terça-feira, 29 de setembro de 2020

O padre Manuel Vicente e a nova vida do Jardim António Borges

 


O padre Manuel Vicente e a nova vida do Jardim António Borges

 

Depois de um longo período de abandono, um grupo de empresários propôs-se, em 1922, resgatar o jardim António Borges, “do seu atual sequestro, como propriedade particular que é, restituindo-lhe as condições que faziam d’esse pedaço de torrão um dos mais invejáveis embelezamentos citadinos”.

 

De acordo com uma notícia publicada no Correio dos Açores, no dia 1 de abril de 1922, o grupo citado, constituído pelo Dr. José Jacinto de Andrade Albuquerque, proprietário do jardim, Pedro de Lima Araújo, Manuel José de Vasconcelos, Manuel Joaquim Raposo e José Cristiano de Sousa, decidiu por mãos à obra com vista à recuperação do Jardim António Borges, com vista à criação de “novas condições que ali chamem o grande público como local de recreio, com iluminações, música, pavilhões para refrescos, cinematógrafo, jogos, sports, etc.

 

Quem foi o responsável pela recuperação do Jardim António Borges, em 1922?

 

Num desdobrável publicado recentemente pela Câmara Municipal de Ponta Delgada é afirmado que foi uma equipa liderada pelo mestre Manuel de Oliveira Panela que se encarregou de ressuscitar o jardim.

 

Nas pesquisas que efetuei, cheguei à conclusão de que o principal responsável terá sido o Padre Manuel Vicente. Com efeito, através da leitura do Diário dos Açores, de 9 de junho de 1922, que relata uma visita ao jardim a poucos dias da sua inauguração, facilmente se conclui o pepel de destaque do sacerdote referido na recuperação do jardim. Assim, a dado passo pode-se ler que para além dos membros da sociedade esteve presente “o técnico-amador dirigente dos trabalhos sr. Padre Manuel Vicente”. No fim do texto referido também é feito um agradecimento ao sr. Albano da Ponte, da Casa Bensaúde, que cedeu pessoal daquela entidade para a realização de alguns trabalhos a pedido do padre Manuel Vicente.

Através da leitura do Correio dos Açores, de 10 de junho de 1922, chega-se à mesma conclusão, isto é, o Padre Manuel Vicente foi o principal responsável pela condução das obras de restauração do Jardim António Borges. Com efeito, a dado passo do texto publicado no referido dia, pode-se ler o seguinte: “Como chegámos à tabela, segundo nosso hábito, e os restantes convidados estivessem em tardança, guiados pelo Padre Manuel Vicente, que de galochas de borracha, por causa da humidade, sobretudo cautelosamente abotoado, olhar inspirado de criador, abrindo os braços, dava ordem a uma pequena tribo de trabalhadores…” e mais adiante : “Padre Manuel Vicente dispôs em volta dessa homenagem ao fundador do maravilhoso jardim uma decoração artística e sóbria, de flores e plantas e nessa nesga em que as árvores dum lado e outro da avenida se cruzam em fraternal abraço, o busto de António Borges…”

 

Por último, no texto do Correio dos Açores citado, há uma referência a outros intervenientes na recuperação do jardim nos seguintes termos: “O resultado desse trabalho, em que colaboraram o mestre Manuel de Oliveira Panela e seus irmãos, que às Furnas foram buscar, foi excelente e o jardim está realmente belo e fica sendo um adorável recinto da nossa cidade”.

 

O Padre Manuel Vicente foi também um dinamizador da vida do Jardim António Borges após a sua abertura ao público, em 1992. Abaixo, apresentamos duas das suas iniciativas.

 

Na noite de São João de 1922, realizou-se um festival no Jardim António Borges, onde, a convite do Padre Manuel Vicente, cantaram Miss Helen Bartlett e Mr. Edgar Accetta. O jornal Diário dos Açores de 26 de junho, deu os parabéns àquele sacerdote “pelo êxito completo de mais esta festa tão distintamente organizada”.

 

O Padre Manuel Vicente também organizou no mês de julho de 1922, no Jardim António Borges, uma “Festa Infantil” que constou de um grande baile de crianças. De acordo com o Correio dos Açores, de 25 de julho, “as crianças dançaram animadamente ao som marcial da banda “União” e até “as pessoas sisudas começavam a esboçar atitudes de querer participar das danças”.

