terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Alguns apontamentos sobre Vygotski



Alguns apontamentos sobre Vygotski

Por pensar que é muito reduzido o número de leitores do Correio dos Açores que já ouviu falar em Vygotski decidi dar a conhecer um pouco da sua vida e a sua influência no mundo atual, nomeadamente na área do ensino.

Lev Semenovitch Vygotski nasceu em Orsha, na Bielorrússia, a 17 de novembro de 1896, e faleceu muito novo, com 37 anos, vítima de tuberculose, em Moscovo, a 11 de junho de 1934.

Na sua breve passagem por este mundo, Vygotski dedicou-se a várias áreas do saber, tendo estudado direito e filologia, ensinado literatura, fundado a revista literária “Verask” e lecionado Psicologia e Pedagogia.

Tal como aconteceu com outros cientistas, com a ascensão de Estaline ao poder na então União Sovietica, o trabalho de Vygotski não foi respeitado, tendo-se chegado ao cúmulo, segundo Geraldo Magela Machado, do Partido Comunista ter, dois anos após a sua morte, proibido “todos os testes psicológicos na União Soviética e todas as revistas de Psicologia deixaram de ser publicadas durante 20 anos”.

No livro “Estaline e os Cientistas”, que foi publicado em Portugal em abril de 2017, o seu autor Simon Ings apresenta vários casos de cientistas cuja carreira foi perturbada ou que foram assassinados por não se submeterem à “ciência oficial”.

Dos vários cientistas referidos, alguns dos quais e apesar das condições existentes contribuíram para o avanço de várias áreas da ciência, consta o nome de Vigotski que esteve ligado a vários projetos, entre os quais o de um infantário que foi fundado pela psicóloga Vera Shmidt (1889-1937).

O Infantário Branco adotou o pensamento de Jean Piaget e apresentava semelhanças com a Escola de Summerhill, criada, na Inglaterra, em 1921, por A.S. Neill e que defendia que a criança devia “ter liberdade para escolher e decidir o que aprender e, com base nisso, desenvolver-se no próprio ritmo”.

Mas, os mentores do infantário não se ficaram pelas ideias de Piaget que começavam a ser difundidas em todo o mundo. Com efeito, acreditavam que as crianças dependiam da companhia das outras para desenvolver a sua linguagem e as suas aptidões, cabendo “aos psicólogos e aos professores socialistas descobrir qual o ambiente que produzia as personalidades mais saudáveis e mais felizes”.

Infelizmente, este infantário que segundo o autor que vimos citando “foi o mais célebre de toda uma série de experiências sociais bolcheviques, concebidas para derrubar séculos de encarceramento, de arregimentação e de punição, e substituí-los por formas racionais, científicas e humanas de engenharia social” fechou as portas, alegadamente por falta de fundos, dois anos após a sua abertura.

Apesar de Vygotski já ter morrido há mais de 80 anos, a sua obra continua a ser uma referência em todo o mundo e tem influenciado os movimentos pedagógicos contemporâneos, como o português Movimento da Escola Moderna.

No que diz respeito à influência de Vygotski no Movimento da Escola Moderna, Sérgio Niza, que é a principal referência daquele movimento pedagógico português, em entrevista à revista Noésis, de janeiro-março de 1997, disse o seguinte: “…ensinou-nos, por exemplo, que os alunos aprendem sobretudo no convívio cultural com os adultos e com os pares. O que quer dizer que não se aprende principalmente com as lições formais. O próprio Vygotski, numa espécie de parábola, acaba por concluir que o papel mais importante do professor é o da organização social das aprendizagens. Não é o da função ensinante.”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31465, 28 de fevereiro de 2018, p. 17)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Alguns marcos históricos da educação ambiental e da defesa do ambiente (3)


Alguns marcos históricos da educação ambiental e da defesa do ambiente (3)

Hoje, damos seguimento ao texto publicado no passado dia 31 de janeiro, com a apresentação de alguns marcos importantes relacionadas com a defesa do ambiente e a educação ambiental que ocorreram entre 1951 e 1971.

Em 1951, o brasileiro Josué de Castro (1908-1973) publica o livro “Geopolítica da Fome”. Neste livro o autor reafirma, tal como já havia escrito, para o Brasil, em “Geografia da Fome”, que a fome mundial não resulta da escassez de alimentos mas da sua má distribuição.

Também em 1951, depois dos crimes das bombas atómicas lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, os EUA iniciaram o seu programa de testes nuclares. Apesar dos esforços para acabar com as armas nuclares, entre 1945 e 1962, ocoreram 423 detonações nucleares, da responsabilidade dos EUA (271), da URSS (124), da Inglaterra (23) e da França (5).

Em 1952, o filósofo, teólogo e médico Albert Schweitzer (1875-1965), que popularizou a Ética Ambiental, recebe o Prémio Nobel da Paz. Numa conferência proferida, em Paris, naquele ano afirmou: “Uma ética que nos obrigue somente a preocupar-nos com os homens e a sociedade não pode ter esta significação. Somente aquela que é universal e nos obriga a cuidar de todos os seres nos põe de verdade em contato com o Universo e a vontade nele manifestada."

Em 1955, o físico Albert Einstein (1879-1955) e o matemático e filósofo Bertrand Russel (1872-1970) lançaram um manifesto, apelando ao fim das armas nucleares.

Em 1961, foi fundado o WWF- “World Wildlife Fund, hoje “World Wide Fund For Nature” (ou Fundo Mundial para a Natureza). Com sede na Suíça, o WWF desenvolve atividades em mais de 100 países com o objetivo de travar a degradação ambiental e construir um futuro em que o homem viva em harmonia com a natureza.

