terça-feira, 20 de maio de 2014

José do Canto e o seu jardim



Apontamentos sobre José do Canto e o seu jardim

Em texto anterior referi que José do Canto destacou-se entre os micaelenses que foram responsáveis pela criação de jardins no século XIX. Neste divulgarei um pouco da sua vida e obra.
José do Canto nasceu, em Ponta Delgada, no dia 20 de Dezembro de 1820, sendo filho de José Caetano Dias do Canto Medeiros e de Margarida Isabel Botelho. Faleceu a 10 de Julho de 1898, tendo sido sepultado na Ermida de Nossa Senhora das Vitórias, edificada na margem da Lagoa das Furnas.

O seu pai, o morgado José Caetano Dias do Canto e Medeiros (1786-1858) pai de dezanove filhos de dois casamentos empenhou-se na criação dos filhos. De entres estes, José do Canto distinguia-se pelo seu interesse, desde criança, pelos livros.
Em 1838, depois de ter aprendido as primeiras letras e frequentado aulas régias no Convento dos Gracianos, o seu pai revolveu matriculá-lo no Colégio de Fontenay-aux-Roses, em Paris, com vista, pensa-se, a prosseguir estudos universitários em França.

Pouco tempo depois de estar em França, ainda antes do final do referido ano, as saudades da família fizeram com que regressasse a São Miguel onde não terá ficado muito tempo, pois volta ao continente para frequentar os preparatórios da Universidade em Coimbra.

Ainda não se havia adaptado à nova vida quando o pai ordena o seu regresso para se casar com uma jovem morgada, sua prima, Maria Guilhermina Taveira Brum da Silveira (1826-1887), que José do Canto não conhecia, mas cujo dote, no dizer de Carlos Riley, “ofuscava todos os cursos universitários deste mundo”.

José do Canto, com 22 anos, casou-se com Maria Guilhermina, de 16 anos, a 17 de Agosto de 1842, passando a ser um dos maiores proprietários dos Açores, com terrenos nas ilhas de São Miguel, Faial e Pico.

A relação de José do Canto com a natureza caraterizou-se, segundo Carlos Riley, “sempre por interesses bastante mais científicos e racionalistas: explorar os campos segundo os princípios da emergente agronomia e ordenar, qual demiurgo do novo século, a natureza em parques e jardins ao gosto de uma sensibilidade estética caracteristicamente romântica.”

Para poder executar o que sonhava, José do Canto na primavera de 1846 vai a Londres, tendo aí visitado livrarias em busca das novidades sobre botânica e agricultura, visita viveiristas para escolha de plantas e contatou o arquiteto David Mocatta com vista ao desenho de um jardim e de um palacete que pretendia construir em Ponta Delgada.

Foram vários os jardineiros que estiveram ao serviço de José do Canto, tendo sido o inglês George Brown o primeiro. Tendo chegado a São Miguel, em 1845, segundo Isabel Albergaria,  “já nesse ano trabalha no delineamento das ruas, preparação dos solos e plantações”, seguindo “grosso modo” as diretivas de Mocatta.

O jardim, que foi sendo construído ao longo do tempo, em 1856, terá cerca de “1028 géneros e aproximadamente 6000 espécies”, segundo uma nota de Ernesto do Canto escrita numa página em branco do manuscrito “Enumeração das principais plantas existentes no meu jardim de S.ta Ana, na primavera de 1856”, da autoria de José do Canto.

Dez anos depois, Edmond Goeze, diretor do Jardim Botânico de Coimbra, ao verificar a “pobreza” botânica do seu jardim, vem a São Miguel com o objetivo de colmatar aquela falha, levando de cá cerca de mil espécies, a maioria delas (mais de 800) do Jardim José do Canto.

Em próximo texto, continuarei a dar a conhecer a obra de José do Canto, mas não me limitarei ao jardim.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 30342, 21 de Maio de 2014)

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Voleibol em Vila Franca do Campo



Teófilo de Braga, um “grande jogador de voleibol”