 

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32247, 30 de setembro de 2020, p.12)

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Salvemos as Árvores da Rua de Santana ameaçadas pela construção de um parque de estacionamento

 



Salvemos as Árvores da Rua de Santana ameaçadas pela construção de um parque de estacionamento

  

Por favor envie o texto abaixo ou outro personalizado à senhora presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada

 Contato: mariaduarte@mpdelgada.pt

 

 Exma. Sra. Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada,



Chegou ao meu conhecimento que algumas árvores, nomeadamente um jacarandá (J
acaranda mimosifolia )e um ulmeiro (Ulmus minor) da Rua de Santana estão ameaçadas de abate pela construção de um parque de estacionamento.

 

No que ao ulmeiro diz respeito, trata-se de um exemplar que apresenta um porte digno de classificação como de interesse público que não apresenta problemas sanitários.

 

Quando por toda a Europa e América do Norte a grafiose está a aniquilar os ulmeiros, a conservação do ulmeiro referido será uma medida que merece o respeito dos futuros utentes do parque de estacionamento e o apoio de todos os amigos das árvores e dos defensores do património natural do concelho de Ponta Delgada e de toda a ilha de São Miguel.

 

Apelo a Vossa Excelência para que mande alterar o projeto do parque de estacionamento se o mesmo não prevê a manutenção do ulmeiro em condições de o mesmo continuar a crescer de forma saudável.

 

Com os melhores cumprimentos

 

(nome)

 

terça-feira, 22 de setembro de 2020

O Padre Manuel Vicente, um apaixonado pelas plantas

 


O Padre Manuel Vicente, um apaixonado pelas plantas

 

O padre Manuel Vicente, nasceu na Rua João do Rego, 134, em Ponta Delgada, no dia 11 de janeiro de 1866 e faleceu no dia 15 de fevereiro de 1938, na cidade de Artesia, na Califórnia, nos Estados Unidos da América.

 

A sua missa nova realizou-se na Igreja de São José em Ponta Delgada, em agosto de 1893, com a presença de uma numerosa assistência de todas as classes sociais. O padre Manuel Vicente teve como padrinhos o Dr. Caetano de Andrade Albuquerque e o Dr. José Maria Tavares Ferreira.

 

Em 1897, o Padre Manuel Vicente fez parte de uma comissão que preparou a visita do Padre Sena Freitas à sua terra natal, depois de uma ausência de 40 anos. Para além do Padre Vicente, faziam parte o farmacêutico e jornalista Francisco Maria Supico, que presidia, e Eugénio Pacheco que chegou a ser reitor do Liceu de Ponta Delgada.

 

Depois do falecimento da irmã Rosa, com quem vivia o padre Manuel Vicente foi viver para os Estados Unidos, onde fundou a igreja Paroquial da Sagrada Família, em Artesia, pertencente à Arquidiocese de Los Angeles.

 

Quando faleceu, os seus paroquianos mandaram embalsamar o corpo numa urna com tampa de vidro que veio para Ponta Delgada, onde chegou no dia 15 de abril de 1938. Depois de estar exposto na Igreja Matriz, a urna foi colocada no jazigo da família no Cemitério de São Joaquim.

 

Apaixonado pelas flores, de acordo com Breno de Vasconcelos, o padre Manuel Vicente “organizou uma primorosa exposição de flores, com entradas pagas” que foi visitada por muitas pessoas que admiraram “não só as raras espécies, como a elegância com que as mesmas se encontravam dispostas”.

 

Depois de um período de abandono, o Jardim António Borges abriu ao público em junho de 1922. Foi responsável pela “ressurreição” do jardim o padre Manuel Vicente que teve o cuidado de “salvar algumas espécies florestais de valor, desconhecidas no meio da ramaria selvagem e inextrincável” e de “reconstruir o traçado primitivo do jardim, fazendo desaparecer “modificações de bárbaros e improvisados jardineiros”.

 

No dia de abertura ao público do jardim também houve o descerramento do busto do seu fundador, António Borges.

 

Depois de descerrado o busto pela senhora D. Isabel Pereira Athaíde do Canto Bettencourt, parente de António Borges, o padre Manuel Vicente discursou, exaltando a memória do fundador do jardim e dos cidadãos ilustres da sua geração, nomeadamente José Jácome Correia, José do Canto e Ernesto do Canto, tendo frisado “todo o seu amor pelas plantas e pelas flores”.

