sexta-feira, 26 de junho de 2020

Memórias do São João na Lagoa do Congro




Memórias do São João na Lagoa do Congro

Não sou capaz de recordar da data da primeira vez que fui visitar a Lagoa do Congro e a dos Nenúfares, mas não cometerei qualquer erro se disser que terá sido em 1971 ou 1972, integrado num grupo de amigos de vários locais da ilha de São Miguel, onde era presença obrigatória o senhor George Hayes que havia sido explicador de inglês de alguns deles.

Na altura, os caminhos ainda estavam muito bem arranjados, na envolvente à Lagoa dos Nenúfares sobressaiam as azáleas e ainda era possível contorná-la. Embora pense que o espaço ainda era guardado por um feitor, no caso o senhor Vasco Viveiros Araújo que residiu na rua Nova, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, a entrada nunca nos foi barrada.

Durante muito tempo, o senhor Vasco residiu na casa da Lagoa do Congro que foi mandada construir por José do Canto, tendo uma das suas filhas, Louise Rainha, nascido lá.

De acordo com informações por ela prestadas, a casa possuía água potável que era proveniente de uma nascente que existia nas redondezas, a iluminação era através de candeeiro a petróleo e o telefone só chegou em 1960.

Ainda de acordo com Louise Rainha, o acesso era restrito e as visitas eram autorizadas pelo senhor Filigénio Pimentel ou esposa, tendo os visitantes que apresentar um cartão assinado por um deles. Além disso, as vistas eram apenas para ver a lagoa, estando interdito o acesso às casas. Todo o espaço estava aberto ao público apenas no dia de São João, 24 de junho.

Esméria Bolota, natural da Ribeira Seca, atualmente a viver nos Estados Unidos da América, tem poucas recordações do São João na Lagoa do Congro, pois lá esteve uma vez quando tinha 7 ou 8 anos. Apenas se recorda de ter ido visitar “as lagoas como dizia mos alagoa grande e a pequenina” e de ver pessoas a tocar instrumentos musicais e a cantar.

Lurdes Andrade, de 71 anos de idade, num depoimento prestado numa rede social, escreveu que se lembrava de, quando tinha quatro ou cinco anos, ter ido de carroça com uma família da rua da Paz, no dia de São João, para a Lagoa do Congro e de ter visto fogueiras, pessoas a tocar viola e flauta e de haver bailes.

No livro de Eduardo Furtado, intitulado São João da Vila, é possível encontramos um conjunto de depoimentos, mais antigos que os mencionados acima, sobre a tradição de comemorar o 24 de junho nos terrenos adjacentes à Lagoa do Congro, com destaque para os do professor Eduardo Calisto Amaral, do professor José Cabral, do Dr. Eduardo Tavares de Melo e do senhor Manuel Soares Ferreira.

Dos depoimentos referidos, selecionamos dois extratos, que ilustram bem como era passado o dia na Lagoa do Congro:

 “No tapete verde junto das casas de veraneio do “senhor da Lagoa do Congro” - o saudoso Dr. Guilherme Poças Falcão, alma grande na Benemerência e que passou por este mundo a acudir a este e àquele- realizavam-se descantes e “balhos corridos” ao som de guitarras, de violas e de rabecas.” (Eduardo Tavares de Melo)

“…. Assim juntavam-se famílias que iam para a Lagoa do Congro, quando era ainda propriedade do Dr. Guilherme Poças Falcão. Toda essa zona era um relvado bem cuidado onde se organizavam balhos populares e onde as pessoas se divertiam de manhã à noite.
Os transportes eram os carros de bois, as carroças puxadas a machos e mais tarde a camioneta da carreira do Sr. António Damião de Medeiros que se chamava “Raquel”.
Havia também na Lagoa, junto às casas, uma barraca com o célebre vinho de cheiro, petiscos, cerveja, etc. do Sr. João de Amaral, dono da antiga casa Havaneza.” (José Cabral).