Pediu-me a jornalista Ana Coelho um depoimento sobre a atividade de meu pai, Teófilo de Braga, como jogador de voleibol.
Aceitei com todo o gosto o desafio, pois recordar um ente querido é repto que não se deve escusar, apesar da pouca informação disponível..
A dificuldade em escrever sobre o assunto, deve-se a que, quando nasci em 1957 a atividade desportiva em Vila Franca do Campo era quase nula, meu pai já não praticava a modalidade há alguns anos e ao facto de não haver fontes escritas, pois a comunicação social da época limitava-se a apresentar os resultados dos jogos entre as diversas equipas.
Filho de António Carreiro Braga e de Maria Estrela Furtado Braga, Teófilo Braga nasceu na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, a 30 de Janeiro de 1925. Antes de ser incorporado no serviço militar, em 28 de Abril de 1946, sabia ler e escrever mal. Durante o serviço militar, terá jogado voleibol, o que atestam algumas fotografias, e concluído a terceira classe.
Na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, existiram duas equipas de voleibol, o “São Miguel” que terá existido no final da década de 30 do século passado e o Ribeirense que terá aparecido posteriormente e tido uma duração efémera, cerca de quatro anos. Este, possuía o seu campo no início da Ribeira Nova, no leito da ribeira, o que mostra a falta de condições para a prática da modalidade.
Meu pai foi jogador do Ribeirense, tal como o foram Caetano Ventura, Augusto Luís, José de Amaral, Ângelo Furtado Lima, Manuel Arsénio Moniz, António Teotónio, Urbano Furtado Lima, José Furtado Salema e Manuel Furtado Salema.
Para além de jogar no Ribeirense meu pai foi jogador do Marítimo de Vila Franca do Campo, concelho onde para além das três equipas referidas existiram, também, o “Pátria”, o “Esperança”, o “Casa do Povo”, o “Águia Azul”, o “Marítimo” e o “Senhora da Vida”.
Depois do 25 de Abril de 1974, a Escola do Primeiro Ciclo da Ribeira Seca abriu-se, mais do que as suas congéneres à comunidade, tendo chegado a organizar as verbenas de São João, bem como jogos destinados às crianças e aos adultos. Num dos jogos de voleibol que se realizaram, em 1975, vi meu pai jogar e fiquei impressionado com a força do seu remate.
Da época em que meu pai jogou voleibol, apenas possuo algumas fotografias que guardo religiosamente e uma medalha que ele recebeu num torneio que foi jogar, em 1959, a outra ilha que não sei precisar qual.
Sobre a sua prestação como desportista, retenho na memória a frase “foi um grande jogador de voleibol” que ouvia sempre que alguém, sobretudo do sexo masculino, querendo saber quem eu era, me perguntava pelo nome de meu pai.

Pico da Pedra, 3 de Março de 2014
Teófilo José Soares de Braga

(Publicado no livro “80 anos de voleibol em São Miguel: uma rede de depoimentos e história”, de Ana Maria Botelho Costa Coelho, Ponta Delgada: Associação de Voleibol de São Miguel)

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Jardins e Educação



Jardins e Educação Ambiental

Em todo o mundo existem 2550 jardins botânicos que desempenham um papel importante na conservação da biodiversidade ex situ, isto é fora do seu ambiente, e na sensibilização dos cidadãos para a importância dos recursos naturais, nomeadamente acerca da premência da conservação dos recursos vegetais.
Deve-se a Aristóteles (284-322), segundo Fernando Pessoa e Ricardo Silva, a criação do ”embrião do que mais tarde viria a se constituir como Jardim Botânico”, o qual servia para a observação das espécies e para o ensino da sua classificação.
Em Portugal, o Jardim Botânico da Ajuda, o primeiro jardim botânico português, desde meados do século XVIII, é considerado como “a primeira e a mais importante instituição dedicada à cultura da história natural do País”, dedicou-se a estudar o potencial económico das plantas provenientes das colónias.
Na ilha de São Miguel, foi pela vontade e ação de três ilustres micaelenses, António Borges, José Jácome Correia e José do Canto que surgiram, no século XIX, os três mais importantes jardins da cidade de Ponta Delgada.
Não menosprezando o labor de ninguém, de entre os vultos referidos destacou-se José do Canto que construiu um jardim que, no seu tempo, ombreava com muitos outros a nível europeu, como se pode comprovar pelo seguinte texto da autoria de Edmond Goeze, diretor do jardim Botânico de Coimbra, que visitou São Miguel, em 1866: “O jardim do Sr. José do Canto é inquestionavelmente o mais rico de todos, possuindo talvez mais de 3000 espécies. Nenhum dos jardins particulares, que tivemos ocasião de visitar na Europa lhe pode ser comparado…”.
Pouco conhecidos pela maioria da população da ilha, os jardins referidos, para além de constituírem espaços únicos que deveriam ser aproveitados pelos residentes nos seus momentos de lazer, poderão constituir, se houver uma divulgação e uma animação adequadas, um atrativo para quem nos visita.
Os jardins e em especial os botânicos podem também desempenhar um papel fundamental na educação ambiental não formal, pois, segundo Fernando Pessoa e Ricardo Silva já referidos acima, o seu “espaço diferenciado de lazer tem a capacidade de despertar a curiosidade sobre as plantas, criando condições próprias à implementação de ações que promovam, junto aos visitantes, grupos escolares e comunidades locais, a perceção dos impactos da ação humana sobre o meio ambiente e a consciência sobre os efeitos negativos da perda da biodiversidade, motivando-os a participarem de um ciclo de desenvolvimento sustentável”.
De entre as possibilidades referidas por Júlia Wilison no livro “Educação Ambiental em Jardins Botânicos”, editado no Rio de Janeiro, em 2003, qualquer um dos jardins micaelenses mencionados detém coleções de plantas suficientes de modo a servirem para o ensino:
- da incrível diversidade do Reino Vegetal;
- das relações complexas que as plantas desenvolvem com o ambiente;
- da importância das plantas em nossas vidas, em termos económicos, culturais e estéticos;
- das principais ameaças que a flora mundial enfrenta e das consequências da extinção das plantas;

