro “Segredos e Virtudes das Plantas Medicinais”, em alguns meios rurais era habitual encher os “colchões das camas de crianças débeis e dos doentes de reumatismo” com as frondes do feto-real.

Rosette Fernandes (1980), depois de afirmar que desconhecia o seu uso nos Açores, escreveu o seguinte:

“Em vários países da Europa é apreciada como planta ornamental e, mesta qualidade, várias formas têm sido obtidas por horticultores. Estes utilizam também muito o rizoma (juntamente com as bases envolventes das folhas velhas) para o cultivo de orquídeas, sendo tão procurada para esse fim que nalgumas localizadas já quase desapareceu. O rizoma, rico em amido, era outrora empregado para o engomamento (…). Finalmente, os médicos antigos usavam o rizoma em medicina e, segundo as várias aplicações indicadas (…) tais como tratamento de cólicas, “descentes”, obstruções do baço, feridas, contusões, «ruptures», «tachite» (raquitismo?), o remédio era quase panaceia universal.”

A maioria dos autores consultados não refere qualquer aproveitamento do feto-real nos Açores, contudo Yolanda Corsépius (1986) menciona o seu uso na medicina popular. Assim, segundo ela a planta possui as seguintes propriedades e indicações: “diurética-litíase renal e biliar; anti-inflamatória- contusões e equimoses.” A autora refere, ainda, que a planta é usada interna e externamente, sendo usado o rizoma seco.

Para o uso externo o modo de preparar é o seguinte: “50-60 g de água em decocção durante 15 min. Aplica-se em compressas.”

Embora já possa ser encontrado em vários jardins, como o Jardim José do Canto, em Ponta Delgada, esta planta merecia ser muito mais utilizada como ornamental nos Açores.

Teófilo Braga

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Açucena


Açucena

A açucena (Lilium longiflorum Thunb.) é uma planta pertencente à família Liliaceae, oriunda do Japão e de Taiwan, mas que desde há muitos anos passou a ser cultivada em várias partes do mundo, tendo chegado a Inglaterra, em 1819, através de Carl Peter Thunberg, explorador, naturalista e botânico sueco.

Tal como muitas outras plantas não podemos indicar com precisão a data nem o nome de quem introduziu a açucena nos Açores, mas a açucena já fazia parte das plantas existentes na primavera de 1856, no Jardim de José do Canto, em Ponta Delgada, que havia sido criado 10 anos antes.

A açucena é uma herbácea ereta que pode atingir de 40 cm a cerca de 1 metro de altura. Apresenta folhas verdes lanceoladas e brilhantes e flores grandes brancas em forma de trombeta que surgem no verão.

Também conhecida como lírio-japonês, devido à sua origem, a açucena é tal como a rosa uma das mais apreciadas plantas ornamentais, sendo cultivada em filas ao longo de caminhos, muros, paredes, etc. ou em maciços.

A açucena já foi cultivada, nos Açores, com fins económicos, como se pode depreender de um anúncio publicado no jornal “A Folha”, fundado e dirigido pela feminista e defensora dos Animais Alice Moderno:

AÇUCENAS

Alice Moderno encarrega-se de exportar

açucenas para New York.

Fornece todas as informações

Rua do Castilho nº 1

Ponta Delgada

De acordo com um texto publicado no Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, nº 10, publicado em 1949, da autoria do Dr. António da Silveira Vicente, professor do Liceu de Antero de Quental e produtor de açucenas, em São Miguel cultivavam-se duas variedades a “Formosum” e a “Harrisii”.

De acordo com a mesma fonte, a plantação de açucenas deve ocorrer na primeira quinzena de outubro, sendo os bolbos colocados a uma distância de 20 a 25 cm e a colheita deve ser feita no final de julho ou início de agosto.

A beleza das suas flores faz com que a açucena seja muito usada para ornamentação das casas de muitos açorianos e é a flor rainha na ornamentação em algumas festividades religiosas que ocorrem em todas as ilhas dos Açores.