 

A cerimónia contou com a presença de Alice Moderno que recitou o soneto, dedicado ao Padre Vicente, que a seguir se transcreve:

 

Ao desvendar de um busto

                       Ao padre Manuel Vicente

 

Para aqueles que em vida porfiaram

- Fosse qual fosse o campo, a arena ou a liça-

No sonho da beleza que sonharam

- Acorda sempre o dia da justiça.

 

É lenta a gestação. A Consciência,

Fecundada ao calor de muitos sóis,

Já tarde reconhece o preço à Ciência

E glorifica a cinza dos Heróis.

 

Quantas vezes alegres, passeamos

À sombra hospitaleira destes ramos

E a memória do Autor ainda esquecida …

 

Soou enfim a inevitável hora

E não será lembrada só, agora,

Dos pássaros na orquestra enternecida.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32241, 23 de setembro de 2020, p. 12)

sábado, 19 de setembro de 2020

A obra de José do Canto como fonte de inspiração

 


A obra de José do Canto como fonte de inspiração

 

É com muito gosto que, a pedido do Dr. Augusto Athayde, escrevo um breve texto sobre um homem cuja obra foi ímpar no seu tempo e que é fonte de inspiração para as gerações presentes e futuras. De acordo com o arquiteto Pedro Maurício Borges, José do Canto foi

“um lavrador, que foi também bibliófilo, botânico, paisagista, sportsman, e, esquecendo o conselho do agrónomo romano Colunella para não ser edificador, também fez de arquiteto e mestre-de-obras.”

 

Para evitar ser repetitivo, dado que muitas outras pessoas já o fizeram, o meu depoimento centra-se na obra de José do Canto no Concelho de Vila Franca do Campo, nomeadamente na sua mata ajardinada da Lagoa do Congro, que durante alguns anos foi o local escolhido pelos vila-franquenses para comemorar o seu feriado Municipal, 24 de junho, Dia de São João.

 

O meu primeiro contacto com José do Canto ocorreu nos finais da década de 70 do século passado, através da leitura do excelente texto “A primavera micaelense e o seu decorador José do Canto”, de Aníbal Bicudo, datado de 1922.  De acordo com o autor a ele se deve “a gigantesca obra do povoamento dos nossos campos, os primores da nossa agricultura avançada e a metamorfose, enfim, da nossa economia rural”.

 

O meu interesse pela vida e obra de José do Canto, nunca esmoreceu, pois continuei a ler tudo o que sobre ele foi escrito, a consultar as listagens das plantas, que semeou e plantou, escritas pelo seu punho e a visitar as suas grandes obras: O Jardim José do Canto, em Ponta Delgada, a Mata-Jardim José do Canto, nas Furnas e mais amiudadamente o que resta da mata ajardinada da Lagoa do Congro.

 

No que concerne ao concelho de Vila Franca do Campo, José do Canto administrou uma vasta área que incluía a Lagoa do Congro e que ia do Porto Formoso à Ribeira das Tainhas. No seu prédio em Vila Franca do Campo, o maior de toda a Casa, José do Canto promoveu, segundo Pedro Borges, a domesticação da “paisagem silvestre com a sequência de operações de arroteamento, vedação e abertura de caminhos de penetração” e através da edificação de “infraestruturas de apoio à produção”.

Em Vila Franca do Campo, com o fim de aumentar a produtividade da terra disponível, a par das pastagens artificiais que criou, José do Canto cultivou milho, trigo, leguminosas e plantou e replantou várias espécies vegetais, de que se destacam pinheiros, buxos, vinháticos, carvalhos, criptomérias, faias da Holanda e eucaliptos.

A par com as atividades económicas já referidas, José do Canto aproveitou o espaço envolvente à Lagoa do Congro para o recreio, criando uma mata ajardinada de que restam alguns vestígios, como a profusão de tis, as cameleiras e azáleas existentes nas bordas dos caminhos de acesso à lagoa.

No passado mês de setembro de 2019, um conjunto de peticionários entregou na ALRA- Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores uma petição subscrita por mais de quinhentas pessoas onde num dos considerandos recorda que não se pode desrespeitar a “memória dos nossos antepassados que usavam aquele verdadeiro monumento natural como área de lazer, nem o trabalho visionário de José do Canto, pelo que apelavam àquela entidade e ao Governo Regional dos Açores para que tomassem medidas no sentido de no mais curto período de tempo implementar um plano de recuperação e gestão que entre outras ações inclua a recuperação da mata ajardinada criada por José do Canto e  a transformação do espaço num Parque Botânico.

