sábado, 3 de setembro de 2022

Alice Moderno, a revista “Ou vai…ou racha” e “Ai! Menina Rosa!”


Alice Moderno, a revista “Ou vai…ou racha” e “Ai! Menina Rosa!”

A revista “Ou vai…ou racha”, que fazia apologia da República, estreou- se, em Ponta Delgada, no dia 6 de fevereiro de 1909.

A 14 de fevereiro de 1909, Alice Moderno, através do seu jornal, noticia que o último quadro da revista tinha sido alterado, aparecendo, em vez dos retratos do Diretório do Partido Republicano, o do micaelense republicano e futuro presidente da República Teófilo Braga, que igualmente foi muito saudado.

Depois de nove representações em São Miguel e de mais de 200 em Lisboa a revista foi proibida de voltar à cena em Ponta Delgada porque, de acordo com “A Mocidade” de 24 de março de 1911, “n’ela aparecer a figura de João Franco, esse cons.º em cuja envergadura, que não tinha, um rei confiara, entregando-lhe o ofício de remendão da manta esfacelada e imunda que cobria Portugal inteiro- sob o título fictício de justiça e de paz!”

Durante a manhã do dia 20 de março, em diversos locais de Ponta Delgada os estudantes manifestaram o seu desagrado pela proibição da revista e cantaram a canção “Aí! Menina Rosa!” que fazia parte da mesma.

Ai! Menina Rosa…

Quem será esta dama misteriosa

Que, entre nós, tanto há dado que falar

E a quem dizemos-ai! Menina Rosa

Tenho uma coisa rica p’rate dar?!

Decerto alguma ninfa primorosa

A quem todos pretendem conquistar

E que altiva, repele, desdenhosa

As coisas que nós temos para lhe dar

Ninguém jamais a viu, nem o prazer

Nos concedeu ainda de aparecer

Com a resplandecente imagem sua!

Mas, conservai fechada a vossa porta

E fazer companhia ao João da Horta

Que há tantos meses não sai à rua

Outro Solla-Grossa

Anos mais tarde, segundo Alice Moderno, a Menina Rosa passou a ser a filha do comissário da polícia, Capitão Francisco José Silveira Júnior, responsável pela proibição da revista e por ter dado ordem ao chefe da esquadra para proceder a prisões de estudantes.

No mesmo dia 20 de março, ainda como forma de manifestar o seu desagrado com o ocorrido, os estudantes depois de se concentrarem no Largo da Matriz pelas 20h 30 min foram apresentar cumprimentos ao jornal “Diário dos Açores” e ao jornal “A Folha” de Alice Moderno, cuja redação se situava na Rua do Castilho, mesmo em frente da esquadra da polícia civil.

Pouco depois de terem sido avisados pelo chefe da esquadra de que não queria manifestações e que deviam dispersar, ocorreu a prisão de 11 pessoas, entre as quais a do Dr. Luiz Francisco Bicudo.

A 21 de março de 1909, Alice Moderno, n’ “A Folha” publica várias coplas do primeiro ato da revista. Aqui deixamos três delas, que não perderam de todo atualidade:

Dizem que eu sou pobrezinho,

Que a respeito de baguinho,

Já não tenho nem sinais.

Mas não sei por que razões

Sempre há mais contribuições,

Cada vez eu pago mais.

Pago bródios e festanças,

Pago viagens, pago danças,

Pago toda a trapalhada;

E afinal, p’ra meu agouro,

Pago em prata, pago em ouro,

Dão-me o troco em peixe-espada.

Mas em se acabando a massa,

Quando eu não tiver nem raça,

Perco a bola, fico cego.

E não tendo outros valores,

Deito a mão aos ditadores (1)

Ferro com eles no prego!

(1) A censura prévia mudou esta palavra para cobradores

Alice Moderno esteve associada à revista, quer através da divulgação das apresentações no Teatro Micaelense, quer através do seu contributo com algumas coplas escritas a propósito da festa artística da atriz Maria Dolores que abaixo se transcrevem:

Levarei funda saudade,

Quando me for a embarcar,

Senhoras desta cidade

A quem venho hoje saudar

E em prova do meu respeito

E estima bem manifesta,

Desejei singelo preito,

Sagrar-vos a minha festa

E assim, tendo o aquiescimento

Do vosso riso leal

Vou cantar, com sentimento,

Os fados de Portugal

Não estando presente aquando da visita dos estudantes ao seu jornal, onde foram recebidos pela senhora Maria Emília Borges de Medeiros, Alice Moderno em carta datada de 22 de março agradeceu aos estudantes. Da sua missiva, destacamos o seguinte: “A manifestação de que fui alvo […] vem mais uma vez demonstrar que pode existir entre os que aprendem e os que ensinam perfeita coesão de ideias, desde o momento em que os segundos acompanhem os primeiros nas legitimas e sempre insatisfeitas aspirações do pensamento humano, a cuja evolução progressiva e racional ninguém pôde nem poderá nunca, a não ser muito momentaneamente, pôr entraves”.

Dois anos depois, Alice Moderno não se esqueceu da proibição da revista “Ou vai…ou racha”, tendo recordado que duas ou três prisões de estudantes foram feitas na redação de “A Folha”. Sobre o facto escreveu: “Contra esta violação de domicílio, protestamos em tempo, pelas vias legais e continua erguido bem alto e bem nítido o nosso protesto”.

Nota- atualizei o português de todas as citações

Pico da Pedra, 4 de setembro de 2022
Teófilo José Soares de Braga

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