segunda-feira, 31 de agosto de 2020
quarta-feira, 26 de agosto de 2020
Santos Barros para além da poesia
Santos
Barros para além da poesia
José Henrique Santos Barros (1946-1983)
foi um poeta açoriano, natural de Angra do Heroísmo, que não cheguei a
conhecer, pois só cheguei à Terceira para exercer a minha profissão de
professor em outubro de 1980 e o mesmo já havia sido forçado a sair da sua
terra em 1975.
A propósito da sua saída dos Açores,
primeiro para Lisboa e depois para Grândola, António Brandão Moniz, num texto
intitulado “Santos Barros: poeta da minoria”, publicado na revista “A Ideia”,
nº 30 e 31 de outubro de 1983, escreveu: “sofreu a guerra colonial, o miopismo
político e extremista do separatismo e o «cortejo de misérias que são inerentes
às do intelectual cada vez mais mecanizável mesmo quando simula o contrário»”.
Estava ainda a trabalhar na Escola
Secundária de Angra do Heroísmo quando tomei conhecimento do seu falecimento em
Espanha vítima, tal como sua mulher Ivone Chinita, de um acidente de viação, no
dia 20 de maio de 1983.
Sobre a sua vida profissional e a sua
atividade política pouco tem sido escrito. Num texto de João de Melo publicado
na Enciclopédia Açoriana apenas se fica a saber que, depois de concluir o
ensino secundário, foi funcionário público e que “animou
cooperativas, sindicatos, rádios e jornais”.
Militante do MES – Movimento da Esquerda Socialista,
José Henrique Santos Barros esteve presente no primeiro comício
nacional daquele partido realizado, a 21 de agosto de 1974, no Clube Atlético
de Campo de Ourique, onde falou dos problemas do povo açoriano.
De acordo com uma curta notícia publicada no Diário
Insular de 25 de agosto de 1974, Santos Barros, depois de enumerar as múltiplas
facetas de exploração de que têm sido vítimas, salientou que os açorianos foram
uma das maiores reservas da guerra colonial” e defendeu “o fim imediato da
concessão de bases aos Estados Unidos, França e NATO, frisando a propósito: “A
burguesia tem influenciado no povo a ideia de que as Lajes estão ali para nosso
bem e para “defesa do mundo”, para afastar o que chamam “perigo comunista…”
No chamado PREC esteve ligado ao jornal “O
Trabalhador” que se publicou em Angra do Heroísmo em 1974 e 1975. Aquele órgão
de informação “do povo para o povo” pretendeu ser “um jornal de trabalhadores
açorianos ao serviço da sua libertação, pois que só os trabalhadores libertarão
os trabalhadores”.
Tal como as sedes do PCP, do MDP/CDE e do MES, no dia
17 de agosto de 1975, a sede do jornal “O Trabalhador” foi assaltada por
“lavradores” que destruíram todo o seu recheio e atiraram para a rua (Rua de
São João) mobiliário, documentação e arquivos. No mesmo dia, em reunião de
“lavradores” foi exigida a transferência dos padres, ligados àquele jornal,
Avelino Soares, Olegário Paz, Manuel António e António Moniz “por estarem a
fomentar o ódio no seio da comunidade católica desta terra”.
A leitura da revista “Memória da água-viva” de que foi
diretor mostra-nos um Santos Barros interessado em conhecer a história dos
Açores para a partir dela tirar lições para o presente.
No número zero da revista, de março de 1978, da
responsabilidade de Santos Barros há a divulgação de uma carta do
Capitão-General das ilhas dos Açores e Barão da Vila da Praia ao Bispo de
Angra, D. Fr, Manuel de Almeida, onde se nota uma semelhança entre as atitudes
da igreja em épocas diferentes, a da revolução liberal e da “revolução” dos
cravos.
Outro texto de Santos Barros que merece ser lido
intitula-se “As ideias autonomistas nos Açores segundo Faria e Maia”. Antes de se se referir à obra mencionada, Santos
Barros considera que “levantada ao sabor dos ventos políticos, usada como
estratégia de pressão ou integrada abstratamente nas campanhas eleitorais , a
autonomia breve descambou em separatismo…”e acrescenta que “o uso e abuso
autonómico, reduzido ao simplismo da sua ambiguidade… não tem permitido a
apreensão do fenómeno, o seu correto equacionamento em termos históricos e
políticos”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32217, 26 de agosto de 2020, p.9)
terça-feira, 25 de agosto de 2020
O que visitar em Vila Franca do Campo?