 

Sabendo que as diversas forças partidárias não foram contrárias ao sugerido pelos peticionários, que o próprio Governo dos Açores também não e que já encarregou alguns técnicos de fazerem alguns estudos, seria uma forma de homenagear a memória e o legado de José do Canto (1820-2020), se os primeiros trabalhos no terreno começassem a ser feitos ainda este ano que é o do bicentenário do seu nascimento.

 

Teófilo Braga

2 de agosto de 2020

 

(José do Canto, página do Facebook, 19 de setembro de 2020)

terça-feira, 15 de setembro de 2020

O Dr. Botelho, a cultura e a educação

 


O Dr. Botelho, a cultura e a educação

 

No dia 9 de setembro de 1848, por impulso de António Feliciano de Castilho, chegado a São Miguel no ano anterior, foi fundada a SALA-Sociedade de Amigos das Letras e Artes que criou várias escolas de ensino gratuito em várias localidades, com aulas ministradas por voluntários, e organizou saraus literários e exposições artísticas e industriais.

 

António Feliciano de Castilho foi seu presidente nos primeiros dois anos, o Dr. José Pereira foi vice-presidente e José Torres secretário relator. Com o regresso de Castilho ao Continente Português, em 1850 foi eleita uma nova direção cuja presidência ficou a cargo do Dr. Botelho e a vice-presidência a José do Canto. Desta direção também faziam parte, como secretários, Francisco Furtado Arruda e Francisco Bettencourt, como vogais, o Dr. André António Avelino e o Dr. Veríssimo d’Aguiar Cabral e como tesoureiro, Inácio Tavares Carreiro. Esta direção presidida pelo Dr. Botelho, com ligeiras alterações, manteve-se até 1854.

 

Embora não seja considerado um escritor, pelo menos não é tido como tal pelo Dr. Urbano de Mendonça Dias, na sua obra “Literatos dos Açores”, Porfírio Bessone no seu Dicionário Cronológico dos Açores quando regista o seu nascimento escreveu o seguinte: “José (Dr.) Pereira Botelho (mais conhecido pelo Dr. Canejo), na Vila da Lagoa, S. Miguel. Escritor e poeta. - Do seu túmulo …. 2 Out. 1813”.

 

A obra do Dr. Botelho encontra-se dispersa por vários jornais, sendo talvez a de maior vulto, escrita com preocupações didáticas, as “Cantigas Populares” que ofereceu à SALA para uso dos alunos que frequentavam as suas aulas.

 

Numa carta dirigida ao presidente da SALA, ele que queria ficar anónimo, explica a razão de ter escrito as “Cantigas Populares” nos seguintes termos:

 

“… No meu entender, para que esta classe de indivíduos possa compreender e saborear os elevados Cânticos das Estrelas poético musicais do insigne poeta Castilho, como muito convém, é mister primeiro que os poetas se abaixem, contra a sua índole que é elevarem-se, e lhes deem assim a mão ajudando-a a sair da ignorância em que ainda jaz. Escolhi, pois, assuntos locais, e tratei com a maior simplicidade. Desci, com tanto menor custo que nunca dantes havia versificado, desci muito, desci até à plebe, aparecendo-lhe desenfeitado de joias para ela não fugir de mim, nem me estranhar. Mas procurei ser sempre gracioso e nunca ignóbil; e, se o consegui, será esse o único merecimento do meu insignificantíssimo trabalho.”

 

Para conhecermos um pouco mais o pensamento do Dr. Botelho em relação à instrução ou à falta dela no seu tempo, abaixo se transcreve uma passagem do seu discurso proferido no dia 9 de novembro de 1851, numa cerimónia de distribuição de prémios aos alunos que frequentaram a aula noturna e gratuita, proporcionada pela SALA, na Vila da Lagoa:

 

“O saber ler, escrever e contar, concedei-nos esta expressão, é para as povoações uma necessidade quase tão urgente como é para a vida o alimento e o ar. Porém, apesar da reconhecida necessidade até hoje nenhum governo tem sabido ou tem querido dar uma grande extensão à instrução primária! em nosso entender porque os governos só têm representado privilégios e representam privilégios… e a estes privilégios não convinha que as povoações esclarecidas se pudessem contar, comunicar, entender, animar, entusiasmar por verdades demonstradas, indignar contra milhões de erros preconizados em conta de verdades por detestáveis apóstolos do egoísmo”.