Na minha infância e juventude, lembro-me sempre de ver no meu quintal e em algumas terras que meu pai cultivava, nomeadamente na Courela, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, pelo menos um rego de açucenas que serviam para ornamentar a casa de meus pais e de alguns familiares ou para oferecer aos mordomos do Espírito Santo.

A açucena é alvo da escrita de vários autores. Por assemelhar a várias quadras da cultura popular açoriana, transcrevo uma da brasileira, recolhida por João Simões Lopes Neto:

Açucena quando nasce,

Arrebenta pelo pé:

Assim arrebenta a língua

De quem diz o que não é.

Teófilo Braga

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Perrexil


Perrexil

O perrexil, perrexil-do-mar ou funcho-do- mar (Crithmum maritimum L.) é uma planta da família Apiaceae, nativa das costas do mar Mediterrâneo e do Atlântico europeu, das Canárias, da Madeira e dos Açores, existindo em todas as ilhas açorianas.

O perrexil é uma planta herbácea de porte pequeno, podendo atingir 50 cm. E uma planta suculenta com folhas carnudas, lanceoladas e acinzentadas. As flores apresentam-se em umbelas terminais com pétalas verde-amareladas. Os frutos são ovoides amarelados.

O perrexil encontra-se preferencialmente em zonas supralitorais rochosas, geralmente até aos 20 m de altitude.

Utilizado desde os primeiros tempos do povoamento dos Açores, Gaspar Frutuoso no capítulo XLII do livro IV das Saudades da Terra, ao descrever o litoral da Lagoa, ilha de São Miguel, fez referência ao perrexil nos seguintes termos:

Deste lugar donde saíram os franceses a dois tiros de besta, correndo a costa direita, está uma pequena ponta que por ser alta se chama o Muimento, onde há muito perrexil;

Indo dali para loeste, está o biscoutal grande, em comparação dos outros pequenos, seus vizinhos, que terá légua de comprido por aquela costa, toda de pedra de biscouto seco e raso, com o mar, sem rocha nenhuma alta, onde se acha muito perrexil, agradável e apetitoso manjar para enjoados e famintos no mar, e fartos e enfastiados na terra; e pela banda da terra, vinhas e pomares ornados com quintas e casas alvas, antre sua fresca verdura, com que fica todo aquele sítio muito aprazível à vista de quem o vê e muito mais deleitoso a quem o goza.

Durante as navegações já se conheciam as propriedades curativas do perrexil de modo que a planta era usada para combater o escorbuto.

De acordo com o médico Acúrcio Garcia Ramos, no seu livro “Noticia do Archipelago dos Açores e do que ha mais importante na sua história natural”, publicado em 1871, costumava “servir-se nas mesas em conserva de vinagre”.

Em 1884, António Borges do Canto Moniz, ao escrever sobre a flora e fauna da ilha Graciosa faz referência ao perrexil nos seguintes termos: “encontra-se grande abundância d’esta planta nas rochas e vinhas próximas do mar, e d’ella fazem os graciosenses apreciável conserva.”

Na página “Produtos Tradicionais Portugueses” da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, apresenta o modo de preparar o perrexil para uso na alimentação:

“Ingredientes utilizados: Perrexil; cebolinha; pimento vermelho; sal e vinagre.

Modo de preparação: Separar a flor da planta, deixando somente as folhas a reservar. Lavar as folhas, mergulhando-as em água por algum tempo para lhes retirar alguma sujidade e reservar. Descascar a cebolinha e reservar; cortar o pimento em tiras finas e reservar. Preparar os recipientes para conserva (frascos). Escorrer as folhas do excesso de água, e separá-las em pequenos galhos com três ou quatro folhas cada e reservar. Colocar os galhos dentro dos frascos, adicionar a cebolinha e o pimento vermelho, borrifar com um salpico de sal grosso. Encher os frascos com vinagre de vinho e fechar. O curtume está pronto a consumir quando a planta atingir a tonalidade verde azeitona, ou seja, um verde desmaiado, o que acontece entre os 15 e 30 dias, mínimo/máximo; retirar do recipiente e passar por água corrente.” (https://tradicional.dgadr.gov.pt/pt/)

O Dr. Oliveira Feijão, no livro “Medicina pelas Plantas” refere o uso das “folhas frescas em infuso ou cozimento…como diuréticas (gota, hidropisias, etc.)”.