O que visitar em Vila Franca do Campo?
Pediu-me o
Correio dos Açores um texto sobre as principais referências do meu concelho de
nascimento, Vila Franca do Campo, a serem visitadas. Dada o meu envolvimento na
defesa do ambiente e a minha formação na área ambiental, limitarei o meu texto
a aspetos relacionados com a componente natural do ambiente, nomeadamente
lagoas, praias, passeios pedestres e jardins.
No concelho de Vila Franca do Campo,
embora existam outras pequenas lagoas ou lagoeiros, merecem ser visitadas as
seguintes: Lagoa do Fogo, Lagoa do Congro e Lagoa do Areeiro.
Para a visita à Lagoa do Fogo, que faz
parte da Reserva Natural da Lagoa do Fogo, local onde se podem ver alguns
exemplares da flora primitiva dos Açores, recomendo a utilização do trilho que
tem início na localidade da Praia de Água d’Alto. Nesta localidade recomendo a
visita à Central Hidroelétrica da Praia que está musealizada e a realização do
percurso pedestre Fábricas da Luz, onde poderão observar o que resta das
primeiras centrais hidroelétricas construídas em São Miguel.
Nos terrenos adjacentes à Lagoa do Congro
cujo espelho de água possui cerca de 0,1 km2 de área, é possível encontramos
o que resta da mata ajardinada mandada plantar pelo agricultor, bibliófilo,
botânico e paisagista José do Canto com algumas espécies que ele primeiro
aclimatou no seu jardim em Ponta Delgada, com destaque para o til, planta
endémica dos arquipélagos da Madeira e das Canárias.
Para quem já está na Lagoa do Congro
aconselha-se uma visita à, infelizmente bastante degradada, Lagoa dos Nenúfares
que está muito próxima e à pequena e aprazível Lagoa do Areeiro, situada a
noroeste daquelas duas, localizada no interior da cratera do cone vulcânico
denominado Pico da Dona Guiomar que não fica muito distante do Monte Escuro.
A partir do Monte Escuro, aconselha-se um
passeio pedestre até ao Pico da Vela que fica sobranceiro à Lagoa do Fogo. A
partir deste pico e ao longo do trilho, tanto Vila Franca do Campo como a Lagoa
do Fogo apresentam-se aos nossos olhos com outra fisionomia.
No litoral do Concelho de Vila Franca do
Campo existem vários locais de fácil acesso onde, sobretudo fora da época balnear
é possível, para além de desfrutar do sossego, observar paisagens
revitalizantes e contatar com algumas espécies da flora característica das
baixas altitudes como a urze, o visgo, o bermim, a erva-leiteira, a diabelha e
o bracel, outrora usado pelos caiadores para fazer os pincéis.
Como zonas balneares, algumas não
“oficiais”, no concelho existem mais de 2,3 km de praias de areia fina que, tal
como toda a costa, devem ser mantidas em boas condições de salubridade,
evitando a presença de resíduos e impedindo que cheguem ao mar águas residuais
não tratadas. Aqui vão, de Oeste para Este, os nomes das praias: Prainha de
Água d’Alto, Praia de Água d´Alto, Praia da Pedreira e Praia do Degredo, Praia
do Corpo Santo, Praia da Vinha da Areia, Praia da Leopoldina, Calhau da Areia e
Praia da Amora.
Os apaixonados pelas plantas e por flores
não podem perder uma visita aos dois maiores jardins existentes no concelho, o Jardim
Dr. António da Silva Cabral, na freguesia de São Pedro, e o Jardim Antero de
Quental, na freguesia de São Miguel, que estão a precisar de uma atualização e
substituição das placas de identificação das plantas.
Com plantas de quase todo o mundo, no
Jardim Dr. António da Silva Cabral destaco a presença das seguintes espécies:
eucalipto-limão, tulipeiro-arbóreo, cordilina e dragoeiro e no Jardim Antero de
Quental merecem uma observação as magnólias, a árvore-do-fogo, a melaleuca, o
carvalho-doce e a nolina.
Uma visita a Vila Franca do Campo, ficaria
incompleta sem uma ida ao mais formoso ilhéu que há nas ilhas, no dizer do
cronista Gaspar Frutuoso, e sem ver o panorama que se desfruta a partir do
miradouro de Nossa Senhora da Paz.