 

A dedicação do Dr. Botelho à SALA não se limitou ao período em que foi seu presidente. Com efeito, entre outras iniciativas em que participou, regista-se o facto de ser um dos subscritores, em 1855, na qualidade de vogal da direção da SALA, de uma circular onde aquela instituição apelava aos chefes de família para mandarem os filhos às escolas noturnas gratuitas, pois de acordo com uma lei de 1854 o recrutamento para a tropa recaia preferencialmente sobre os mancebos que não soubessem ler.

 

Em 1856, o Dr. Botelho fez parte de uma comissão criada pela SALA com o objetivo de estudar a edificação de um teatro na área das ruínas da Igreja de São José, em Ponta Delgada.

 

Hoje, termino uma série de textos sobre o Dr. Botelho consciente de que alguns aspetos da sua vida e obra não foram nem ao de leve abordados, como é o caso do seu envolvimento na política e outros mereceriam um maior aprofundamento. Espero um dia voltar ao assunto.

 

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32235, 16 de setembro de 2020, p.12)

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Conhecer as plantas do Paim é viajar pelo Mundo

 


Conhecer as plantas do Paim é viajar pelo Mundo

 

Se a presença de árvores e outras plantas em parques e jardins é geralmente apreciada, nas ruas nem sempre tal acontece, sobretudo quando as mesmas são de folha caduca.

 

O que talvez algumas pessoas não saibam é que, tanto em parques, jardins ou arruamentos, as árvores são fundamentais para a melhoria da qualidade de vida dos habitantes das cidades.

 

De acordo com o prestigiado arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Teles são funções das árvores “garantir a presença de vida silvestre, promover a mais conveniente circulação da água e do ar, manter o equilíbrio dos ecossistemas, assegurar a fertilidade dos campos, contrabalançar com a sua presença o artificialismo do meio urbano que tanto afeta a saúde psicossomática das populações, e ainda a de valorizar a escala e a proporção dos volumes edificados.”

 

Quem tiver a oportunidade de fazer uma caminhada pelas ruas, praças e canadas do Bairro do Paim, vai surpreender-se com a variedade de plantas existentes, provenientes dos quatro cantos do mundo. Num passeio que fiz, sem o cuidado de tomar nota de tudo o que via, no passado dia 19 de agosto, identifiquei cerca de 50 espécies diferentes, espontâneas ou cultivadas. Destas últimas, destaco as ornamentais e algumas fruteiras.

 

Das espécies espontâneas, menciono apenas duas: o funcho (Foeniculum vulgare) e a cenoura-brava ou salsa burra (Daucus carota). Destas, o funcho é muito conhecido em virtude de ser utilizado na alimentação e na medicina popular.

 

Nos arruamentos há pouca variedade, existem essencialmente tílias (Tilia sp.), da Europa e da Ásia Menor e a mais abundante é a mélia ou amargoseira (Melia azedarach), da Ásia e Oceânia, de flores lilases, muito aromáticas, que é cultivada como ornamental em quase todo o mundo.

 

Na Praça da Autonomia Constitucional, que ficará linda quando as árvores que lá se encontram crescerem e florirem, podemos encontrar, para além das mélias já referidas, entre outras, árvores-do-fogo (Brachychiton acerifolius), oriunda da Austrália, magnólias-de-soulange (Magnolia x soulangeana), uma hortícola, de flores muito bonitas e os cardeais ou hibiscos-da Síria (Hibiscus syriacus), curiosamente provenientes da China, Coreia e Indochina.

 

Termino esta curta nota com uma referência a  plantas que nunca esperei encontrar e que devem estar relacionadas com uma possível ligação à terra de alguns moradores, algumas fruteiras que podem ser encontradas à frente de algumas casas.

 

O araçazeiro, também conhecido em alguns locais de São Miguel por goiaviera (Psidium cattleyanum), que é originário da América tropical, é a fruteira mais abundante. Para além daquela espécie, de entre outras, pode ser observada a papaeira (Carica papaya), nativa do Sul do México, da América Central e norte da América do Sul, o cafezeiro (Coffea arabica), da África tropical - florestas montanhosas da Etiópia, a nespereira, também conhecida por monequeira (Eriobotrya japónica), do Sudeste da China e a pitangueira (Eugenia uniflora) que veio do Brasil.

