sábado, 17 de fevereiro de 2024

Uva-da-serra


Uva-da-serra

O cronista Gaspar Frutuoso por várias vezes mencionou a presença da uva-da-serra em várias ilhas dos Açores.

No capítulo II, do livro IV das Saudades da Terra, Frutuoso, ao escrever sobre uma mulher que andou fugida na ilha de São Miguel registou o seguinte:

“…se foi por um escalvado até uma ribeira da banda norte, onde depois a foram achar uns homens, que pelo mesmo caminho a buscaram, e achando-a muito disforme, negra e descorada, por lhe faltarem os mantimentos, e não comer senão alguma fruta da serra, que chamam romania, e por outro nome uvas de serra, de que em toda a parte desta ilha há muita quantidade, e lapas, junto do mar, ou algum outro marisco, à ribeira lhe puseram nome a ribeira da Mulher, como hoje em dia se chama.”

O mesmo autor quando tratou da ilha do Faial, no livro VI das Saudades da Terra, escreveu que a romania “dá umas uvas pretas como mortinhos que chamam uva-da-serra que muitas pessoas comem por terem o gosto acre e aprazível.”

A uva-da-serra, romania, uva-do-mato, uva-do-monte, uveira (Vaccinium cylindraceum Sm.) é um arbusto ou pequena árvore, da família Ericaceae, endémica dos Açores, existindo em todas as ilhas, exceto na Graciosa.

A uva-da-serra, é uma planta semicaducifólia que pode atingir 5 metros de altura, com folhas alongadas, serrilhadas e agudas na ponta, sendo verdes e tornando-se avermelhadas no outono. Apresenta as suas flores agrupadas em cachos de 10-20, cor-de-rosa ou brancas, sendo visíveis nos meses de maio, junho e julho. Os frutos são pseudo-bagas, primeiro verdes e depois negras quando maduras.

A uva-da-serra prefere locais húmidos e pouco expostos, preferencialmente entre os 300 e os 1300 m de altitude.

Em 1950, no BCRCAA, nº 11, o tenente-coronel José Agostinho já alçertava para a escassez da uva-da-serra nalgumas ilhas, nos seguintes termos: “Nas outras ilhas vai-se defendendo da perseguição do homem e das vacas, muito gulosas da sua folhagem (…) albergando-se em encostas inacessíveis das grotas, ou no interior dos matos pouco frequentados.”

Drouet (1861) escreveu que com os frutos se fazem geleias e que a madeira serve para o fabrico do carvão. Dez anos depois, Accurcio Garcia Ramos (1871) apenas referiu que a sua madeira era usada para o fabrico de carvão.

O Dr. Francisco Carreiro da Costa (1949) no número 10 do Boletim da Comissão Reguladora do Arquipélago dos Açores, depois de escrever que “os pastores recorrem a ela ainda nos nossos dias para lhe comerem os frutos, quando maduros, apesar de ácidos e adstringentes”, menciona o uso da uva da serra nos seguintes termos:

“Fruto silvestre que tem sido, no decorrer dos tempos, saboreado pelos pastores e gente pobre das nossas ilhas, ainda há pouco, por ocasião da última guerra, dele fizeram aguardente nalgumas ilhas, designadamente em São Jorge, onde o produto obtido em nada, ao que parece se mostrou inferior à aguardente que se tem feito, em São Miguel, de ananás, e, em quase todas as ilhas, de nêspera.

Em presença desta ocorrência de que se obtiveram os melhores resultados, perguntámos nós: Estará a romania, posto que silvestre, um fruto com algum futuro industrial e, por consequência, com vantagens económicas para as populações rurais açorianas?”

Sendo uma das plantas mais bonitas da flora endémica dos Açores, sobretudo no período de floração e no outono, seria de todo o interesse usá-la para fins ornamentais, em locais altos e húmidos.

Teófilo Braga

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