Teófilo Braga

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Ginco


Ginco

O ginco ou nogueira-do-japão (Ginkgo biloba L.) é uma espécie caducifólia, pertencente à família Ginkgoaceae, oriunda da China que é considerada um fóssil vivo, pois é contemporânea dos dinossauros.

O ginco é também conhecido como a árvore de Hiroxima, pois um exemplar da espécie sobreviveu à explosão atómica ocorrida naquela cidade japonesa em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, numa altura em que a Alemanha já estava derrotada, a Itália já se havia rendido e Hitler e Mussolini, já se encontravam no Inferno a pagar pelos seus pecados. Apenas restava o Japão que ainda resistia, mas já estava de joelhos.

Pelas 8 horas e 15 minutos do dia 6 de agosto um avião dos Estados Unidos lançou uma ogiva secreta, cujo resultado, segundo Ireneu Gomes, foi a morte de 78 150 pessoas só no primeiro segundo após a detonação da bomba, 13 983 desaparecidos e 130 mil pessoas mortas, ao longo dos anos, vítimas da radiação.

O ginco foi dado a conhecer ao ocidente através do médico e botânico alemão Engelbert Kaempfer que foi quem primeiro descreveu a espécie e possivelmente a introduziu na Europa.

Em Portugal continental é cultivada em Parques e Jardins, sobretudo no Norte e Centro, destacando-se pelo seu porte um exemplar existente no Parque das Virtudes, na cidade do Porto.

Não possuindo dados para afirmar quem e quando terá sido introduzido o ginco nos Açores, sabe-se que a espécie já existia na primavera de 1856 no Jardim José do Canto.

Nos Açores surge, também em vários parques e jardins públicos e privados, sendo na ilha de São Miguel possível a sua observação no Jardim do Palácio de Santana, no Pinhal da Paz, no Jardim da Universidade, no Jardim da Escola Secundária das Laranjeiras, no Parque Terra Nostra, no Viveiro Florestal das Furnas, no Jardim do Piquinho, nas Furnas, na Mata-Jardim José do Canto-Lagoa das Furnas e na Mata do Dr. Fraga, na freguesia da Maia e nos espaços ajardinados da Fábrica de Chá da Gorreana.

O geógrafo madeirense Raimundo Quintal, num texto intitulado “Árvores monumentais nos jardins, parques e matas de São Miguel-Proposta de classificação”, publicado em 2019, defendeu que fosse classificado como de interesse público o conjunto de gincos da Alameda dos Gincos do Parque Terra Nostra.

O ginco é uma árvore dioica que, em média, atinge os 40 m de altura e que apresenta uma copa cónica ou piramidal. O seu ritidoma é espesso e fendido e apresenta uma coloração castanho-acinzentado. As suas folhas são flabeliformes, podendo ser inteiras ou bilobadas, de cor verde-claro, tornando-se douradas no outono. O período de floração ocorre no mês de maio. Não produz frutos, mas apenas sementes globosas por vezes ovoides que amarelecem com uma pruína acinzentada.

O ginco foi considerado uma árvore sagrada. Na China e no Japão é plantado próximo de templos ou no lugar de templos desaparecidos.

Devido à sua grande resistência à poluição, o ginco é muito usado como planta ornamental em arruamentos. A sua madeira é usada na construção de móveis, o seu ritidoma é utilizado para curtimentas e os “frutos” são usados na alimentação e com fins medicinais. As folhas também são utilizadas para fins medicinais.