Teófilo Braga
(Concelhos especial Correio dos
Açores, 32216, 25 de agosto de 2020, p. 15)
quarta-feira, 19 de agosto de 2020
O Dr. Botelho e a medicina para todos
O Dr.
Botelho e a medicina para todos
Ao longo da sua vida de médico o Dr. José
Pereira Botelho no exercício da sua profissão esteve ao serviço de todos, quer
fossem pobres, quer fossem ricos, tendo discriminado positivamente quem não
podia pagar.
O Dr. José Pereira Botelho, ao chegar a
São Miguel, depois de concluir o curso em Paris, em 1840, e de ter obtido o
diploma de aprovação na “Eschola Médico-Cirúrgica de Lisboa”, no mesmo ano, ao
fim de pouco tempo, no dizer do Dr. António Augusto Riley da Mota, alcançou “a
melhor clientela da Cidade”. Segundo a mesma fonte, “era o médico da moda,
fresco de Paris!” que possuía “clientes que o adoravam. Daqui e de fora da
Ilha!”.
Entre os seus pacientes de São Miguel, O
Dr. Riley da Mota, cita os seguintes: “morgado Barbosa, Ve. de Faria e Maia,
Barão de Nossa Senhora da Oliveira, Dr. Caetano de Andrade Albuquerque, António
do Canto Brum, etc.”. Dos de fora da ilha o mesmo autor destaca os seguintes: “Francisco
Gomes de Amorim, o conhecido biógrafo de Garrett, que viera experimentar (aliás
sem resultado) as águas termais das Furnas; António Augusto Coelho de
Magalhães, irmão de José Estevam; Conselheiro F.J. da Costa Lobo, par do reino,
do contracto do tabaco; Visconde da Luz, etc..”
O poeta Gomes de Amorim que, depois de ter
estado nas Furnas, foi acolhido pelo dr. Botelho em sua casa, onde foi muito
bem tratado, sobre o Dr. Botelho escreveu o seguinte: “…um médico, ilustre pelo
saber e grande pelo coração, que pratica a virtude com simplicidade antiga e
que professa a medicina por amor do género humano” e acrescentou: “aquele bom
doutor…dá aos pobres metade do que recebe dos ricos”. O dr. Riley da Mota,
acrescenta que “para o fim da vida, mas ainda muito válido, não exercia
clínica, mas atendia os velhos amigos e os pobres, de graça.”
Francisco Maria Supico, no Almanaque para
1886, escreveu uma pequena biografia do Dr. Botelho onde corrobora o acima
escrito nos seguintes termos:
“A
pobreza escrevia-lhe o nome com lágrimas de gratidão. Era para ela mais do que
médico cuidadoso e desvelado: era seu protetor assíduo e sempre generoso. Onde
a miséria punha a ausência de todo o conforto, punha a Providência,
personalizada no sr. Dr. Botelho, os sorrisos do conchego, as alvoradas da
esperança e as alegrias da saúde restabelecida.
E
quando para isso lhe não bastavam os recursos próprios, esmolava-os por tal
arte, que sempre lhe ficavam cativos os corações daqueles que associava a esta
santa missão de bem-fazer.”
O Dr. Botelho foi médico municipal, tendo
estado envolvido no combate a epidemias em várias localidades, tendo inclusive
se oferecido para tratar os doentes.
Não foram apenas as pessoas ou as famílias
desfavorecidas que beneficiaram dos seus préstimos, as instituições beneficentes
também puderam contar com ele. Assim, a título de exemplo, em 1856/7, registo a
sua dedicação às crianças do Asilo da Infância Desvalida, instituição que
atacadas durante muito tempo por uma “moléstia cutânea” foram socorridas
gratuitamente pelo Dr. Botelho.
Ao Asilo da Infância Desvalida, que
estiveram associados, entre outros José do Canto e sua irmã Maria Teresa do
Canto, o Dr. Botelho também dedicou parte do seu tempo, pois foi membro da sua
direção, na companhia de Eusébio Poças Falcão, Ernesto do Canto, Vicente Borges
de Sousa e César Augusto Ferreira Cabido (padre).
Apesar de ter um currículo exemplar, as
tricas partidárias de então, que parece serem como as de hoje, impediram com
que, em 1846, a sua candidatura a médico na Estação de Saúde do Porto de Ponta
Delgada fosse aceite. Sobre o assunto, Francisco Maria Supico escreveu o
seguinte:
“O
ilustre médico não foi despachado. Costa Cabral reassumira o poder como chefe
do governo, e proposto o proponente não lhe mereciam confiança política.
