quarta-feira, 15 de abril de 2015

Vinha e vinho


Vinhas e vinhos

1- Algumas notas

As videiras foram trazidas pelos primeiros povoadores do arquipélago dos Açores, tendo o seu cultivo sido mencionado por Gaspar Frutuoso (1522-1591), por diversas vezes, nas Saudades da Terra. Referindo-se à Lagoa, o mencionado cronista escreveu: “Tem por granjearia esta vila trigo e pastel e vinhos, que são muitos e, depois dos da Povoação Velha, comummente os melhores de toda a ilha, de que se recolhem, uns anos por outros, mais de seiscentas pipas, em cada ano”.
O historiador açoriano, natural de Vila Franca do Campo, Urbano de Mendonça Dias (1878-1951), numa comunicação apresentada, no Primeiro Congresso Açoriano, que ocorreu em Lisboa de 8 a 15 de Maio de 1938, depois de se referir à antiguidade da cultura da vinha nos Açores e de mencionar que a mesma passou por diversas vicissitudes, recordou que a mesma era sempre “uma cultura remuneradora” e acrescentou que, na ilha de São Miguel, a área cultivada era de 1 389 hectares, e a sua produção era calculada em 7 milhões de litros.
Uma das vicissitudes por que terá passado a cultura da vinha foi a destruição das primeiras vinhas (Vitis vinífera), que terão sido introduzidas por volta de 1500, pelo oídio e pela filoxera, segundo o Arquiteto José Marques Moreira, em 1853. Para fazer face à devastação ocorrida, a vinha primitiva foi substituída por outra espécie, a vinha americana (Vitis labrusca), também conhecida por uva-de-cheiro ou uva-isabel.
Na sua obra “Agricultura Açoreana um caminho para a Europa”, o Engenheiro Fernando Monteiro da Câmara Pereira, estimava a produção de vinho, em São Miguel, em 1980, em 8,68 milhões de litros.
Hoje, o vinho de cheiro está a desaparecer devagarinho, de tal modo que cada vez é menor a área de vinha cultivada, chegando-se ao cúmulo, dizem, de se fazer vinho a partir de uvas vindas do exterior.

A área cultivada com novas castas na ilha de São Miguel, tanto quanto nos é dado conhecer, é quase residual, estando muito longe de igualar a que é abandonada pelos cultivadores da uva- de-cheiro.

2- Trabalhadores rurais com ração de vinho obrigatória

Desde que me lembro era hábito os trabalhadores rurais da minha terra, a Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, no fim de um dia de trabalho beberem um copo de vinho que lhes era oferecido pelo patrão, quer fossem trabalhadores ao dia quer fossem permanentes.

Na altura, o vinho de cheiro era a principal bebida alcoólica consumida tanto pelas famílias nas suas casas como nas tabernas da localidade e a oferta de um copo de vinho devia ser um hábito antigo que era respeitado por todos, salvo raras exceções por parte de quem não ingeria bebidas alcoólicas, sendo neste caso o seu consumo substituído pelo da laranjada.

O que ignorava por completo era que durante algum tempo, que também desconheço, por lei, todos os trabalhadores rurais tinham direito, por lei, a uma ração de vinho diária.

Assim, num decreto do Ministério da Agricultura, publicado em 1932, era afirmado o seguinte: “todos os proprietários rurais, rendeiros, seareiros, empresas ou indivíduos, que contratem ou empreguem, de qualquer forma, para serviços de exploração agrícola, trabalhadores rurais, por jornal, salário ou qualquer outra espécie de remuneração, ficam obrigados a fornecer aos mesmos trabalhadores, quando maiores de 18 anos, e de qualquer dos sexos, uma ração diária de 0,3 de vinho de consumo”.

Como penalização para o não cumprimento do disposto na lei, esta previa o pagamento de uma multa de 50 centavos para cada ração não distribuída, quantia que seria agravada para 1 escudo na segunda vez e nas seguintes.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 30606, 15 de abril de 2015, p.16)

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