 

Como não há bela sem senão, numa área à espera de ser utilizada para a construção de um qualquer edifício é possível encontrar o penacho ou erva-das.pampas (Cortaderia selloana), proveniente da América do Sul e que apesar de muito bonita é,  de acordo com uma publicação do “Projeto LIFE+ Stop Cortaderia – Medidas urgentes para controlar a propagação de erva-das-pampas no Arco Atlântico”, “considerada uma das plantas invasoras mais nocivas no território do Arco Atlântico devido à sua capacidade de transformar e degradar habitats naturais e humanizados, de provocar problemas graves de saúde pública (alergias, etc.) e também a nível económico (e.g. na gestão de faixas marginais a vias de comunicação e de outros espaços)”.

 

Pico da Pedra, 23 de agosto de 2020

(Nova Persuasão, nº2, setembro de 2020)

Sindicalismo agrícola em São Miguel

 


Sindicalismo agrícola em São Miguel

Com este texto, para além de registar uma época da nossa história recente, pretendo homenagear todos os trabalhadores rurais da nossa terra. Como não posso nomear todos, aqui ficam os nomes de alguns, pedindo perdão aos que involuntariamente esqueci, que trabalharam as terras que transitoriamente estou a cuidar: Durval Carreiro (Carreirinho), Artur (da Canada), Eduardo Vicente, José Brum, João Salema, Manuel de Sousa, José Fernando Araújo, Gilberto Mansinho e Carlos Agostinho

 

De acordo com as estatísticas, em 1970, existiam no distrito de Ponta Delgada (ilhas de Santa Maria e São Miguel) 14 310 assalariados rurais, o que correspondia a 65% da população rural do distrito.

 

Com o golpe de estado de 25 de abril de 1974, impulsionados por partidos de esquerda foram criados em 1974 e 1975 vários sindicatos de trabalhadores rurais na ilha de São Miguel que, de acordo com um texto não assinado publicado, no nº 2 da revista “Trabalho”, de novembro/dezembro de 1981, eram “dirigidos em grande parte por sindicalistas não reformistas próximos do MES”.

 

Em algumas localidades da ilha de São Miguel, com destaque para o Pico da Pedra e a Fajão de Baixo realizaram-se reuniões de trabalhadores rurais. A título de exemplo, regista-se a reunião realizada no Pico da Pedra, a 1 de maio de 1975, com a presença de trabalhadores rurais de Santa Cruz e do Rosário, do Livramento, das Capelas, de São Vicente Ferreira e do Pico da Pedra e a realizada, a 29 do mesmo mês, na Junta de Freguesia da Fajã de Baixo que contou com a presença de “cerca de 50 camponeses representando à volta de 11 freguesias micaelenses”.

 

Embora não possuamos dados, cremos que terá sido diminuto o número de trabalhadores rurais sindicalizados na ilha de São Miguel e a sua duração foi efémera. Sobre esta, na revista referida que tinha como um dos administradores o micaelense Eduardo Pontes, em 1981, existia apenas um Sindicato Agrícola, resultante da fusão dos anteriores, mas que vivia da atividade de um funcionário e não tinha implantação na maioria das empresas agrícolas, não desenvolvia qualquer trabalho sindical ou atividade reivindicativa.

 

A fusão dos vários sindicatos de trabalhadores rurais ocorreu em julho de 1978, tendo numa reunião realizada na Fajã de Baixo, que contou com a presença das direções dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da Lagoa, do Livramento, do Pico da Pedra e da Cultura do Ananás, da Fajã de Baixo, sido eleita a Comissão Diretiva Provisória do agora designado Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas de São Miguel, que ficou constituída por José Luís Pereira da Ponte (presidente) e José Horácio (tesoureiro).

 

Quais eram as principais reivindicações dos sindicatos agrícolas de São Miguel, em 74/75?

 

Para responder a esta questão, por falta de bibliografia disponível, socorremo-nos de um comunicado da Comissão Pró-sindicato dos Trabalhadores Rurais do Concelho de Vila Franca do Campo que, de entre outras medidas urgentes que deveriam ser tomadas pelas autoridades e pelas Forças Armadas, referia as seguintes:

 

1-      Fim dos despedimentos;

2-      Proibição da criminosa prática de deixar de cultivar milho, batatas e feijão, entre as vinhas, por conduzir à diminuição da produção e aumento dos despedimentos.