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32163, 24 de junho de 2020, p.15)

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Os animais, o ambiente e o ensino a distância




Os animais, o ambiente e o ensino a distância

No terceiro período, na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, alguns alunos de duas turmas do 7º ano de escolaridade, de uma escola secundária de São Miguel, escolheram como um dos domínios a abordar o bem-estar animal. Para o estudo do domínio em questão, cada aluno optou por um tema, fez uma pequena investigação e apresentou aos colegas os resultados das suas pesquisas.

A maioria, para além de abordar o conceito de bem-estar animal, limitou-se a investigar o que se passava com os animais domésticos, nomeadamente com cães e gatos, apresentando sempre as razões para o seu não abandono. Alguns também deram a conhecer associações de proteção dos animais, sendo a Cantinho dos Animais dos Açores
a única associação açoriana que conheciam.

Depois de “esgotado” o tema, o docente elaborou um questionário com o objetivo de ouvir a opinião dos alunos sobre vários aspetos relacionados com a proteção dos animais.

Abaixo, apresentam-se os principais resultados.

Sobre a importância da vida dos animais, a maioria dos alunos (84%) considerou que era tão valiosa como a dos humanos e para os restantes (16%) era bastante valiosa, mas não tanto como a dos humanos.

Para 89% dos alunos a companhia era o contributo mais valioso dos animais para a vida dos humanos, enquanto para 5,5% era o trabalho e para 5,5% a alimentação e produção de materiais.

A maioria dos alunos (95%) considerou que eram injustificáveis os maus tratos aos animais e um número reduzido (5%) achou que os mesmos se justificavam quando se tratava de os educar.

Enquanto o abandono de animais foi considerado injustificável para a maioria dos alunos (89%), para os restantes (11%) tal só se justificava quando os donos perdiam condições para os manter.

Sobre a utilização de animais em desportos, pouco mais da metade dos alunos (53%) achou que não deviam participar, um número mais reduzido (26%) achou que sim e os restantes (21%) respondeu que talvez pudessem ser usados.

Acerca da realização de touradas, argumentando que os animais se magoavam e sofriam e que era perigoso para as pessoas, a maioria dos alunos (89%) não concorda com a sua realização, enquanto os restantes (11%) acham que devem realizar-se pois é tradição e “mete a população contente e feliz”.

A maioria dos alunos (63%) também não concorda com a participação de animais selvagens em circos, pois não estão no seu habitat natural, porque sofrem e porque podem matar as pessoas.

Para celebrar a comemoração do Dia Mundial do Ambiente, 5 de junho, os alunos referidos também responderam a um questionário, onde, entre outras questões, lhes foi perguntado quais os principais problemas ambientais dos Açores, foi-lhes mostrado uma fotografia de um priolo para saber se eram capazes de identificar a ave e também foi-lhes pedido para que definissem o que era uma planta endémica.

Relativamente aos problemas ambientais dos Açores, os alunos referiram como principais a poluição do ar, da água, dos solos e a diminuição das espécies.

A maioria dos alunos (60%) identificou a ave como sendo o priolo, mas houve quem o confundisse com o corvo, o pardal ou com o milhafre. A grande maioria (94%) dos alunos conhecia o conceito de espécie endémica.

Sobre o ensino a distância, cerca de 30% dos alunos inscritos nas turmas não participaram nas aulas. Dos que participaram, a maioria considerou que conseguiu realizar com sucesso as tarefas e alguns apontaram aspetos positivos como o facto do aluno ter “que se tornar mais autónomo e esforçar-se” e como negativo o ser “extremamente cansativo…”. Outro aluno referiu que “a dificuldade foi mesmo fazer um exercício e não perceber uma pergunta e não ter um professor para explicar melhor”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32157, 17 de junho de 2020, p. 17)

sexta-feira, 12 de junho de 2020

A propósito do uso de herbicidas pelas autarquias


A propósito do uso de herbicidas pelas autarquias

Quando se interroga ou se solicita a uma autarquia, Câmara Municipal ou Junta de Freguesia, uma explicação para o (ab)uso  de herbicidas para combater as ervas daninhas, verifica-se o seguinte: não se dão ao trabalho de responder ou apresentam várias justificações para não abandonarem aquela prática.

