terça-feira, 23 de setembro de 2014

As festas, os animais e o ambiente

As festas e o respeito pelos animais e pelo ambiente


A presença da cabeça de uma cabra num cortejo realizado, no passado dia 1 de setembro, no âmbito das festas em honra da padroeira da freguesia da Lomba da Maia, Nossa Senhora do Rosário, suscitou protestos diversos numa conhecida rede social por razões diversas, entre as quais se destacam, o facto da mesma poder estar relacionada com a falta de respeito pelos animais que servem de alimento e por poder constituir um mau cartaz turístico para a ilha, já que uma parte significativa de quem nos visita é sensível à causa animal.
Quando vi, pela primeira vez, a fotografia em questão, também achei que a presença da cabeça da cabra, para além de em nada contribuir para enriquecer o quadro em que estava inserida, podia dar, a quem nos visita, sobretudo aos estrangeiros, uma imagem dos micaelenses como a de um povo bárbaro.
Infelizmente, pelo que tenho visto, quer presencialmente, quer em imagens que têm chegado à minha caixa de correio, estamos muito longe de sermos um povo civilizado. Com efeito, são cavalos famintos, ou amarrados com correntes a trespassar-lhes a carne, são cães e gatos abandonados por toda a parte, com destaque nos miradouros, são os canis de abate superlotados, são os cães enforcados, etc…
Pensávamos que com o aumento da escolaridade, com a transmissão de programas nos vários canis de televisão sobre animais, com a proibição de abate de animais, sem ser nos matadouros, a situação se alterasse e as barbaridades cometidas no passado deixariam de estar presentes nos nossos dias.
Estávamos redondamente enganados. Com efeito, o aumento da escolaridade não significa aumento de conhecimentos, pois uma parte cada vez maior dos alunos nem aproveitamento consegue no ensino regular, as escolas deixaram de ser locais de transmissão de saber e passaram, para muitos alunos, a locais de entretenimento. Na televisão os programas educativos são preteridos a favor de outros de qualidade mais do que duvidosa e as leis ficam-se muitas vezes pelo papel.
Como resultado de tudo isso, nas festas ou fora destas, nem pessoas nem animais são respeitados e poucos são os que se atrevem a denunciar o que está mal com medo de represálias.
O desrespeito pelos animais, como sabemos vem de longe e, pelo que tenho lido, eram aceites com toda a naturalidade noutros tempos.
Eram nas festas do Espírito Santo que mais animais eram mais sacrificados. Abaixo, apresento um relato de como eram mortos os gueixos, em 1937, nas Furnas: “ o animal, forçado a ajoelhar, recebe entre os chifres a pontilha do improvisado magarefe e logo novo e enorme golpe entre as patas dianteiras. Enquanto garotos montam sobre is quatros da rês para precipitar a hemorragia, outros acorrem com malgas, tigelões, alguidares e marmitas ao chafariz de sangue”.
Cerca de 50 anos depois, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, a situação era um pouco semelhante e o mais degradante era o facto de os animais por vezes serem abatidos por quem não tinha prática e não morrerem à primeira.
Hoje, penso que se aceita que o homem ao utilizar os animais na sua alimentação deverá “fazê-lo com gratidão e sem sadismo”.
Não vou ser exaustivo a descrever a sujidade com que os espaços são deixados após os arraiais, o que apenas vem provar que a mentalidade de atirar tudo para o chão ainda prevalece entre a maioria das pessoas.
Também não tenho dados sobre o fogo-de-artifício que é usado em cada festividade por mais pequena que seja. O que posso testemunhar é que este é atirado muitas vezes a horas impróprias para quem está a gozar o merecido repouso e que parece estar a aumentar, pelo menos o número de foguetes caídos no meu quintal este ano foi muito superior ao caído em anos anteriores.
Já agora quem tiver dados e quiser fazer contas, por cada mil foguetes de um determinado tipo lançado são espalhados pelos terrenos cerca 24 kg de plástico.
Por último, quero que fique claro que não estou a sugerir que se acabe de uma vez por todas com as roqueiras e muito menos que se crie mais uma taxa verde ou esverdeada para refrear alguns ânimos.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores 30446, 24 de Setembro de 2014, p.14)

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Criticando (?)


