quinta-feira, 30 de abril de 2015

Os maios


EM LOUVOR DOS QUE MANTÊM AS BOAS TRADIÇÕES

OS MAIOS

Como todos sabemos, o modo de vida das nossas gentes tem-se alterado muito ao longo dos tempos, deixando cair no esquecimento muitos dos ensinamentos e tradições que eram característicos dos nossos antepassados.
Já no início do século passado, o padre Ernesto Ferreira referia-se aos Maios como uma “simples manifestação da poesia com que a alma popular celebra a sua comunhão com o renovamento da natureza” e manifestava o seu desejo de que os mesmos não desaparecessem “da rica mina dos costumes micaelenses”.
Graças à dedicação de alguns particulares, contando ou não com incentivos das mais diversas entidades, a tradição dos Maios ainda perdura no nosso concelho de tal modo que este ano foi possível vê-los em diversas freguesias.
Para potencializar e divulgar a tradição no concelho e fora dele, sugiro que, independentemente das iniciativas a serem tomadas pelas diversas juntas de freguesia, o pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, em cada ano, quer promova ou não um concurso, faça a divulgação prévia de todas as casas do concelho que participam na iniciativa, indicando rua e número de porta.
Aproveito para saudar, nas pessoas dos senhores Jaime Manuel Arruda Feitor e João de Brito Fanfa Ponte, moradores na Ribeira Seca, todas os vila-franquenses mantiveram este ano a tradição bem viva.

Vila Franca do Campo, 26 de Junho de 2014

Teófilo José Soares de Braga

terça-feira, 28 de abril de 2015

Antero de Quental e o primeiro de Maio em São Miguel



Antero de Quental e o primeiro de Maio em São Miguel

Como tive a oportunidade de escrever num número anterior do Correio dos Açores, a primeira comemoração do dia do trabalhador, na ilha de São Miguel, terá ocorrido no ano de 1897, por iniciativa de Alfredo da Câmara.

No ano seguinte, voltou a comemorar-se a data, constando do vasto programa um cortejo para visita aos túmulos de Antero de Quental e de José Pereira Botelho, “grandes propagadores das ideias socialistas”, o qual não se realizou devido ao mau tempo.

As comemorações do 1º de Maio realizadas entre 1897 e 1904, promovidas pelo jornal O Repórter e por Alfredo da Câmara, foram alvo de dura critica por parte dos responsáveis do jornal “Vida Nova que as classificaram como “pseudas e irrisórias festas do trabalho” e o seu organizador alvo de censura por ser “um ferrenho influente eleitoral do partido regenerador” que “não podia continuar à frente deste movimento com o pseudónimo sempre falso de socialista, defendendo as 8 horas de trabalho que ele próprio não compreendia nem podia falar sobre tal assunto”.

Em 1905, Francisco Soares Silva e os restantes colaboradores do Vida Nova, organizaram um primeiro de Maio semelhante ao que então se fazia em Lisboa com alguns carros alegóricos devidamente ornamentados. A iniciativa não se repetiu em anos posteriores porque era muito dispendioso contratar filarmónicas de fora de Ponta Delgada pois “as da cidade, compostas dos nossos camaradas não queriam acompanhar-nos”.

Em 1908, Os responsáveis do Vida Nova cientes de que não eram com festas que se resolviam os problemas sociais optaram, por um lado, por apelar aos operários micaelenses para se unirem, “criando as suas associações sindicais, abrindo escolas para se educarem, e então, unidos em um só pensamento e firmes numa só ideia, conquistarem uma Vida Nova e uma Sociedade Nova onde não se cometam infâmias e crimes como os de Chicago, em 11 de novembro de 1887” e, por outro lado, não esquecer a data, organizando uma romagem ao túmulo de Antero de Quental e uma conferência.

Assim, no dia mencionado realizou-se uma marcha que se iniciou na rua do Gaspar até ao cemitério, onde foi depositada uma “coroa de flores sobre o túmulo do primeiro filósofo português, do poeta dos sonetos, do socialista imaculado e do livre-pensador Antero de Quental”.

Na ocasião, Francisco Soares Silva, junto ao túmulo de Antero, pronunciou um discurso, onde depois de mencionar alguns aspetos da vida do escritor, como o de ter trabalhado como operário e de afirmar que, por isso, “Antero conhecia como nenhum outro escritor a vida desgraçada do operariado” terminou dizendo o seguinte: “Antero viveu com o povo e morreu com o povo. Por isso os homens que defendem com tanto amor e lealdade as vítimas do trabalho, só têm jus às nossas sinceras homenagens e a que lhes desfolhemos flores sobre as suas campas”.