Embora haja algumas dúvidas acerca de alguns efeitos benéficos do uso do ginco, vários autores consideram que o mesmo pode melhorar o rendimento cerebral e a concentração, evitar a perda de memória, combater a ansiedade e a depressão, regular a tensão arterial, etc.

Sobre os usos etnomédicos e médicos do ginco, Cunha, Sila e Roque, no livro “Plantas e produtos vegetais em fitoterapia”, publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian escrevem o seguinte:

“Em casos de diminuição do rendimento intelectual. Perda da memória, zumbidos, dores de cabeça e ansiedade devido a insuficiência vascular cerebral dos idosos. Claudicação intermitente. Demência senil tipo Alzheimer. Prevenção da arteriosclerose e da formação de trombos. Útil em cardiopatias isquémicas e na diabetes mellitus nomeadamente nas complicações vasculares.”

Teófilo Braga

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Marmeleiro


Marmeleiro

Os marmelos, que eram conhecidos pelos gregos pelo menos desde o século VII a. C., foram considerados como um dos frutos mais úteis, sendo utilizados na medicina popular devido à sua adstringência.

Em 1884, António Borges do Couto Moniz numa descrição que faz da ilha Graciosa menciona que naquela ilha existem muita abundância de marmeleiros, “que se exportam milhares de marmelos para as ilhas de S. Miguel e Terceira”.

O marmeleiro ou marmelo (Cydonia oblonga Mill.), pertencente à família Rosaceae, é uma planta originária do sudoeste e centro da Ásia, sendo cultivado em quase todo o mundo, especialmente em regiões de clima mediterrânico.

O marmeleiro chegou aos Açores nos primeiros anos do povoamento das ilhas, como se pode comprovar através da leitura das Saudades da Terra. Com efeito, ao descrever a costa sul da ilha de São Miguel, Gaspar Frutuoso, menciona a existência, em São Roque, de várias fruteiras:

“…porque tem um rico e grande pomar, com cento e sete grandes laranjeiras, todas arruadas por boa ordem, e um pinheiro de grande sombra e muitos limoeiros, limeiras, cidreiras e outras muitas fruteiras, de toda sorte de boa pomage, e diversas enxertias novamente feitas, pereiros, albricoqueiros, macieiras, marmeleiros, figueiras e amoreiras, tanta cópia que, do sobejo e podado, sustenta quase todo o ano a sua grande casa de lenha; grande vinha com seu lagar e casa; batatal, horta de toda a hortaliça, onde se criam muitos galipavos, patos e galinhas, em grande número;…”

Trata-se de uma árvore ou arbusto que pode atingir, em média, 4 m de altura, de folhas caducas e ovais e flores hermafroditas brancas ou ligeiramente cor-de-rosa. Os frutos são em forma aproximada de pera, de cor amarelo-dourado, quando maduros, e polpa áspera e muito aromática.

O marmeleiro, que pode ser plantado de outubro a março e prefere terras ricas e permeáveis, segundo Henrique de Barros e L. Quartim Graça, no seu livro “Árvores de Fruta”, multiplica-se “por mergulhia ou por meio de estacas que se obtêm os porta-enxertos para variedades de qualidade. No que diz respeito a podas, os mesmos autores escrevem o seguinte: “Deve ser muito moderada, não passando de simples limpeza no Inverno para equilíbrio e arejamento da copa que é muito ramificada.”

É cultivado para a produção de frutos que apesar de poderem ser comidos em fresco, devido à sua polpa áspera, é aconselhado o seu uso na preparação de compota ou marmelada.

Augusto Gomes no seu livro Cozinha Tradicional da Ilha Terceira apresenta a receita de “doce de marmelo” que a seguir se transcreve:

“Descascados os marmelos, pesam-se e deitam-se em água fria para não ficarem escuros, e em seguida cozem-se. Depois de cozidos, ralam-se e vão ao lume em um tacho com o mesmo peso de açúcar, deitando-lhe um pouco de sal, e deixando ferver até atingir o ponto de rebuçado.”