O Mensageiro, Setembro de 1985

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Herbicidas


O veneno é o melhor remédio?

Um dia destes, estava a passar numa determinada localidade do concelho da Ribeira Grande e deparo-me com duas pessoas com uma máquina às costas a aplicar um herbicida sobre ervas que cresciam numa rua.
A primeira constatação foi a de que tendo ouvido falar num conjunto de regras que os agricultores têm de cumprir, quer relativamente à compra, quer à aplicação de pesticidas, parece-me que as mesmas não são exigidas aos serviços oficiais, isto é Câmaras Municipais e no caso concreto Juntas de Freguesia.
No que toca à aplicação do produto, esquecendo a preparação a que não assisti, não vi quaisquer óculos, isto é não havia proteção aos olhos, não havia qualquer proteção ao nariz e à boca, não usavam luvas e estavam a trabalhar com a roupa que usam no dia-a-dia.
Fui indagar que produto era utilizado e cheguei à conclusão que felizmente não era o que foi denunciado recentemente pela Quercus e pela Plataforma Transgénicos Fora, o qual segundo aquelas organizações possui uma substância ativa o glifosato que “atua nos animais como desregulador hormonal e cancerígeno, em doses muito baixas, que podem ser absorvidas nos alimentos e na água de consumo, supostamente “potável”. Este herbicida tem ainda uma degradação suficientemente lenta para ser arrastado (pela água da chuva, da rega ou de lavagem, em conjunto com um resíduo também tóxico resultante da sua degradação), para a água, quer a superficial (rios, ribeiros, albufeiras e lagos), quer a subterrânea.”
De qualquer modo, embora não sendo o especificamente mencionado, o produto em questão também possui na sua composição o glifosato pelo que todo o cuidado deve ser pouco com o seu ab(uso).
No comunicado referido, aquelas organizações mencionam que se dirigiram a todos os presidentes de Câmaras Municipais “alertando para os riscos ambientais e de saúde, da aplicação de herbicidas em espaços urbanos, prática generalizada por todo o país”.
Não sei se quando se referiram todo o país, incluíram as regiões autónomas, muitas vezes esquecidas. Não conheço qualquer reação por parte das Câmaras Municipais, mas acho que a carta deveria chegar diretamente aos presidentes das Juntas de Freguesia, pois são eles que estão no terreno e são eles os principais responsáveis pelo cuidado das ruas e caminhos.
Mas, se não devem ser usados herbicidas, ou pelo menos alguns, pelos impactos na saúde e no ambiente, que alternativas existem?
Neste momento em que algumas autarquias têm à sua disposição muita mão-de-obra, o uso à monda manual não é de por de parte. Contudo, para quem ache que tal é voltar ao passado, as associações referidas sugeriram o recurso a diversos métodos com destaque para os seguintes: de abafamento, com interesse para jardins, mecânicos e térmicos.
Neste texto, vamos apenas referir os dois primeiros, apresentando as suas vantagens.
Sobre o primeiro método, no documento que vimos citando, podemos ler o seguinte: “O empalhamento consiste em colocar, no local onde se pretende o controlo das plantas infestantes, resíduos vegetais como relva cortada ou simplesmente deixar no local as plantas cortadas. Tem a vantagem de manter a humidade do solo. A plantação de plantas abafantes, de preferência de espécies autóctones, por exemplo em taludes, tem a vantagem de fixarem o solo evitando assim a erosão através de ravinamento”.
Sobre os métodos mecânicos, o texto refere que têm“ já uma expressão considerável no controlo de plantas infestantes em particular nas bermas e taludes ao longo das estradas e, em nossa opinião, deveriam ser mais aplicados em espaços urbanos e outros espaços públicos, em detrimento do uso de herbicidas. Estes métodos originam a produção de grande quantidade de biomassa e, como tal, um recurso com potencial para produção de composto em unidades de pequena escala, por exemplo à escala municipal, que permitem ainda aproveitar outras fontes de matéria orgânica como resíduos verdes dos jardins públicos”.
Em síntese, há alternativas ao uso de herbicidas, falta apenas acabar com as más “tradições” e vontade política para aplicá-las.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores nº 30434, de 10 de Setembro de 2014)

