terça-feira, 4 de agosto de 2020

EM LOUVOR DOS VILA-FRANQUENSES AMIGOS DAS PLANTAS




EM LOUVOR DOS VILA-FRANQUENSES AMIGOS DAS PLANTAS

Desde o povoamento das nossas ilhas foram muitos aqueles que contribuíram para a conservação da flora nativa dos Açores, para o enriquecimento da diversidade florística do arquipélago e para a criação e manutenção dos seus jardins.

Hoje, recordarei, por ordem alfabética, os vila-franquenses que de algum modo tiveram um papel de destaque na defesa e conservação do nosso património natural e cultural, não só na sua terra natal, Vila Franca do Campo, mas em toda a Região.

O regente florestal António Emiliano Costa (1920-2003) foi o primeiro Administrador Florestal em Santa Maria e um grande impulsionador dos Serviços Florestais naquela ilha. Publicou em dois números do Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores uma listagem de “árvores notáveis de S. Miguel”. A escolha teve em conta facto de serem uma “parte importante do nosso património florestal e também pela beleza, majestade, importância ou singularidade, além do interesse turístico que merecem”

O trabalho pioneiro de António Emiliano Costa terá sido utilizado, como ele sugeriu, para a classificação de algumas árvores como de interesse público e terá servido de inspiração aos promotores da petição “Pela classificação de árvores notáveis nos Açores” que foi entregue, o ano passado, na Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

O padre Manuel Ernesto Ferreira (1880-1943), que lecionou no Instituto de Vila Franca, foi um dos pioneiros na defesa da “flora indígena” dos Açores. Com efeito, em 1903, na revista “A Phenix” sugeriu a criação de “viveiros” ou a existência de coleções de plantas açorianas em jardins já existentes.

Como pedagogo estava avançado para o seu tempo, isto é, percebia que era possível ensinar fora das salas de aula, como se pode constatar através do texto, abaixo, do seu aluno António Emiliano Costa:

“Esse meu saudoso e querido professor dava-nos as suas lições, normalmente cursos de verão, à sombra dum sicómoro (Melia azedarach L.), lindo exemplar que ainda hoje existe a nascente da casa onde residiu. Nós, os alunos, geralmente dos cursos liceais, gozando a frescura e serenidade do local, recebíamos os ensinamentos do inglês ou francês, da biologia ou da química, sem esforço, sem temeridade, em alegre, mas sempre elevado colóquio.”

Foi, também, um opositor às podas mal efetuadas, manifestando o seu sofrimento aos seus alunos. Sobre o assunto, António Emiliano Costa, escreveu o seguinte:

“Ainda me lembro muito bem da revolta sofrida no seu Íntimo, pois a sua correção não lhe permitia grandes exteriorizações, quando da poda exagerada feita a dois bonitos exemplares de Tilia argentea D., existentes no pequeno jardim público que lhe ficava fronteiriço e das conjeturas feitas no momento sobre a incompatibilidade na poda sobre esta espécie. Note-se: daqueles dois bonitos exemplares, de copa tão redonda, só um escapou à inutilização sofrida e o outro ficou sempre um espécimen desequilibrado.”

Sebastião do Canto e Castro (1827-1905), criou na rua Eng.º Artur do Canto Resendes um jardim que foi muito elogiado por quem o visitou e que enriqueceu sobretudo com aquisições de plantas que fazia à Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense.

Sobre ele e o seu jardim, o jornalista Emygdio da Silva escreveu o seguinte:

“Dotado de uma verbosidade e de uma vivacidade que desafiam a brancura dos seus cabelos, tem pelas flores uma paixão louca e dentro do seu jardim, as nossas pernas fraquejavam ao fim de uma hora, tal foi a desordenada correria em que ali andámos para poder acompanhar o amável floricultor… Dava senhoria às begónias, às glicineas e aos caládios, excelência às palmeiras, às musas e às bambuseas, alteza às iucas, aos pandanos e às banksias e reserva o tratamento de majestade para os seus magníficos fetos”.

Por último, Simplício Gago da Câmara (1808-1888), que esteve na Austrália para explorar jazigos de ouro, de lá trouxe plantas e sementes de, entre outras espécies, eucaliptos, acácias e araucárias. Dos viveiros localizados no seu prédio do Convento, oferecia, às centenas ou aos milhares, plantas e ele próprio plantava em matas em São Brás e na Fajã do Calhau. 

Teófilo Braga
(Correio dos Açores,32199, 5 de agosto de 2020, p.14)

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