sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Apitoxina

APITOXINA

“Se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais, não haverá raça humana.” Albert Einstein

Nos Açores existem 18 espécies selvagens de abelhas e a abelha do mel (género Apis) que foi introduzida nos primeiros anos do povoamento do arquipélago.

É por demais conhecida a importância das abelhas e de outros polinizadores para a conservação da biodiversidade dos ecossistemas e o seu papel polinizador na agricultura. Para além do referido, os apicultores dos seus enxames, podem extrair o mel, o pólen, o própolis, a cera, a geleia-real e a apitoxina.

A apitoxina, o veneno da abelha, que é utilizado pelas abelhas para defender a sua colónia, em certas pessoas pode ser fatal, mas na maioria apenas provoca pequenas reações alérgicas.

Sabendo-se que a gravidade do envenenamento depende da idade, do peso, do número de picadas e de características de cada pessoa, como por exemplo do seu sistema imunitário e tendo em conta que em cada picada a abelha deposita, em média, 140µg a 150µg de veneno e que a DL50 (1) da apitoxina “varia entre 2,8 e 3,5 mg de veneno por quilograma de peso corporal. Isto significa que uma pessoa não-alérgica que pese entre 60 kg a 70 kg tem 50 % de hipóteses de sobreviver às picadas de 1000 a 1500 abelhas”.

Embora o potencial terapêutico da apitoxina esteja longe de estar suficientemente estudado, sabe-se que a mesma apresenta propriedades anti-inflamatórias e neuro-protetoras e o seu principal componente, a melitina, parece possuir propriedades anticancerígenas.

De acordo com o Programa Apícola Nacional (2017-2019), o valor de mercado da apitoxina era, em 2009, superior a 23 mil €/Kg.

Teófilo de Braga

(atualizado a 30 de setembro de 2022)

(1) dose letal mediana (DL50) é a dose necessária de uma dada substância ou tipo de radiação para matar 50% de uma população em teste. Expressa-se normalmente em miligramas de substância por quilograma de massa corporal dos indivíduos testados

Exemplo:

Quantas picadas poderia receber uma pessoa de 80 kg para ter 50% de hipóteses de sobreviver?

Supondo que a DL50 é 3mg/kg, a massa máxima de apitoxina que a pessoa pode receber é 240 mg (3x80).

Se em cada picada uma abelha deposita 150µg (0,15mg), então seriam necessárias 1600 picadas (240:0,15)

Bibliografia

Ascenção, J. (2020). Apitoxina: toxicidade e potencial terapêutico. Coimbra: Universidade de Coimbra (Monografia de Mestrado Integrado em Ciências Farnacêuticas)

Weissmann JA, Picanço A, Borges PAV, Schaefer H (2017) Bees of the Azores: an annotated checklist (Apidae, Hymenoptera). ZooKeys 642: 63–95. https://doi.org/10.3897/zookeys.642.10773

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Quatro plantas da Rua Capitão Manuel Cordeiro- 1ª parte


Ao longo dos últimos anos, tenho feito o levantamento das plantas, espontâneas ou não, existentes nas diversas ruas do Pico da Pedra. Neste número do boletim “Voz Popular” dou a conhecer quatro plantas da Rua Capitão Manuel Cordeiro- 1ª parte.

Este ano, se não estou em erro, a Câmara Municipal da Ribeira Grande mandou plantar magnólias e paus-brancos para substituir as tílias lá existentes. Estando as plantas ainda muito pequenas, carecem de cuidados especiais, nomeadamente de uma proteção para evitar que sejam esmagadas pelos automóveis que entram ou saem dos estacionamentos.

A magnólia (Magnolia grandiflora) é uma árvore da família Magnoliaceae, de folha persistente, originária do sudeste dos Estados Unidos da América (Texas, Virgínia e Flórida).

A magnólia pode atingir 27 m de altura e uma copa com 20 m de diâmetro. Começa a florescer entre os 12 e os 20 anos de idade e entre nós o período de floração é entre os meses de junho e setembro.

O pau-branco (Picconia azorica) é um arbusto ou árvore perenifólia da família Oleaceae, endémica dos Açores, existente em todas as ilhas, exceto na Graciosa. O pau-branco, que pode atingir 15 metros de altura, floresce nos meses de março, abril e maio.

No passado, a madeira do pau-branco foi usada como combustível e no fabrico de alfaias agrícolas. Hoje, o pau-branco é raro em algumas ilhas, estando protegido por legislação regional e europeia.

A acácia (Acacia melanoxylon), que é espontânea na Rua Capitão Manuel Cordeiro, é uma árvore de folha persistente que pode atingir 15 metros de altura. O período de floração ocorre entre os meses de fevereiro e maio.

Originária da Austrália, a acácia, que existe em todas as ilhas dos Açores, exceto no Corvo, foi usada na agricultura, em sebes, e a sua madeira foi e é usada como combustível e agora menos na construção civil (traves, tábuas e mobiliário). É uma espécie que se propaga por semente com muita facilidade, sendo invasora em alguns lugares.

Também espontânea na citada rua é o incenso (Pittosporum undulatum), árvore perenifólia originária da Austrália, que pode atingir 25 m de altura.

O incenso que floresce nos meses de março e abril é muito usado em sebes e a sua madeira como combustível. A partir das suas flores obtém-se o afamado mel de incenso.

Apesar da sua utilidade, o incenso é uma planta invasora que ameaça a flora nativa dos Açores, estando incluído na lista de plantas invasoras (Decreto-Lei nº 92/2019).

Termino, manifestando o meu agrado com a tentativa do uso do pau-branco como planta de arruamento e sugiro a retirada das acácias e dos incensos, estes ainda muito pequenos, e a sua substituição por arbustos ornamentais.