À noite, houve uma muito concorrida conferência na escola União dos Operários a que se seguiu um momento musical que contou com a colaboração de Gabriel de Sousa que tocou bandolim e Mariano Medeiros que tocou violão.

Na conferência falou Francisco Soares Silva que pediu a união de todos os operários e apelou a “que frequentassem aquela escola a fim de se instruírem e serem operários, agradecendo a todos os que cooperaram para o bom êxito da manifestação”.

No ano seguinte, Francisco Soares Silva, em texto publicado no Vida Nova , volta a lembrar que “no 1º de maio nenhum operário deve trabalhar”, sendo um dia de “recordações e de luta”. Insiste que no referido dia “nada de festas, nada de músicas, isso só serve para distrair e para nos iludir”. No mesmo texto, dá a conhecer que “ao meio dia partiremos silenciosamente para o cemitério a desfolhar sobre a campa de Antero de Quental, o poeta dos sonetos, o orador eloquente das conferências do casino de Lisboa, o espírito revolucionário e finalmente o operário tipógrafo” e que “haverá duas pequenas alusões relativas a Antero e ao dia primeiro de maio”.

O discurso sobre Antero foi proferido por João H. Anglin, então “uma criança que apenas conta 14 anos de idade” que “está no segundo ano do liceu e no pouco tempo que lhe resta das suas obrigações, estuda a “grande questão social”, no que convictamente vai abraçando de dia para dia com mais amor e crença o sublime ideal libertário”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30618, 29 de abril de 2015, p.14)

terça-feira, 21 de abril de 2015

A República

Alice Moderno, Maria Evelina de Sousa e a República
Alice Moderno, que nasceu em 1867, teve a oportunidade de viver e assistir à queda da monarquia, saudar o advento da República e “aderir de alma e coração ao partido republicano”, segundo Maria da Conceição Vilhena, e passar os últimos anos da sua vida, primeiro sob a Ditadura Militar e depois sob o Estado Novo.
Até ao momento, não encontramos qualquer informação sobre a participação de Alice Moderno na vida interna de qualquer partido, o que é conhecida é a sua defesa do regime republicano no seu jornal “A Folha”, mesmo após algumas deceções que lhe causaram algumas medidas tomadas pelos republicanos no poder.
Entre Junho de 1918 e Maio de 1925 publicou-se em Ponta Delgada o semanário republicano “A Pátria” que, entre outros, teve como diretores José da Mota Vieira e António Medeiros Franco. De entre os colaboradores do jornal contaram-se Alice Moderno e a sua amiga, a professora Maria Evelina de Sousa, também republicana convicta.
Através dos números do jornal a que tivemos acesso, desde o primeiro até ao publicado a 16 de junho de 1924, concluímos que o contributo de Alice Moderno foi bastante modesto, tendo-se limitado à publicação de dois poemas, “4 de Julho”, no número 6, datado de 11 de julho de 1918 e “Resposta de Roosevelt”, no número 10, datado de 8 de agosto de 1918, que abaixo se transcreve:
Quando foram dizer ao grande ex-presidente
Que o seu filho mais novo, ainda adolescente,
Tenente-aviador do exército da América,
Recebera no front a morte heroica e épica
Que consagra os heróis, no solo o mais sagrado,
Lutando em prol do Ideal, agora espezinhado
Pelo militarismo, a contrapor afeito
O direito da força à força do Direito,
Roosevelt respondeu, com voz que não tremia:
“Minha mulher e eu sentimos alegria
Ao ver que o nosso filho, única e simplesmente,
Cumprindo o seu dever, honrou a pátria ausente!”

Sem comentário algum, dobremos o joelho,
E ó pais de Portugal, vede-vos neste espelho!