3-      Proibição do arranque das vinhas para transformação dos terrenos em pastagens.

 

Por parte dos proprietários e dos rendeiros, a criação dos Sindicatos não foi bem vista. Com efeito, se as exigências dos trabalhadores rurais não afetavam muito os grandes, para os pequenos e médios, a situação não era bem assim, pois, não organizados em cooperativas de produtores, era-lhes difícil suportar o aumento das despesas já que não tinham, muitas vezes, garantida a venda dos produtos da terra.

 

Na altura, alguns dos dirigentes foram intimidados e alguns trabalhadores aconselhados a não aderirem aos sindicatos por “estarem ligados ao Partido Comunista”. No Pico da Pedra, segundo o jornal Voz Popular, de abril de 1977, o presidente do Sindicato daquela freguesia, sr. António Brum, “foi alvo de uma queixa a aguardar sentença em tribunal, por parte de duas entidades patronais” pelo facto de, segundo os queixosos, ser também sócio do Sindicato dos Estufeiros.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32229, 9 de setembro de 2020, p.11)

terça-feira, 1 de setembro de 2020

O Dr. Botelho e a poesia solidária

 


O Dr. Botelho e a poesia solidária

 

No dia 25 de abril 1854, faleceu em Ponta Delgada o médico e professor João Anselmo da Cruz Pimentel Choque que chegou a ser reitor do Liceu, foi presidente da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense e membro da SALA- Sociedade dos Amigos das Letras e Artes.

 

Homem de bem, o Dr. Choque adotou “um exposto desde a tenra idade de sete anos” que passou a ser seu herdeiro. Com a sua morte foi o Dr. José Pereira Botelho que na qualidade de tutor da criança que se chamava Mariano Augusto Choque a mandou educar num colégio em Lisboa, de onde regressou a São Miguel já casado, tendo trabalhado na secretaria da Junta Administrativa das obras do Porto de Ponta Delgada.

 

Como se pode depreender através do parágrafo anterior a relação de amizade entre o Dr. Botelho e o Dr. Choque era profunda de tal modo que para além de tutor do seu filho adotivo, aquele foi o autor de três quadras que foram gravadas no mausoléu deste e que abaixo de transcreve:

 

Foi um sábio, um erudito

Riquíssima inteligência;

Inda enfermo, inda aflito

Enobrecia a ciência!

 

O dever era o seu Norte

Homens de bem, só assim…

Corpo débil, alma forte,

Preencheu-o até ao fim

 

Adotou um desvalido

Um exposto, uma criança;

Fora talvez um bandido …

Fê-lo homem, deu-lhe herança.

No dia 21 de abril de 1866, faleceu o médico natural de Vila Franca do Campo António Mariano Tavares que “era amparo de uma família numerosa”. Foram várias as iniciativas para angariação de fundos a favor da viúva e dos filhos menores do referido médico a que se associou o Dr. José Pereira Botelho.

 

Uma das iniciativas ocorreu no dia 29 de maio daquele ano e constou de uma récita da responsabilidade do actor Taborda. Na ocasião foi distribuído um soneto da autoria do Dr. Botelho, dedicada ao referido artista, que abaixo se transcreve:

 

Se dos céus descendeu a caridade,

Esse dom de que a terra mais carece!

Dos céus baixou a força que o exerce

Oh! Taborda, é dos céus tua bondade!

 

Um modelo, um primor até na igualdade

O homem, o artista, em ti oferece!

Oh! Que não viva, não quem desconhece

Quem não pode gozar tua amizade!

 

Alegria e prazer se nos transborda

Desse ânimo p’ró triste sempre aberto;

Pois contigo o egoísmo não concorda!

 

Se a sombra e a água faltam no deserto,

No da vida conforto és tu Taborda!

É ditoso o infeliz que vês de perto.

 

Se é verdade que os poemas transcritos e outros que escreveu não fazem do Dr. Botelho um escritor, não é menos verdade que o mesmo tinha gosto pela literatura e foi autor de uma interessante publicação intitulada “Cantigas Populares” que dedicou à SALA.

 

O Dr. Botelho foi também tradutor do poema “A um bispo que me chamou ateu”, da autoria do genial escritor francês Victor Hugo.

 Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32223, 2 de setembro de 2020, p. 9)