Pico da Pedra, 14 de agosto de 2022

Teófilo Braga
Voz Popular, nº 201, setembro de 2022

sábado, 3 de setembro de 2022

Alice Moderno, a revista “Ou vai…ou racha” e “Ai! Menina Rosa!”


Alice Moderno, a revista “Ou vai…ou racha” e “Ai! Menina Rosa!”

A revista “Ou vai…ou racha”, que fazia apologia da República, estreou- se, em Ponta Delgada, no dia 6 de fevereiro de 1909.

A 14 de fevereiro de 1909, Alice Moderno, através do seu jornal, noticia que o último quadro da revista tinha sido alterado, aparecendo, em vez dos retratos do Diretório do Partido Republicano, o do micaelense republicano e futuro presidente da República Teófilo Braga, que igualmente foi muito saudado.

Depois de nove representações em São Miguel e de mais de 200 em Lisboa a revista foi proibida de voltar à cena em Ponta Delgada porque, de acordo com “A Mocidade” de 24 de março de 1911, “n’ela aparecer a figura de João Franco, esse cons.º em cuja envergadura, que não tinha, um rei confiara, entregando-lhe o ofício de remendão da manta esfacelada e imunda que cobria Portugal inteiro- sob o título fictício de justiça e de paz!”

Durante a manhã do dia 20 de março, em diversos locais de Ponta Delgada os estudantes manifestaram o seu desagrado pela proibição da revista e cantaram a canção “Aí! Menina Rosa!” que fazia parte da mesma.

Ai! Menina Rosa…

Quem será esta dama misteriosa

Que, entre nós, tanto há dado que falar

E a quem dizemos-ai! Menina Rosa

Tenho uma coisa rica p’rate dar?!

Decerto alguma ninfa primorosa

A quem todos pretendem conquistar

E que altiva, repele, desdenhosa

As coisas que nós temos para lhe dar

Ninguém jamais a viu, nem o prazer

Nos concedeu ainda de aparecer

Com a resplandecente imagem sua!

Mas, conservai fechada a vossa porta

E fazer companhia ao João da Horta

Que há tantos meses não sai à rua

Outro Solla-Grossa

Anos mais tarde, segundo Alice Moderno, a Menina Rosa passou a ser a filha do comissário da polícia, Capitão Francisco José Silveira Júnior, responsável pela proibição da revista e por ter dado ordem ao chefe da esquadra para proceder a prisões de estudantes.

No mesmo dia 20 de março, ainda como forma de manifestar o seu desagrado com o ocorrido, os estudantes depois de se concentrarem no Largo da Matriz pelas 20h 30 min foram apresentar cumprimentos ao jornal “Diário dos Açores” e ao jornal “A Folha” de Alice Moderno, cuja redação se situava na Rua do Castilho, mesmo em frente da esquadra da polícia civil.

Pouco depois de terem sido avisados pelo chefe da esquadra de que não queria manifestações e que deviam dispersar, ocorreu a prisão de 11 pessoas, entre as quais a do Dr. Luiz Francisco Bicudo.

A 21 de março de 1909, Alice Moderno, n’ “A Folha” publica várias coplas do primeiro ato da revista. Aqui deixamos três delas, que não perderam de todo atualidade:

Dizem que eu sou pobrezinho,

Que a respeito de baguinho,

Já não tenho nem sinais.

Mas não sei por que razões

Sempre há mais contribuições,

Cada vez eu pago mais.

Pago bródios e festanças,

Pago viagens, pago danças,

Pago toda a trapalhada;

E afinal, p’ra meu agouro,

Pago em prata, pago em ouro,

Dão-me o troco em peixe-espada.

Mas em se acabando a massa,

Quando eu não tiver nem raça,

Perco a bola, fico cego.

E não tendo outros valores,

Deito a mão aos ditadores (1)

Ferro com eles no prego!

(1) A censura prévia mudou esta palavra para cobradores

Alice Moderno esteve associada à revista, quer através da divulgação das apresentações no Teatro Micaelense, quer através do seu contributo com algumas coplas escritas a propósito da festa artística da atriz Maria Dolores que abaixo se transcrevem:

Levarei funda saudade,

Quando me for a embarcar,

Senhoras desta cidade

A quem venho hoje saudar

E em prova do meu respeito

E estima bem manifesta,

Desejei singelo preito,

Sagrar-vos a minha festa

E assim, tendo o aquiescimento

Do vosso riso leal

Vou cantar, com sentimento,

Os fados de Portugal

Não estando presente aquando da visita dos estudantes ao seu jornal, onde foram recebidos pela senhora Maria Emília Borges de Medeiros, Alice Moderno em carta datada de 22 de março agradeceu aos estudantes. Da sua missiva, destacamos o seguinte: “A manifestação de que fui alvo […] vem mais uma vez demonstrar que pode existir entre os que aprendem e os que ensinam perfeita coesão de ideias, desde o momento em que os segundos acompanhem os primeiros nas legitimas e sempre insatisfeitas aspirações do pensamento humano, a cuja evolução progressiva e racional ninguém pôde nem poderá nunca, a não ser muito momentaneamente, pôr entraves”.

Dois anos depois, Alice Moderno não se esqueceu da proibição da revista “Ou vai…ou racha”, tendo recordado que duas ou três prisões de estudantes foram feitas na redação de “A Folha”. Sobre o facto escreveu: “Contra esta violação de domicílio, protestamos em tempo, pelas vias legais e continua erguido bem alto e bem nítido o nosso protesto”.

Nota- atualizei o português de todas as citações

Pico da Pedra, 4 de setembro de 2022
Teófilo José Soares de Braga