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

A proteção dos animais em 1938


A proteção dos animais em 1938

Para a elaboração deste texto recorri apenas ao jornal Correio dos Açores que pesquisei com o objetivo de conhecer melhor o labor de Alice Moderno em defesa dos animais.
Para além de textos de temática diversa, em 1938, Alice Moderno publicou, no Correio dos Açores, onze “Notas Zoófilas”, nas quais foram abordados, entre outros, os seguintes temas: o reconhecimento a cidadãos amigos dos animais, como os senhores António de Sousa Manteiga, Manuel Albano Botelho e José Caetano de Sousa; o elogio às qualidades de cães e gatos; o tratamento de animais nos Zoos em vários países; os gatos na literatura; a assistência veterinária aos animais e outros animais de companhia.
No mês de Maio, numa pequena nota, o Correio dos Açores dá a conhecer que na montra do estabelecimento comercial do sr. Manuel Machado Botelho, secretário da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, encontram-se em exposição “dezenas de aguilhões, arma com que os condutores de carroças costumam estimular o zelo dos infelizes quadrúpedes que lhes granjeiam arduamente o pão nosso de cada dia, e recebem em recompensa magras rações e abundantes maus tratos”. Os mencionados aguilhões eram por ele “apreendidos aos selvagens carroceiros” durante as suas várias e contínuas digressões no campo”.
Também em Maio, o jornal divulgou um texto, possivelmente de Alice Moderno, onde é denunciado o envenenamento de um cão nas Furnas, “que foi sair a estrebuchar em frente ao Hotel Terra Nostra!”, chamando a atenção para o ato de crueldade e para “ as consequências que pode ter para o futuro turístico” de São Miguel.
No mês de Junho do ano mencionado, o senhor Martim Faria e Maia, da Lagoa, publicou “uma nota zoófila interessante”, onde relatou o caso de uma cadela sua “A Francesa” que amamentou dois gatinhos, um dos quais passou a ser “seu inseparável companheiro”.
A história da “Francesa” acaba com a sua morte por velhice e doença. Segundo Martim Faria e Maia, após o ocorrido, “o gato miou durante dias à procura da mãe adotiva e quinze dias passados morreu também.
Ainda, em Junho, o jornal divulgou que em resultado das queixas apresentadas às autoridades pela SMPA:
- um indivíduo das Calhetas que maltratou um cão foi remetido para a cadeia da Comarca da Ribeira Grande;
- havia sido preso um cidadão dos Fenai da Luz que atirou uma cabra do alto de uma rocha;
- estava a decorrer uma investigação para apurar quem, na Bretanha, havia cortado a cauda a três novilhos.
No mesmo texto é divulgada a colaboração entre o Posto Zootécnico e a SMPA – Sociedade Micaelense Protetora dos Animais. Assim, a SMPA havia fornecido ao referido posto, para tratamento de animais, vomitivos, clorofórmio e algodão.
No mês de Setembro, o jornal volta a referir-se ao assunto dos animais de tiro, vítimas das aguilhadas, elogiando o senhor José de Medeiros Mota, residente no Ramalho, que por ser “alto e de empenado, consegue submetê-los e corta-lhes a extremidade da aguilhada, que é, como quem diz, do instrumento de tortura”.
No mesmo mês, a propósito do envenenamento de peixes do tanque do Campo de São Francisco, a Sociedade Protetora dos Animais de Lisboa mandou dois ofícios, um dirigido ao Governador Civil e o outro à Presidente da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais.
No ofício dirigido à SMPA, transcrito na íntegra pelo Correio dos Açores, a dado passo, pode ler-se:
“Há muito terreno inculto a desbravar e muita consciência a imbuir nas máximas divinas de Cristo. E é para isso que trabalhamos – nós, os zoofilistas – sem descanso sem um momento de fadiga, para que Portugal possa ser visto e encarado lá fora como Nação próspera e grandiosa sob o ponto de vista humanitário”.
O leitor faça um paralelo entre a situação atual e a de 1938 e tire a suas conclusões.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 30428, 3 de Setembro de 2014, p.14)