terça-feira, 1 de setembro de 2020

O Dr. Botelho e a poesia solidária

 


O Dr. Botelho e a poesia solidária

 

No dia 25 de abril 1854, faleceu em Ponta Delgada o médico e professor João Anselmo da Cruz Pimentel Choque que chegou a ser reitor do Liceu, foi presidente da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense e membro da SALA- Sociedade dos Amigos das Letras e Artes.

 

Homem de bem, o Dr. Choque adotou “um exposto desde a tenra idade de sete anos” que passou a ser seu herdeiro. Com a sua morte foi o Dr. José Pereira Botelho que na qualidade de tutor da criança que se chamava Mariano Augusto Choque a mandou educar num colégio em Lisboa, de onde regressou a São Miguel já casado, tendo trabalhado na secretaria da Junta Administrativa das obras do Porto de Ponta Delgada.

 

Como se pode depreender através do parágrafo anterior a relação de amizade entre o Dr. Botelho e o Dr. Choque era profunda de tal modo que para além de tutor do seu filho adotivo, aquele foi o autor de três quadras que foram gravadas no mausoléu deste e que abaixo de transcreve:

 

Foi um sábio, um erudito

Riquíssima inteligência;

Inda enfermo, inda aflito

Enobrecia a ciência!

 

O dever era o seu Norte

Homens de bem, só assim…

Corpo débil, alma forte,

Preencheu-o até ao fim

 

Adotou um desvalido

Um exposto, uma criança;

Fora talvez um bandido …

Fê-lo homem, deu-lhe herança.

No dia 21 de abril de 1866, faleceu o médico natural de Vila Franca do Campo António Mariano Tavares que “era amparo de uma família numerosa”. Foram várias as iniciativas para angariação de fundos a favor da viúva e dos filhos menores do referido médico a que se associou o Dr. José Pereira Botelho.

 

Uma das iniciativas ocorreu no dia 29 de maio daquele ano e constou de uma récita da responsabilidade do actor Taborda. Na ocasião foi distribuído um soneto da autoria do Dr. Botelho, dedicada ao referido artista, que abaixo se transcreve:

 

Se dos céus descendeu a caridade,

Esse dom de que a terra mais carece!

Dos céus baixou a força que o exerce

Oh! Taborda, é dos céus tua bondade!

 

Um modelo, um primor até na igualdade

O homem, o artista, em ti oferece!

Oh! Que não viva, não quem desconhece

Quem não pode gozar tua amizade!

 

Alegria e prazer se nos transborda

Desse ânimo p’ró triste sempre aberto;

Pois contigo o egoísmo não concorda!

 

Se a sombra e a água faltam no deserto,

No da vida conforto és tu Taborda!

É ditoso o infeliz que vês de perto.

 

Se é verdade que os poemas transcritos e outros que escreveu não fazem do Dr. Botelho um escritor, não é menos verdade que o mesmo tinha gosto pela literatura e foi autor de uma interessante publicação intitulada “Cantigas Populares” que dedicou à SALA.

 

O Dr. Botelho foi também tradutor do poema “A um bispo que me chamou ateu”, da autoria do genial escritor francês Victor Hugo.

 Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32223, 2 de setembro de 2020, p. 9)

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