terça-feira, 15 de setembro de 2020

O Dr. Botelho, a cultura e a educação

 


O Dr. Botelho, a cultura e a educação

 

No dia 9 de setembro de 1848, por impulso de António Feliciano de Castilho, chegado a São Miguel no ano anterior, foi fundada a SALA-Sociedade de Amigos das Letras e Artes que criou várias escolas de ensino gratuito em várias localidades, com aulas ministradas por voluntários, e organizou saraus literários e exposições artísticas e industriais.

 

António Feliciano de Castilho foi seu presidente nos primeiros dois anos, o Dr. José Pereira foi vice-presidente e José Torres secretário relator. Com o regresso de Castilho ao Continente Português, em 1850 foi eleita uma nova direção cuja presidência ficou a cargo do Dr. Botelho e a vice-presidência a José do Canto. Desta direção também faziam parte, como secretários, Francisco Furtado Arruda e Francisco Bettencourt, como vogais, o Dr. André António Avelino e o Dr. Veríssimo d’Aguiar Cabral e como tesoureiro, Inácio Tavares Carreiro. Esta direção presidida pelo Dr. Botelho, com ligeiras alterações, manteve-se até 1854.

 

Embora não seja considerado um escritor, pelo menos não é tido como tal pelo Dr. Urbano de Mendonça Dias, na sua obra “Literatos dos Açores”, Porfírio Bessone no seu Dicionário Cronológico dos Açores quando regista o seu nascimento escreveu o seguinte: “José (Dr.) Pereira Botelho (mais conhecido pelo Dr. Canejo), na Vila da Lagoa, S. Miguel. Escritor e poeta. - Do seu túmulo …. 2 Out. 1813”.

 

A obra do Dr. Botelho encontra-se dispersa por vários jornais, sendo talvez a de maior vulto, escrita com preocupações didáticas, as “Cantigas Populares” que ofereceu à SALA para uso dos alunos que frequentavam as suas aulas.

 

Numa carta dirigida ao presidente da SALA, ele que queria ficar anónimo, explica a razão de ter escrito as “Cantigas Populares” nos seguintes termos:

 

“… No meu entender, para que esta classe de indivíduos possa compreender e saborear os elevados Cânticos das Estrelas poético musicais do insigne poeta Castilho, como muito convém, é mister primeiro que os poetas se abaixem, contra a sua índole que é elevarem-se, e lhes deem assim a mão ajudando-a a sair da ignorância em que ainda jaz. Escolhi, pois, assuntos locais, e tratei com a maior simplicidade. Desci, com tanto menor custo que nunca dantes havia versificado, desci muito, desci até à plebe, aparecendo-lhe desenfeitado de joias para ela não fugir de mim, nem me estranhar. Mas procurei ser sempre gracioso e nunca ignóbil; e, se o consegui, será esse o único merecimento do meu insignificantíssimo trabalho.”

 

Para conhecermos um pouco mais o pensamento do Dr. Botelho em relação à instrução ou à falta dela no seu tempo, abaixo se transcreve uma passagem do seu discurso proferido no dia 9 de novembro de 1851, numa cerimónia de distribuição de prémios aos alunos que frequentaram a aula noturna e gratuita, proporcionada pela SALA, na Vila da Lagoa:

 

“O saber ler, escrever e contar, concedei-nos esta expressão, é para as povoações uma necessidade quase tão urgente como é para a vida o alimento e o ar. Porém, apesar da reconhecida necessidade até hoje nenhum governo tem sabido ou tem querido dar uma grande extensão à instrução primária! em nosso entender porque os governos só têm representado privilégios e representam privilégios… e a estes privilégios não convinha que as povoações esclarecidas se pudessem contar, comunicar, entender, animar, entusiasmar por verdades demonstradas, indignar contra milhões de erros preconizados em conta de verdades por detestáveis apóstolos do egoísmo”.

 

A dedicação do Dr. Botelho à SALA não se limitou ao período em que foi seu presidente. Com efeito, entre outras iniciativas em que participou, regista-se o facto de ser um dos subscritores, em 1855, na qualidade de vogal da direção da SALA, de uma circular onde aquela instituição apelava aos chefes de família para mandarem os filhos às escolas noturnas gratuitas, pois de acordo com uma lei de 1854 o recrutamento para a tropa recaia preferencialmente sobre os mancebos que não soubessem ler.

 

Em 1856, o Dr. Botelho fez parte de uma comissão criada pela SALA com o objetivo de estudar a edificação de um teatro na área das ruínas da Igreja de São José, em Ponta Delgada.

 

Hoje, termino uma série de textos sobre o Dr. Botelho consciente de que alguns aspetos da sua vida e obra não foram nem ao de leve abordados, como é o caso do seu envolvimento na política e outros mereceriam um maior aprofundamento. Espero um dia voltar ao assunto.

 

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32235, 16 de setembro de 2020, p.12)

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