Para além do mencionado, Alice Moderno foi autora de uma carta aos diretores do jornal, publicada a 3 de dezembro de 1923 onde considerou deplorável o uso de “carroças puxadas por animais das espécies lanígera e caprina”, o qual contrariava uma postura municipal que nos primeiros tempos foi cumprida para depois cair no esquecimento da própria polícia de Ponta Delgada.
A colaboração de Maria Evelina de Sousa para o jornal “A Pátria” foi maior, tendo para além do poema Aspiração, publicado a 10 de março de 1924, sido autora de vários textos, a maioria dos quais relacionados com a educação/ensino.
Num dos textos, publicado a 19 de novembro de 1923, Maria Evelina de Sousa saúda a decisão das juntas republicanas das paróquias de Lisboa de criar cantinas escolares, fazendo votos para que “o exemplo frutifique e em breve o possamos ver também na cidade de Ponta Delgada”. Como argumento a favor, a autora aponta o facto de o fornecimento de uma refeição diária nas escolas levar a que as famílias matriculem os seus filhos “de melhor vontade”, resultando “uma dupla alimentação: física e intelectual”.
Outro texto interessante é o que foi publicado no número que veio a público a 26 de novembro de 1923, onde Maria Evelina de Sousa sugere a alteração da lei eleitoral para que o voto seja efetivamente livre, propondo que só pudesse “votar quem, sabendo ler e escrever, possua a mais completa liberdade de ação”.
Para acabar com a “força política dos detentores da propriedade, dos donos das terras”, Maria Evelina de Sousa propõe que sejam eliminados dos cadernos eleitorais todos os rendeiros “porque em geral da renda faz parte o voto de que o senhorio dispõe a seu talante, por vezes servindo-se dele para ver se entrava a marcha evolutiva dos princípios liberais”.
Hoje, a situação está profundamente alterada, mas se se eliminassem dos cadernos eleitorais todos os que, mesmo tendo frequentado a escola, não sabem ler ou não são capazes de compreender um texto de três linhas e todos os frequentadores das adulteradas sessões de esclarecimento, cujo principal atrativo é o porco no espeto, talvez as eleições fossem um pouco mais livres.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30612, 22 de abril de 2015, p.14)
Foto: http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=1016228

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Vinha e vinho


Vinhas e vinhos

1- Algumas notas

As videiras foram trazidas pelos primeiros povoadores do arquipélago dos Açores, tendo o seu cultivo sido mencionado por Gaspar Frutuoso (1522-1591), por diversas vezes, nas Saudades da Terra. Referindo-se à Lagoa, o mencionado cronista escreveu: “Tem por granjearia esta vila trigo e pastel e vinhos, que são muitos e, depois dos da Povoação Velha, comummente os melhores de toda a ilha, de que se recolhem, uns anos por outros, mais de seiscentas pipas, em cada ano”.
O historiador açoriano, natural de Vila Franca do Campo, Urbano de Mendonça Dias (1878-1951), numa comunicação apresentada, no Primeiro Congresso Açoriano, que ocorreu em Lisboa de 8 a 15 de Maio de 1938, depois de se referir à antiguidade da cultura da vinha nos Açores e de mencionar que a mesma passou por diversas vicissitudes, recordou que a mesma era sempre “uma cultura remuneradora” e acrescentou que, na ilha de São Miguel, a área cultivada era de 1 389 hectares, e a sua produção era calculada em 7 milhões de litros.
Uma das vicissitudes por que terá passado a cultura da vinha foi a destruição das primeiras vinhas (Vitis vinífera), que terão sido introduzidas por volta de 1500, pelo oídio e pela filoxera, segundo o Arquiteto José Marques Moreira, em 1853. Para fazer face à devastação ocorrida, a vinha primitiva foi substituída por outra espécie, a vinha americana (Vitis labrusca), também conhecida por uva-de-cheiro ou uva-isabel.
Na sua obra “Agricultura Açoreana um caminho para a Europa”, o Engenheiro Fernando Monteiro da Câmara Pereira, estimava a produção de vinho, em São Miguel, em 1980, em 8,68 milhões de litros.
Hoje, o vinho de cheiro está a desaparecer devagarinho, de tal modo que cada vez é menor a área de vinha cultivada, chegando-se ao cúmulo, dizem, de se fazer vinho a partir de uvas vindas do exterior.

A área cultivada com novas castas na ilha de São Miguel, tanto quanto nos é dado conhecer, é quase residual, estando muito longe de igualar a que é abandonada pelos cultivadores da uva- de-cheiro.

2- Trabalhadores rurais com ração de vinho obrigatória

Desde que me lembro era hábito os trabalhadores rurais da minha terra, a Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, no fim de um dia de trabalho beberem um copo de vinho que lhes era oferecido pelo patrão, quer fossem trabalhadores ao dia quer fossem permanentes.

Na altura, o vinho de cheiro era a principal bebida alcoólica consumida tanto pelas famílias nas suas casas como nas tabernas da localidade e a oferta de um copo de vinho devia ser um hábito antigo que era respeitado por todos, salvo raras exceções por parte de quem não ingeria bebidas alcoólicas, sendo neste caso o seu consumo substituído pelo da laranjada.

O que ignorava por completo era que durante algum tempo, que também desconheço, por lei, todos os trabalhadores rurais tinham direito, por lei, a uma ração de vinho diária.