Numa brochura publicada nos primeiros anos do século XX, da autoria de Rosa Maria, intitulada “Cem maneiras de fazer doces económicos”, a autora explica como fazer geleia de marmelo. Segundo ela:

” A geleia de marmelo aproveita-se sempre dos desperdícios dos marmelos quando se faz a marmelada. Fervem-se as pevides, cascas e outros restos que ficaram na peneira, aproveitando a água que cozeu os marmelos. Depois de tudo bem fervido côa-se por um pano, mede-se depois e por cada medida de litro junta-se um quilo de açúcar; leva-se ao lume, estando pronta, logo que, deitando-se um pouco num pires e abrindo com um dedo o caminho, esse rasto permaneça”.

Entre outras utilizações, o Dr. Oliveira Feijão (1986) menciona o uso da “geleia de marmelo” como “alimento tónico e reconstituinte de crianças, convalescentes, doentes de peito, etc.”

Teófilo Braga

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Costela-de-adão


Se é verdade que a costela-de-adão é uma planta ornamental muito conhecida entre nós não será menos verdade dizer que muito poucos conhecem o agradável sabor do seu fruto que para a princesa Isabel (1846-1921), filha do Imperador D. Pedro II do Brasil, era o melhor de todos.

A costela-de-adão, banana-d’água, filodendro, banana-de-macaco ou fruto-delicioso, na Madeira (Monstera deliciosa Liebm.), é uma planta pertencente à família Araceae, nativa da América Central e cultivada em todo o mundo, sobretudo em regiões tropicais e temperadas.

A designação científica da planta é explicada por João Santos Costa, na página Web da revista Jardins, do seguinte modo:

“O epíteto específico do seu nome deliciosa significa “delicioso”, referindo-se objetivamente ao seu fruto comestível e enormemente apreciado por todo o mundo, sendo que o seu género, Monstera, tem origem na palavra latina com tradução de “monstruoso” ou “anormal” e refere-se às folhas incomuns com buracos naturais que os membros do género têm, chamadas tecnicamente fenestrações.” (https://revistajardins.pt/)

A costela-de-adão é uma planta trepadeira, facilmente identificável pela forma e tamanho das suas folhas que são muito grandes, cordiformes, perfuradas e com longos pecíolos. O caule é lenhoso, podendo atingir até 3 m de comprimento. A suas flores, que surgem durante todo o ano, são esbranquiçadas e muito aromáticas. Os frutos são verdes, em forma de pinha alongada e quando maduros apresentam aroma a banana-ananás.

Nos Açores, é cultivada ou encontra-se naturalizada no Faial, Flores, Graciosa, Pico e São Miguel, surgindo na floresta de incenso, ravinas, locais incultos, geralmente abaixo dos 300 m de altitude.

O seu valor ornamental foi reconhecido por José do Canto que ao construir o seu jardim em Ponta Delgada, incluiu a costela-de-adão entre as plantas que lá colocou. Assim, em 1856, faziam parte da lista das plantas existentes naquele espaço a Monstera linnei e a Monstera pertusa.

Mais tarde, em 1868, os mesmos taxa faziam parte de uma lista de plantas, de José do Canto, multiplicadas em maior número, disponíveis para doação ou permuta.

A costela-de-adão é muito usada como planta ornamental de interior e existe em vários jardins, tanto públicos como privados, como o Jardim António Borges ou o Jardim José do Canto, em Ponta Delgada.

Os seus frutos quando bem maduros são comestíveis e muito deliciosos. Podem ser comidos frescos isoladamente ou em salada de frutas. Por conterem uma elevada percentagem de oxalato de cálcio os frutos verdes ou não completamente maduros não devem ser consumidos, pois podem provocar irritações na garganta.

