O Dr.
Botelho e a poesia solidária
No
dia 25 de abril 1854, faleceu em Ponta Delgada o médico e professor João
Anselmo da Cruz Pimentel Choque que chegou a ser reitor do Liceu, foi presidente
da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense e membro da SALA- Sociedade
dos Amigos das Letras e Artes.
Homem de bem, o Dr. Choque adotou “um
exposto desde a tenra idade de sete anos” que passou a ser seu herdeiro. Com a
sua morte foi o Dr. José Pereira Botelho que na qualidade de tutor da criança
que se chamava Mariano Augusto Choque a mandou educar num colégio em Lisboa, de
onde regressou a São Miguel já casado, tendo trabalhado na secretaria da Junta
Administrativa das obras do Porto de Ponta Delgada.
Como se pode depreender através do
parágrafo anterior a relação de amizade entre o Dr. Botelho e o Dr. Choque era
profunda de tal modo que para além de tutor do seu filho adotivo, aquele foi o
autor de três quadras que foram gravadas no mausoléu deste e que abaixo de
transcreve:
Foi um sábio, um erudito
Riquíssima inteligência;
Inda enfermo, inda aflito
Enobrecia a ciência!
O dever era o seu Norte
Homens de bem, só assim…
Corpo débil, alma forte,
Preencheu-o até ao fim
Adotou um desvalido
Um exposto, uma criança;
Fora talvez um bandido …
Fê-lo homem, deu-lhe
herança.
No dia 21 de abril de 1866, faleceu o
médico natural de Vila Franca do Campo António Mariano Tavares que “era amparo
de uma família numerosa”. Foram várias as iniciativas para angariação de fundos
a favor da viúva e dos filhos menores do referido médico a que se associou o
Dr. José Pereira Botelho.
Uma das iniciativas ocorreu no dia 29 de
maio daquele ano e constou de uma récita da responsabilidade do actor Taborda.
Na ocasião foi distribuído um soneto da autoria do Dr. Botelho, dedicada ao referido
artista, que abaixo se transcreve:
Se dos céus descendeu a
caridade,
Esse dom de que a terra
mais carece!
Dos céus baixou a força
que o exerce
Oh! Taborda, é dos céus
tua bondade!
Um modelo, um primor até
na igualdade
O homem, o artista, em ti
oferece!
Oh! Que não viva, não
quem desconhece
Quem não pode gozar tua
amizade!
Alegria e prazer se nos
transborda
Desse ânimo p’ró triste
sempre aberto;
Pois contigo o egoísmo
não concorda!
Se a sombra e a água
faltam no deserto,
No da vida conforto és tu
Taborda!
É ditoso o infeliz que
vês de perto.
Se é verdade que os poemas transcritos e
outros que escreveu não fazem do Dr. Botelho um escritor, não é menos verdade
que o mesmo tinha gosto pela literatura e foi autor de uma interessante
publicação intitulada “Cantigas Populares” que dedicou à SALA.
O Dr. Botelho foi também tradutor do poema
“A um bispo que me chamou ateu”, da autoria do genial escritor francês Victor
Hugo.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32223, 2 de
setembro de 2020, p. 9)
Sem comentários:
Enviar um comentário