O
pundonoroso e abalizado médico nunca mais requereu nem exerceu cargo público
remunerado.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32211, 19 de
agosto de 2020, p.8)
quarta-feira, 12 de agosto de 2020
Em defesa das plantas exige-se mais ação e formação
Em
defesa das plantas exige-se mais ação e formação
No
passado nês de julho visitámos vários espaços verdes, nomeadamente os dois
jardins de Vila Franca do Campo e várias ruas de Ponta Delgada, bem como, nesta
cidade, o Parque Urbano, os Jardins Antero de Quental, Padre Sena Freitas e
António Borges.
Nas
visitas, impressionou-nos a riqueza em termos de número de espécies diferentes
existentes não só nos jardins públicos, mas também nos pequenos jardins localizados
em frente a algumas moradias.
Durante
estas visitas, fomos interpelados por alguns transeuntes e por moradores que
nos faziam várias questões e apresentavam algumas queixas.
No
que diz respeito às queixas, na sua maioria estavam relacionadas com a afixação
de uma numeração com pregos nos plátanos da Avenida Gaspar Frutuoso ou as podas
exageradas na rua Antero de Quental, devido à escolha desadequada das espécies
para o espaço disponível.
Um
morador queixou-se do corte do tronco das plantas pelas roçadoras que terá levado
à morte de muitas delas, situação que também observamos no Jardim Antero de
Quental e no Parque Urbano. Segundo uma contagem que ele fez num ano foram mais
de 20 o número de árvores que morreram, o que poderia ter sido evitado se à
volta delas fosse feita uma caldeira e se não fosse esquecida a formação a quem
faz os trabalhos de manutenção dos vários espaços.
Mas
se houve quem se mostrou preocupado com o desrespeito pelas plantas e que manifestou
curiosidade por saber que espécies estavam nas suas casas, também houve um caso
em que uma pessoa se mostrou muito indignada por termos tirado uma fotografia a
um arbusto.
Mesmo
depois da explicação de que a fotografia, tirada da rua, era apenas da planta,
não nos interessando o resto, a pessoa em questão não arredava pé, dizendo que
a planta era dela e que não queria que tirassem fotografias ao que lhe
pertencia. Primeiro ainda pensámos que poderia ser por uma questão de
privacidade, mas sabendo que imagens de todas as casas estão escarrapachadas na
internet (no Google Street View) com o desenrolar da conversa chegámos à
conclusão de que o que estava em questão não era a privacidade, mas sim o ódio
a todos os que em regime de voluntariado se dedicam a uma causa, pois ouvimos o
seguinte: “são os defensores da ecologia, têm a mania que são os donos do mundo”.
No
que diz respeito aos nossos políticos, infelizmente não temos razões para
estarmos satisfeitos. Com efeito, não utilizam a autonomia que a Região tem
para criar e aplicar legislação que proteja as plantas e quando o fizerem será
a reboque do que é feito a nível nacional.
Oito anos depois de ter sido aprovada, a nível nacional, legislação
que protege todos os exemplares e conjuntos arbóreos que pelo seu porte,
raridade ou história carecem de cuidados redobrados de conservação e depois de ter sido recebida, em 2019, positivamente, pela
ALRA, uma petição nesse sentido, até hoje, nada terá sido feito
Por
último, enquanto por cá estão entretidos com outros assuntos ou preocupados em
saber se continuarão nas listas de candidatos a deputados, no passado dia 3 de
julho, a Assembleia da República recomendou ao governo a criação de uma
estratégia nacional para o fomento do arvoredo urbano que tenha como fim “a
preservação e alargamento de corredores e espaços verdes, articulados com as
infraestruturas verdes e as estruturas ecológicas urbanas e não urbanas, em
alinhamento com estratégias e planos de conservação e preservação, na
prossecução de metas e objetivos ambientais.”
A
Assembleia da República recomendou ainda que na referida estratégia, seja
integrado “um manual de boas práticas na gestão do arvoredo em meio urbano,
contendo regras adequadas aos objetivos a prosseguir” que inclua “Requisitos
funcionais, operacionais, ambientais e paisagísticos para as intervenções de plantio,
poda, limpeza e manutenção, abate e transplante de árvores em meio urbano e nos
espaços públicos “ e “informação sobre espécies autóctones mais adaptadas a
cada espaço urbano.”
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, 32205, 12 de agosto de 2020, p.14)