Yolanda Corsépius, no seu livro “Algumas Plantas Medicinais dos Açores”, na segunda edição, de maio de 1997, menciona o uso medicinal de 40 g das folhas secas, em decocção num litro de água durante 5 minutos. A mesma autora apresenta as seguintes recomendações: “Para se comer o polme do fruto- doce, carnudo e laxante- deve apanhar-se o fruto maduro e deixar que os discos da cobertura caiam espontaneamente. Come-se o polme com o auxílio de um garfo.”

Vieira, Moura e Silva (2020) referem que as folhas e os frutos da costela-de-adão são usados medicinalmente, pois possuem as seguintes propriedades: antiartrítica, antirreumática e laxante.

Teófilo Braga

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Reflexões a propósito de “O Sargento Tavares: Memórias do Meu Avô”


Reflexões a propósito de “O Sargento Tavares: Memórias do Meu Avô”

Antes de mais, os meus parabéns ao Júlio Tavares Oliveira por mais uma publicação que tem um cunho especial, pois trata-se de uma homenagem ao seu avô António Tavares na altura certa, isto é, em vida do homenageado.

A iniciativa de Júlio Tavares Oliveira é louvável numa altura em que muitas vezes se ignora quem é digno de ser reconhecido pelo seu contributo à sociedade em que está inserido e se homenageia quem não merece, isto é, “homens [e mulheres] insignificantes que conhecem a arte de adornar-se com o mérito dos demais, dos desconhecidos e esquecidos pela história, que são na realidade os que fazem a história” (Rudolf Rocker).

Não vou abordar com pormenor, todo o conteúdo do livro, que já foi dado a conhecer através de entrevistas e reportagens publicadas na comunicação social. Limitar-me-ei a destacar alguns aspetos que de algum modo me marcaram ou suscitaram a minha reflexão:

1- A guerra colonial;

2- Salazar, o ditador solidário;

3- Salgueiro Maia e o 25 de Abril de 1974;

4- A cultura musical e a igualdade de género;

5- A partidarite uma “doença” que nos persegue.

1- A guerra colonial

Um tema que me é querido, pois vivi a minha juventude com o medo de ter de ir parar à guerra colonial, depois de ter assistido aos funerais de dois professores primários que lecionaram na minha escola, um da Ribeira das Tainhas e outro da freguesia de São Miguel, e de um outro jovem, meu vizinho que morava na Ribera Seca de Vila Franca do Campo.

Em relação à Guerra Colonial que ocorreu entre 1961 e 1974 e que estaria perdida na Guiné e impossível de ganhar em Angola e em Moçambique, não podemos esquecer os 600 mil jovens mobilizados, os treze mil mortos e os milhares de feridos.

O relato do assassinato de um nativo, em Angola, por parte de António Tavares, apenas porque um militar português não quis ter o trabalho de o vigiar, fez-me lembrar os massacres de populações indefesas cometidos pelas tropas coloniais, de que é, talvez, mais conhecido o de Wiriyamu, ocorrido em Moçambique, em 1972, onde pelo menos 385 pessoas foram assassinadas.

Só a ganância de alguns que se dizem humanos justifica a guerra. A guerra é um crime contra a humanidade.

2- Salazar, o ditador solidário

A hipocrisia de Salazar manifestou-se num episódio relatado pelo Júlio Oliveira. Com efeito, o ditador ofereceu uma viagem de barco a uma pessoa que não via os pais há alguns anos por terem sido deportados pelo seu regime para Angola.

Pelo conhecimento que tenho, Salazar mais do que solidário foi caridoso, isto é, satisfez alguns pedidos dos mais desfavorecidos, mas não tomou medidas a sério para combater a pobreza. Recordo que, em 1950, Salazar ofereceu a uma jovem da Povoação, cujo pai estava desempregado, uma máquina de costura. Tal ato não respeitou o terá dito Jesus: "Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita", pois a sua atitude foi amplamente relatada pela comunicação social micaelense na altura.