Invariavelmente, em todas as respostas há normalmente um preâmbulo onde aquelas entidades, confessam abraçar as causas ambientais e mostram a sua profunda preocupação com a saúde dos habitantes, o que só mostra que uma coisa são as atitudes favoráveis ao ambiente e outra os comportamentos que contradizem aquelas. Bem prega Frei Tomás…

Um dos argumentos para a continuação do uso de herbicidas nos espaços públicos é, digo eu, o da imitação ou “carneirismo”. Com efeito, nas respostas diz-se que a maioria das autarquias os usam e que, no caso das Juntas de Freguesia, nos protocolos estabelecidos com as Câmaras Municipais para a manutenção dos espaços públicos não há nenhum ponto que proíba o seu uso.

As razões orçamentais, aliados à falta de pessoal, são outros dos argumentos mais avançados pelas autarquias.

No que diz respeito às Câmaras Municipais achamos que é desculpa de mau pagador, pois naquelas autarquias há dinheiro para mil e uma coisa, destacando para festas e festarolas. Quanto à contratação de mais pessoal, refiro que algumas delas mantêm ao seu serviço dezenas de trabalhadores ao abrigo dos mais diversos programas, pois é preferível mantê-los precários do que com um salário justo e devidamente formados. Será que a bondade de alguns autarcas só é possível manifestar-se através da manutenção de cidadãos, normalmente desinformados, de mão estendida à caridade?

No caso das Juntas de Freguesia, se é verdade que os orçamentos, em geral, são magros, não é menos verdade que também, por vezes, usam dinheiros públicos nem sempre de forma mais criteriosa. Se as verbas destinadas à manutenção dos espaços são insuficientes, por que razão as Juntas de Freguesia assinam os protocolos com as Câmaras Municipais? Se não há dinheiro suficiente, há que que procurar outras fontes de financiamento e uma delas, no limite, poderá ser abdicar dos abonos a que por lei têm direito. Conheço vários antigos autarcas, da ilha de São Miguel, que já o fizeram.

O tempo de uso de uma roçadora não é (muito) superior ao da pulverização de produtos químicos que para além de contaminarem o ambiente são um perigo para a saúde humana e de outros animais. Além do referido, importa mencionar que muitas vezes a não aplicação de herbicidas ou mesmo a não retirada de ervas ditas daninhas é a melhor opção pelas razões já apontadas e em defesa das abelhas, inseto extremamente útil pelo alimento que produz e pelo seu importante papel na polinização.

 O outro grande argumento a favor da continuação do uso de herbicidas é o de ser inofensivo o seu uso, apesar de diversos estudos evidenciarem um conjunto de problemas de saúde por eles provocados, como cancros e a doença de Parkinson e de serem responsáveis pela diminuição de algumas espécies de aves e de anfíbios.

Sobre a não perigosidade do uso dos herbicidas recordo que durante muitos anos a “comunidade científica” considerou que o DDT, um inseticida altamente eficiente, não tinha efeitos prejudiciais à saúde humana, tendo inclusive ridicularizado a bióloga norte-americana Rachel Carson que demonstrou o contrário.

Pelo que já por mais de um vez observámos e pelas denúncias que são colocadas nas redes sociais, as autarquias desrespeitam a lei que regula o uso de pesticidas em Portugal (Lei n.º 26/2013, de 11 de Abril, que transpõe a Diretiva 2009/128/CE), pois aquela aponta para que só haja aplicação de herbicidas quando não existam outras alternativas viáveis, nomeadamente meios de combate mecânicos e biológico.

Por último, para além do referido as situações mais denunciadas são o não uso de equipamento de proteção adequado por parte dos aplicadores e a não colocação de avisos à população nos locais de aplicação.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32153, 11 de junho de 2020, p. 6)

quarta-feira, 10 de junho de 2020

quarta-feira, 3 de junho de 2020

José Sebastião Ávila Júnior e a Revista Pedagógica (2)




José Sebastião Ávila Júnior e a Revista Pedagógica (2)

Neste texto, vamos dar continuidade ao anterior sobre o professor primário republicano e anticlerical José Sebastião Ávila Júnior.

