O Dr.
Botelho, a cultura e a educação
No dia 9 de setembro de 1848, por impulso
de António Feliciano de Castilho, chegado a São Miguel no ano anterior, foi fundada
a SALA-Sociedade de Amigos das Letras e Artes que criou várias escolas de
ensino gratuito em várias localidades, com aulas ministradas por voluntários, e
organizou saraus literários e exposições artísticas e industriais.
António Feliciano de Castilho foi seu
presidente nos primeiros dois anos, o Dr. José Pereira foi vice-presidente e
José Torres secretário relator. Com o regresso de Castilho ao Continente
Português, em 1850 foi eleita uma nova direção cuja presidência ficou a cargo
do Dr. Botelho e a vice-presidência a José do Canto. Desta direção também
faziam parte, como secretários, Francisco Furtado Arruda e Francisco Bettencourt,
como vogais, o Dr. André António Avelino e o Dr. Veríssimo d’Aguiar Cabral e
como tesoureiro, Inácio Tavares Carreiro. Esta direção presidida pelo Dr.
Botelho, com ligeiras alterações, manteve-se até 1854.
Embora não seja considerado um escritor,
pelo menos não é tido como tal pelo Dr. Urbano de Mendonça Dias, na sua obra “Literatos dos Açores”, Porfírio Bessone
no seu Dicionário Cronológico dos Açores quando regista o seu nascimento
escreveu o seguinte: “José (Dr.) Pereira Botelho (mais conhecido pelo Dr.
Canejo), na Vila da Lagoa, S. Miguel. Escritor e poeta. - Do seu túmulo …. 2
Out. 1813”.
A obra do
Dr. Botelho encontra-se dispersa por vários jornais, sendo talvez a de maior
vulto, escrita com preocupações didáticas, as “Cantigas Populares” que ofereceu
à SALA para uso dos alunos que frequentavam as suas aulas.
Numa carta
dirigida ao presidente da SALA, ele que queria ficar anónimo, explica a razão
de ter escrito as “Cantigas Populares” nos seguintes termos:
“… No meu entender, para que esta classe de
indivíduos possa compreender e saborear os elevados Cânticos das Estrelas
poético musicais do insigne poeta Castilho, como muito convém, é mister
primeiro que os poetas se abaixem, contra a sua índole que é elevarem-se, e
lhes deem assim a mão ajudando-a a sair da ignorância em que ainda jaz. Escolhi,
pois, assuntos locais, e tratei com a maior simplicidade. Desci, com tanto
menor custo que nunca dantes havia versificado, desci muito, desci até à plebe,
aparecendo-lhe desenfeitado de joias para ela não fugir de mim, nem me
estranhar. Mas procurei ser sempre gracioso e nunca ignóbil; e, se o consegui,
será esse o único merecimento do meu insignificantíssimo trabalho.”
Para
conhecermos um pouco mais o pensamento do Dr. Botelho em relação à instrução ou
à falta dela no seu tempo, abaixo se transcreve uma passagem do seu discurso
proferido no dia 9 de novembro de 1851, numa cerimónia de distribuição de
prémios aos alunos que frequentaram a aula noturna e gratuita, proporcionada
pela SALA, na Vila da Lagoa:
“O saber
ler, escrever e contar, concedei-nos esta expressão, é para as povoações uma
necessidade quase tão urgente como é para a vida o alimento e o ar. Porém,
apesar da reconhecida necessidade até hoje nenhum governo tem sabido ou tem
querido dar uma grande extensão à instrução primária! em nosso entender porque
os governos só têm representado privilégios e representam privilégios… e a
estes privilégios não convinha que as povoações esclarecidas se pudessem
contar, comunicar, entender, animar, entusiasmar por verdades demonstradas,
indignar contra milhões de erros preconizados em conta de verdades por
detestáveis apóstolos do egoísmo”.
A dedicação
do Dr. Botelho à SALA não se limitou ao período em que foi seu presidente. Com
efeito, entre outras iniciativas em que participou, regista-se o facto de ser
um dos subscritores, em 1855, na qualidade de vogal da direção da SALA, de uma
circular onde aquela instituição apelava aos chefes de família para mandarem os
filhos às escolas noturnas gratuitas, pois de acordo com uma lei de 1854 o
recrutamento para a tropa recaia preferencialmente sobre os mancebos que não
soubessem ler.
Em 1856, o
Dr. Botelho fez parte de uma comissão criada pela SALA com o objetivo de estudar
a edificação de um teatro na área das ruínas da Igreja de São José, em Ponta
Delgada.
Hoje,
termino uma série de textos sobre o Dr. Botelho consciente de que alguns
aspetos da sua vida e obra não foram nem ao de leve abordados, como é o caso do
seu envolvimento na política e outros mereceriam um maior aprofundamento.
Espero um dia voltar ao assunto.
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, 32235, 16 de setembro de 2020, p.12)
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