Mas Salazar também recebeu milhares de cartas de amigos, ministros e figuras ilustres do Estado Novo a mendigar lugares e favores que satisfazia. Tudo era motivo de pedido, desde um cargo, uma promoção, uma casa em Lisboa e até tinha uma palavra “em casos de crime, violência e adultério envolvendo figuras notáveis da sociedade.” (“Salazar Confidencial” Marco Alves, 2023)

3- Salgueiro Maia e o 25 de Abril de 1974

Do contato de António Tavares com várias personalidades que ficaram na nossa história, destaco a figura de Salgueiro Maia que foi um militar injustiçado.

Já li muito sobre a presença do capitão de abril; Salgueiro Maia, na ilha de São Miguel, nomeadamente que desafiou alguns elementos da FLA e que procedeu ao arranque de bandeiras e estandartes daquela organização, recorrendo a petardos para detonar as rochas onde eram colocados os tubos galvanizados onde aqueles símbolos se encontravam. O que não sabia era que, segundo se pode ler no livro de Júlio Oliveira, ele “quando estava de serviço no Quartel-General, como oficial de dia, porque normalmente as noites são divididas por vários homens, dispensava todos dos seus turnos noturnos, passando a noite toda, sozinho, de vigia ao quartel.”

Recordo que Salgueiro Maia poderia ter sido um alvo fácil de abater no Largo do Carmo, no dia 25 de Abril de 1974 e que por manter-se não alinhado relativamente a qualquer fação político-militar foi marginalizado e prejudicado na sua carreira. Um dos castigos foi a sua colocação em Ponta Delgada onde esteve entre 10 de março e 21 de dezembro de 1977.

Em 1988, também viu recusada, por um primeiro-ministro, uma pensão vitalícia do Estado por “serviços excecionais ou relevantes prestados ao país”. Por incrível que pareça pelas mesmas razões uma pensão veio a ser atribuída, mais tarde, a dois inspetores da PIDE.

4- A cultura musical e a igualdade de género

O livro de Júlio Tavares de Oliveira é também um livro de denúncia de quem pretende reescrever a história, mesmo que para tal recorra à omissão ou mesmo à mentira. Assim, ficamos a saber que através do livro “A Joia da Arte Musical da Lagoa”, que devia retratar fielmente a história da Sociedade Filarmónica Estrela D´Álva,, alguém teve a ousadia de afirmar que António Tavares tinha sido responsável pela má gestão financeira e pela “insolvência” da filarmónica.

Outro aspeto que me chamou a atenção, foi a abertura das atividades da filarmónica pela primeira vez às raparigas, no tempo em que António Tavares presidiu à sua direção.

5- A partidarite “uma doença que nos persegue

António Tavares também foi vítima da partidarite que reina na nossa terra. Com efeito, Júlio Tavares Oliveira relata que o seu avô, depois de ter servido com dedicação, como vereador, a população do seu concelho, foi “marginalizado” e viu a sua ação boicotada pelos detentores do poder autárquico por querer o melhor para a sua terra, independentemente das opções partidárias. Tal aconteceu depois de ter afirmado num café que conhecendo muito bem as qualidades de um determinado candidato a uma Assembleia de Freguesia iria votar nele e não no candidato indicado pelo Partido Socialista.

Termino agradecendo ao Júlio Tavares Oliveira por me ter proporcionado a leitura deste livro que me fez voltar à minha juventude e refletir sobre um período da história de Portugal e dos Açores que vivi intensamente: o fim do Estado Novo, o Golpe militar do 25 de Abril de 1974 e o PREC. Fiquei mais rico, pois também somos fruto do que lemos.

Ribeira Seca de Vila Franca do Campo e Pico da Pedra, 4 de fevereiro de 2024

Teófilo Braga

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Vidália


Vidália

A vidália é considerada por alguns autores a mais “importante” das espécies endémicas dos Açores, sendo a única espécie do seu género.