Na terceira parte de um artigo sobre a Lei da Instrução Primária, publicada na Revista Pedagógica, nº 199, de 14 de dezembro de 1911, Ávila Júnior continua a manifestar a sua desilusão com o ministro António José de Almeida e com o seu decreto que, segundo ele, sendo bom no preâmbulo é mau no seu conteúdo.

A propósito daquele governante, que conheceu, e de outros afirmou: “…quando estão na oposição, quando precisam de número, quando desejam captar simpatias, falam, barafustam, anatematizam os colegas que não cumprem as promessas feitas, prometem mundos e fundos, mas - uma vez no poder- esquecem-se  também, ou fazem pouco, e , se fazem muito, é às avessas”.  Hoje, será muito diferente?

O professor Ávila Júnior achou desprimoroso, vexatório e deprimente a lei considerar como superiores hierárquicos um delegado camarário e dois delegados paroquiais. Segundo ele, tal medida nem a reacionária monarquia, na sua legislação escolar, admitia.

No número seguinte da Revista Pedagógica, Ávila Júnior volta à carga condenando a legislação que vimos referindo, desta vez por considerar que o professor primário foi humilhado por ficar “sob a deletéria ação direta do caciquismo”, pois a lei previa que a nomeação dos professores pelas Câmaras Municipais depois de ouvido o inspetor escolar.

No número 202, da Revista Pedagógica, Ávila Júnior denuncia o facto de ser negado aos professores primários os lugares previstos na lei para eles nas Escolas Normais Primárias. Além disso, no texto, o autor, depois de estranhar o facto de António José de Almeida ter colocado à frente alguns círculos escolares “indivíduos sem nenhuma competência, que, no tempo da radiosa, perseguiram cruelmente os professores que mais se salientavam na defesa e propaganda dos princípios democráticos e que – em plena República- os perseguem ainda com mais descaramento”, deu a conhecer  que estava a sofrer “perseguições e injustiças com a República” que nunca havia sofrido no regime monárquico.

No número 203 da Revista Pedagógica, publicada a 18 de janeiro de 1912, a colaboração de Ávila Júnior é dedicada à situação da mulher. Depois de voltar a referir a contradição entre o que defendia António José de Almeida antes e depois da implantação da República, Ávila Júnior lamentou que aquele governante, “que teve à sua conta a lei eleitoral, muito podia ter feito em benefício da mulher, dando-lhe- sem favor- no que respeita a direitos políticos, as mesmas regalias que não teve receio de conferir ao homem mais boçal…”

Para Ávila Júnior, António José de Almeida podia, na lei de instrução primária, contribuir para a emancipação feminina, introduzindo “o ensino coeducativo”, nas escolas primárias, tal como o fez nas escolas primárias superiores e normais primárias. Segundo ele “era mais lógico e mais prudente que assim tivesse sido, pois é durante a puerícia e ainda no primeiro período da adolescência que tal sistema deve ser utilizado a fim de, com segurança, produzir o resultado desejado nos períodos seguintes”.

A sua colaboração na Revista Pedagógica prosseguiu até que no nº 209, do ano de 1912, afirmou que alguns professores, nos quais se incluía, estavam a ser perseguidos pelo inspetor António Maria de Mendonça.

Apesar de tal facto ter sido comprovado por outros docentes, como o professor José Fernandes do Couto que considerou injusta a sua classificação, tendo afirmado, num depoimento publicado na Revista Pedagógica, de 25 de julho de 1912, o seguinte: “O sr. Inspetor, se fosse mais reto e justiceiro, se não olhasse unicamente a questões políticas  e a inimizades pessoais, teria classificado o seu serviço com mais justiça e probidade, no que cumpria apenas um dever”.

Como resultado do seu escrito, Ávila Júnior foi repreendido disciplinarmente, tendo de imediato pedido a sua exoneração.  Num texto não assinado (escrito por Maria Evelina de Sousa?), sobre o assunto pode-se ler: “Felicitando-o pela independência do seu gesto, inteiramente à altura do seu carácter, lamentamos que deixe de pertencer à classe do magistério de que era um dos mais prestigiosos ornamentos”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32146, 3 de junho de 2020, p. 14)