segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024
Reflexões a propósito de “O Sargento Tavares: Memórias do Meu Avô”
Reflexões a propósito de “O Sargento Tavares: Memórias do Meu Avô”
Antes de mais, os meus parabéns ao Júlio Tavares Oliveira por mais uma publicação que tem um cunho especial, pois trata-se de uma homenagem ao seu avô António Tavares na altura certa, isto é, em vida do homenageado.
A iniciativa de Júlio Tavares Oliveira é louvável numa altura em que muitas vezes se ignora quem é digno de ser reconhecido pelo seu contributo à sociedade em que está inserido e se homenageia quem não merece, isto é, “homens [e mulheres] insignificantes que conhecem a arte de adornar-se com o mérito dos demais, dos desconhecidos e esquecidos pela história, que são na realidade os que fazem a história” (Rudolf Rocker).
Não vou abordar com pormenor, todo o conteúdo do livro, que já foi dado a conhecer através de entrevistas e reportagens publicadas na comunicação social. Limitar-me-ei a destacar alguns aspetos que de algum modo me marcaram ou suscitaram a minha reflexão:
1- A guerra colonial;
2- Salazar, o ditador solidário;
3- Salgueiro Maia e o 25 de Abril de 1974;
4- A cultura musical e a igualdade de género;
5- A partidarite uma “doença” que nos persegue.
1- A guerra colonial
Um tema que me é querido, pois vivi a minha juventude com o medo de ter de ir parar à guerra colonial, depois de ter assistido aos funerais de dois professores primários que lecionaram na minha escola, um da Ribeira das Tainhas e outro da freguesia de São Miguel, e de um outro jovem, meu vizinho que morava na Ribera Seca de Vila Franca do Campo.
Em relação à Guerra Colonial que ocorreu entre 1961 e 1974 e que estaria perdida na Guiné e impossível de ganhar em Angola e em Moçambique, não podemos esquecer os 600 mil jovens mobilizados, os treze mil mortos e os milhares de feridos.
O relato do assassinato de um nativo, em Angola, por parte de António Tavares, apenas porque um militar português não quis ter o trabalho de o vigiar, fez-me lembrar os massacres de populações indefesas cometidos pelas tropas coloniais, de que é, talvez, mais conhecido o de Wiriyamu, ocorrido em Moçambique, em 1972, onde pelo menos 385 pessoas foram assassinadas.
Só a ganância de alguns que se dizem humanos justifica a guerra. A guerra é um crime contra a humanidade.
2- Salazar, o ditador solidário
A hipocrisia de Salazar manifestou-se num episódio relatado pelo Júlio Oliveira. Com efeito, o ditador ofereceu uma viagem de barco a uma pessoa que não via os pais há alguns anos por terem sido deportados pelo seu regime para Angola.
Pelo conhecimento que tenho, Salazar mais do que solidário foi caridoso, isto é, satisfez alguns pedidos dos mais desfavorecidos, mas não tomou medidas a sério para combater a pobreza. Recordo que, em 1950, Salazar ofereceu a uma jovem da Povoação, cujo pai estava desempregado, uma máquina de costura. Tal ato não respeitou o terá dito Jesus: "Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita", pois a sua atitude foi amplamente relatada pela comunicação social micaelense na altura.
Mas Salazar também recebeu milhares de cartas de amigos, ministros e figuras ilustres do Estado Novo a mendigar lugares e favores que satisfazia. Tudo era motivo de pedido, desde um cargo, uma promoção, uma casa em Lisboa e até tinha uma palavra “em casos de crime, violência e adultério envolvendo figuras notáveis da sociedade.” (“Salazar Confidencial” Marco Alves, 2023)
3- Salgueiro Maia e o 25 de Abril de 1974
Do contato de António Tavares com várias personalidades que ficaram na nossa história, destaco a figura de Salgueiro Maia que foi um militar injustiçado.
Já li muito sobre a presença do capitão de abril; Salgueiro Maia, na ilha de São Miguel, nomeadamente que desafiou alguns elementos da FLA e que procedeu ao arranque de bandeiras e estandartes daquela organização, recorrendo a petardos para detonar as rochas onde eram colocados os tubos galvanizados onde aqueles símbolos se encontravam. O que não sabia era que, segundo se pode ler no livro de Júlio Oliveira, ele “quando estava de serviço no Quartel-General, como oficial de dia, porque normalmente as noites são divididas por vários homens, dispensava todos dos seus turnos noturnos, passando a noite toda, sozinho, de vigia ao quartel.”
Recordo que Salgueiro Maia poderia ter sido um alvo fácil de abater no Largo do Carmo, no dia 25 de Abril de 1974 e que por manter-se não alinhado relativamente a qualquer fação político-militar foi marginalizado e prejudicado na sua carreira. Um dos castigos foi a sua colocação em Ponta Delgada onde esteve entre 10 de março e 21 de dezembro de 1977.
Em 1988, também viu recusada, por um primeiro-ministro, uma pensão vitalícia do Estado por “serviços excecionais ou relevantes prestados ao país”. Por incrível que pareça pelas mesmas razões uma pensão veio a ser atribuída, mais tarde, a dois inspetores da PIDE.
4- A cultura musical e a igualdade de género
O livro de Júlio Tavares de Oliveira é também um livro de denúncia de quem pretende reescrever a história, mesmo que para tal recorra à omissão ou mesmo à mentira. Assim, ficamos a saber que através do livro “A Joia da Arte Musical da Lagoa”, que devia retratar fielmente a história da Sociedade Filarmónica Estrela D´Álva,, alguém teve a ousadia de afirmar que António Tavares tinha sido responsável pela má gestão financeira e pela “insolvência” da filarmónica.
Outro aspeto que me chamou a atenção, foi a abertura das atividades da filarmónica pela primeira vez às raparigas, no tempo em que António Tavares presidiu à sua direção.
5- A partidarite “uma doença que nos persegue
António Tavares também foi vítima da partidarite que reina na nossa terra. Com efeito, Júlio Tavares Oliveira relata que o seu avô, depois de ter servido com dedicação, como vereador, a população do seu concelho, foi “marginalizado” e viu a sua ação boicotada pelos detentores do poder autárquico por querer o melhor para a sua terra, independentemente das opções partidárias. Tal aconteceu depois de ter afirmado num café que conhecendo muito bem as qualidades de um determinado candidato a uma Assembleia de Freguesia iria votar nele e não no candidato indicado pelo Partido Socialista.
Termino agradecendo ao Júlio Tavares Oliveira por me ter proporcionado a leitura deste livro que me fez voltar à minha juventude e refletir sobre um período da história de Portugal e dos Açores que vivi intensamente: o fim do Estado Novo, o Golpe militar do 25 de Abril de 1974 e o PREC. Fiquei mais rico, pois também somos fruto do que lemos.
Ribeira Seca de Vila Franca do Campo e Pico da Pedra, 4 de fevereiro de 2024
Teófilo Braga
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