A vidália é um pequeno arbusto perenifólio que pode atingir cerca de 1,5 m de altura, possuindo folhas glabras, lanceoladas a lineares, de cor verde-escura ou verde- acastanhado. As flores, que surgem de março a setembro, têm a forma de sinos e são brancas a cor-de-rosa.

O seu nome científico é Azorina vidalii (H. C. Watson) Feer e pertence à família Campanulaceae.

Virgílio Vieira, Mónica Moura e Luís Silva, no seu livro “Flora Terrestre dos Açores”, editado pela Letras Lavadas edições, em 2020, sobre esta espécie escreveram o seguinte: “Estudos moleculares recentes demonstraram que esta planta pertence ao género Campanula, tal como originalmente foi proposto por H.C.Watson”, botânico inglês, pioneiro da biogeografia e da ecologia vegetal que visitou os Açores em 1842, onde colheu plantas para herbários de várias instituições científicas e para o seu.

A designação vidalii foi atribuída por Watson em homenagem ao capitão da marinha real britânica Alexander Thomas Emeric Vidal (1792 – 1863), responsável pelo levantamento hidrográfico dos Açores, entre 1841 e 1845.

Sobre o trabalho realizado por pelo capitão Vidal nos Açores, na Wikipédia (1) podemos ler o seguinte:

Para além do levantamento hidrográfico e de defesa das ilhas, as expedições do Capitão Vidal permitiram a realização de alguns estudos de história natural. Entre os estudos realizados, contam-se os trabalhos de herborização e pesquisa botânica de Hewett Cottrell Watson, levados a cabo durante a campanha que teve lugar de Maio a Setembro de 1842. Tais trabalhos originaram a publicação de várias listas das plantas existentes nos Açores, posteriormente consolidadas no capítulo sobre botânica (intitulado Botany of the Azores), escrito por Watson e inserto na obra Natural History of the Azores or Western Islands, editada em 1870 por Frederick du Cane Godman.

A vidália encontra-se sobretudo junto ao litoral, em arribas costeiras, praias de calhau rolado ou areia. Também pode ser encontrada em zonas urbanizadas, nomeadamente em muros de pedra ou construções abandonadas.

Virgílio Vieira, Mónica Moura e Luís Silva (2020) sobre a distribuição nos Açores referem que a vidália existe em “todas as ilhas e ilhéus de Vila Franca do Campo (ilha de São Miguel) e da Praia (ilha Graciosa).

A presença da vidália no ilhéu de Vila Franca do Campo é recente e tudo leva a crer que terá sido introduzida por mão humana. Posso comprovar o referido, pois fiz vários levantamentos da flora existente naquele ilhéu, que como vila-franquense visitei várias vezes, e o professor Frias Martins não menciona a sua presença naquela área protegida em mais do que uma publicação sobre a mesma, de que é exemplo o seu livro “O Anel da Princesa”, publicado em 2004.

A vidália, que se encontra protegida pela Convenção de Berna e pela Diretiva Habitats, de acordo com o livro “Top 100. As cem espécies ameaçadas em termos de gestão da região europeia biogeográfica da Macaronésia” encontra-se ameaçada pelo que é sugerido, entre outras medidas, o ordenamento da zona costeira, o controlo de exóticas e campanhas de informação e consciencialização social.

A vidália está presente em vários jardins botânicos fora dos Açores, tendo tido a oportunidade de a observar na Quinta do Palheiro Ferreiro na ilha da Madeira, no dia 13 de agosto de 2002.

Apesar da beleza das suas flores, a vidália muito raramente é cultivada como planta ornamental, nos Açores, não havendo qualquer justificação para tal, pois não é exigente em termos de solos e multiplica-se muito bem por semente.

(1)https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexander_Thomas_Emeric_Vidal

Teófilo Braga