Assim, num decreto do Ministério da Agricultura, publicado em 1932, era afirmado o seguinte: “todos os proprietários rurais, rendeiros, seareiros, empresas ou indivíduos, que contratem ou empreguem, de qualquer forma, para serviços de exploração agrícola, trabalhadores rurais, por jornal, salário ou qualquer outra espécie de remuneração, ficam obrigados a fornecer aos mesmos trabalhadores, quando maiores de 18 anos, e de qualquer dos sexos, uma ração diária de 0,3 de vinho de consumo”.

Como penalização para o não cumprimento do disposto na lei, esta previa o pagamento de uma multa de 50 centavos para cada ração não distribuída, quantia que seria agravada para 1 escudo na segunda vez e nas seguintes.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30606, 15 de abril de 2015, p.16)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Santa Casa nem sempre é casa santa


Misericórdia (s)

Hoje, não vou escrever sobre a etimologia da palavra, nem sobre o conceito de misericórdia e muito menos sobre o papel que as Santas Casas da Misericórdia desempenharam ao longo da história e ainda hoje desempenham em prol das comunidades onde estão inseridas.

Infelizmente, não vou escrever sobre o que de melhor se faz nas Santas Casas, num mundo em que as desigualdades não param de crescer e onde a justiça social teima a não ser prioridade, pelo contrário vou aproveitar o espaço que me é concedido semanalmente para dar a conhecer alguns episódios ocorridos que mostram alguns interesses obscuros que por vezes andam associados ao que devia ser o trabalho desinteressado em prol dos outros, sobretudo dos menos bafejados pela sorte ou dos mais injustiçados pela sociedade.

Através da consulta feita a várias páginas da internet e através de várias notícias publicadas em diversos jornais, ao longo de alguns anos, não foi difícil constatar que tal como sindicatos, clubes desportivos, associações dos mais diversos tipos, etc., as Santas Casas da Misericórdia são também palco de lutas partidárias, são alvo de autênticos assaltos pelas forças políticas ou servem de ponto de passagem ou lugar de promoção de alguns indivíduos ou de trampolim para outros cargos, geralmente de cariz político, com destaque para os proporcionados pelas diversas autarquias.

Para não ofender ninguém, não vamos fazer referência a casos dos nossos dias, embora eles estejam à vista de quem ainda usa os olhos para ver e o cérebro para pensar. Assim, como primeiro exemplo, referiremos uma caça ao voto feita em Vila Franca do Campo no final do século XIX.

O jornal vila-franquense “O Sul”, de 11 de dezembro de 1897 ao relatar o processo eleitoral para os órgãos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo escreveu o seguinte:
“Repugnou-nos a forma com que um sábio, o absoluto Pácha, a symphathica “ave de arribação”, o presidente do panamá da Ponte Torta, o engajador de recrutas, o intitulado governador de Villa Franca, procedeu tão vil e indignamente, mendigando votos, porteiramente, para esta eleição com o fim único de ver fora do hospital o mais zeloso administrador da Santa Casa da Misericórdia”.

Sobre o assunto, o colaborador de “O Sul”, José Picareta, escreveu uma gazetilha de que se transcreve um excerto:
“Da Santa Casa a partida
Perdeu o doutor Cabral,
Que o homem cheque levou…
Esforços fez ele muitos,
Não lhe faltaram caniços
Também as iscas, enguiços,
Mas peixe não apanhou!”

Já quase a terminar a primeira república, quinze anos depois da implantação desta, em Vila Franca do Campo os monárquicos encontravam-se agarrados ao poder na Santa Casa da Misericórdia de tal modo que as suas tropelias, para não dizer aldrabices, para se perpetuarem no poleiro chegaram, ao parlamento nacional, pela voz do “ilustre senador”, Dr. António de Medeiros Franco.

O Correio dos Açores do dia 28 de janeiro de 1925 transcreve um resumo da intervenção do Dr. António Franco na sessão do dia 16 do referido mês e ano que dado o interesse abaixo se reproduz:

“Sr. Medeiros Franco – Chama a atenção do Sr. ministro do Trabalho para uma eleição que há pouco tempo se realizou da mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca do Campo. Classifica de simulacro de eleição o que ali se fez. Não se cumpriram as disposições estatutárias, fizeram-se descargas a esmo, e tudo no propósito de excluir os republicanos da administração daquela casa de assistência. Protesta contra o facto que considera lesivo dos direitos dos republicanos locaes e pede um rigoroso inquérito ao que ali se passou.”


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30600, 8 de abril de 2015, p.16)