Com um pouco de boa vontade e com a criação de programas educativos adaptados a cada um dos jardins seria possível fazer com que os visitantes possam ter a possibilidade de “aprender sobre o trabalho que está sendo realizado pelos jardins botânicos e ajudar a salvar e conservar a flora mundial”, “apreciar a natureza como um todo”, “adquirir habilidades práticas e conceitos teóricos para conservação, reprodução de plantas e paisagismo” e “desenvolver atitudes, comportamentos e habilidades necessários para solucionar problemas ambientais” (Wilison, 2003).

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 30341, 14 de Maio de 2014, p.14)

quarta-feira, 7 de maio de 2014

A propósito da maçonaria

A propósito da maçonaria

Era ainda criança quando em conversa com alguns colegas ouvi pela primeira vez falar em maçonaria. Estávamos nos últimos anos da década de sessenta do século passado e vivíamos numa localidade rural, onde os seus habitantes eram maioritariamente camponeses sem terra ou pequenos (muito pequenos) lavradores, com uma baixa escolaridade e possuidores de uma formação religiosa caraterizada pela intolerância face a todas as outras crenças.

Na altura, penso que foi o meu amigo de infância Paulo Carreiro que, no Canto da Ponta Garça, me disse que em Vila Franca do Campo existia alguém que era da maçonaria e que, ao contrário dos católicos que adoravam Deus que está no céu, os seguidores daquela organização eram adeptos do Diabo que pretendiam dominar o mundo a fim de escravizar todas as pessoas.

Na altura, fiquei com medo mas não dei grande importância, pois não me pareceu que a situação para a maioria das pessoas que viviam muito mal, algumas de esmola, poderia piorar ainda mais. Mas, a apreensão inicial deu origem à curiosidade que procurei, sem sucesso, saciar, através da biblioteca móvel da Gulbenkian que mensalmente visitava a Ribeira Seca.

Não havendo muita informação imparcial disponível, considero natural que persistam preconceitos contra a instituição e contra os maçons que na sua maioria continuam a não tornar pública a sua condição de membros da maçonaria.

Embora não ache que se justifique, na sociedade atual, pelo menos no nosso país, o secretismo existente, a Grande Loja Legal de Portugal considera que “ser maçom não será propriamente perigoso, mas poderá ser incómodo, trazer prejuízos. Onde o preconceito contra a Maçonaria e os maçons ainda dura e ser maçom e ser conhecido como tal ainda pode causar danos profissionais ou sociais. Também nestes locais se justifica, e facilmente se percebe que justifica, a reserva de identidade do maçom, a não divulgação dessa condição.”.

Situação completamente diferente era a existente em ditadura, como a do Estado Novo, onde o direito de associação foi bastante condicionado, tendo a Lei nº 1901, de 21 de maio de 1935 ilegalizado e dissolvido as sociedades secretas e previsto sanções para os seus membros.

Através da leitura do livro “"A Maçonaria Portuguesa e os Açores (1792-1935) ", da autoria de António Lopes, fiquei a conhecer que foram os valores da liberdade, igualdade, fraternidade e o da tolerância que nortearam a organização e que são perfeitamente atuais, numa sociedade, desmotivada e depauperada pelas políticas que têm sido implementadas, como é a que vivemos.

Para além dos princípios seguidos pela maçonaria, o livro mencionado dá a conhecer as escolas e instituições de carácter social que foram criadas pela ação dos maçons, algumas delas elitistas, como a Sociedade Amor da Pátria, no Faial, e o Clube Micaelense, em São Miguel.

No que diz respeito ao ensino, destaca-se a criação de algumas escolas “João de Deus” que tinham como objetivo principal diminuir o analfabetismo existente, e a implementação das escolas agrícolas Maria Cristina que desempenharam um papel ímpar no desenvolvimento agrícola da ilha de São Miguel.

 Por último, embora de menos importância do que aquilo que já referimos, o autor apresenta listagens dos membros das várias lojas existentes nos Açores. A partir delas, esclarecemos as nossas dúvidas relativas ao concelho de Vila Franca do Campo e ficamos a saber que alguns dos maiores vultos da cultura e da vida social, política e até religiosa açoriana foram membros da maçonaria.

Aproveitamos a oportunidade para um esclarecimento final, para que não fiquem a pairar quaisquer dúvidas: não temos nenhuma ligação a qualquer loja maçónica onde, com certeza, tal como nas restantes organizações, haverá pessoas boas, as que seguem os seus ideais, e as menos boas, as que se aproveitam para tirar dividendos pessoais.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 30337, 7 de Maio de 2014, p.16)