Em 1962, a bióloga marinha Rachael Carson publica o livro “A Primavera Silenciosa” (“Silent Spring”), onde alerta para o perigo que os pesticidas e os métodos agrícolas industriais apresentam para a saúde e para o ambiente. Embora o livro não tenha sido bem aceite por toda a sociedade, como por alguns altos funcionários e algumas indústrias químicas que participaram numa vil campanha de difamação da autora, segundo Edward O. Wilson, conhecido biólogo americano, “aplicou um choque galvânico na consciência pública e, como resultado, infundiu ao movimento ambientalista uma nova substância e significado”.

Em 1963 é fundada, na ilha Terceira, a Sociedade de Exploração Espeleológica “Os Montanheiros” que embora pelo tipo de atividades que sempre desenvolveu seja mais uma associação de carácter recreativo e desportivo, ao longo dos tempos tem implementado ações relacionadas com o estudo e a conservação das cavidades vulcânicas dos Açores, com maior incidência na ilha Terceira.

Em 1968 foi criado o Clube de Roma por iniciativa do industrial italiano Aurélio Peccei. O Clube, constituído por pessoas que ocupam posições de relevo em grandes empresas privadas ou organismos internacionais ao longo da sua existência elaborou vários relatórios sobre a situação do planeta Terra. No mesmo ano na 23ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas foi convocada de uma conferência mundial sobre problemas do Ambiente que se realizou em 1972.

Em 1969, surge, em São Francisco, nos Estados Unidos da América, a organização “Friends of the Earth”, ainda hoje uma das maiores associações ambientalistas a nível mundial. Nos primeiros anos após a sua constituição os Amigos dos Açores fizeram parte daquela rede mundial.

Em 1970 surge no Canadá, a mais conhecida organização ambientalista a nível internacional, o “Greenpeace” e nos EUA a 22 de abril é celebrado pela primeira vez o Dia da Terra. A nível nacional foi promulgada a lei básica que serviu para a para a criação de Parques Nacionais e outros tipos de reservas (Lei 9/70) e na ilha de Santa Maria foi publicado o primeiro boletim do Centro de Jovens Naturalistas de Santa Maria, organização criada pelo senhor Dalberto Pombo.

Em 1971 foi criado pela UNESCO o Programa sobre o Ser Humano e a Biosfera e a nível nacional foi criada a Comissão Nacional do Ambiente.

(continua)

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31459, 21 de fevereiro de 2018, p. 17)

sábado, 17 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Ratos, uma praga sem fim alimentada pelo desleixo


Ratos, uma praga sem fim alimentada pelo desleixo


Em 1991, o engenheiro Luís Monteiro, no texto de uma comunicação intitulada “As ilhas, a fauna e o turismo”, apresentada no 2º Encontro de Ambiente, Turismo e Cultura, escreveu que a fauna mamológica dos Açores era muito pobre, sendo constituída essencialmente por “elementos introduzidos acidental ou intencionalmente pelo homem”. Relativamente às espécies introduzidas, são referidas as seguintes: “o ourico-cacheiro (Erinaceus europaeus), o ratinho (Mus musculus), a ratazana castanha (Rattus norvegicus) e a ratazana (Rattus rattus), o coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus), introduzido possivelmente ao mesmo tempo que os primeiros colonos, a doninha (Mustela nívalis) e o furão (Mustela furo)”.

A presença de ratos na ilha de São Miguel é muito antiga, tendo o cronista Gaspar Frutuoso a eles feito referência, nas Saudades da Terra, nos seguintes termos: “…Estes cágados se criariam bem nesta terra por esta experiência que se achou, como se criam doninhas e infinidade de ratos”.

Num texto publicado no jornal “A Ilha”, no dia 13 de outubro de 1956, o Dr. Carreiro da Costa menciona que o coronel Afonso Chaves mencionava a existência de três espécies de ratos, o das quintas, o murganho e o comum das casas. Os dois primeiros teriam chegado através dos navios que cá aportavam desde o povoamento e a última espécie terá sido introduzida em São Miguel através de um navio russo que naufragou há cerca de cem anos.

Sobre os prejuízos causados pelos ratos, podemos ler na Persuasão, de 4 de setembro de 1895, que depois do combate, contestado na altura por Tomaz Hickling e pelo padre João José d’Amaral, às aves, a grande praga dos campos eram os ratos. No texto referido, podemos ler o seguinte: “Todos os municípios deviam proceder para extingui-los como se fazia com os pássaros. A Câmara da lagoa já deu o louvável exemplo que nenhuma outra seguiu. E todavia a destruição por aqueles roedores é de extraordinárias proporções, e cada vez aumenta mais.”

No início do século XX, a praga dos ratos causava enormes danos, de tal modo que o jornal “O autonómico”, de Vila Franca do Campo, de 12 de março de 1910, escreveu que “não descansavam as mãos na distribuição de venenos por toda a face da terra micaelense e as ratoeiras chegaram a ser poucas para extirparem um inimigo, um pesadelo, que nem mesmo a dormir nos deixava tranquilos”. No mesmo texto, o autor noticia a criação, em Ponta Delgada, da Sociedade Exterminadora de Ratos que num relatório deu a conhecer que “foram mortos n’este distrito 125 447 roedores, sendo 86936 morganhos e 38 511 ratos das espécies grandes”.

Dois anos depois, através do jornal República fica-se a saber que o problema continuava., de modo que a Sociedade Exterminadora de Ratos, através do seu presidente Dr. Jayme Tavares Netto, solicitou à Junta Geral auxílio para uma campanha de desratização, tendo solicitado para tal uma verba de 1 200 000 reis.

Em 1972, Dinis da Silva, escreveu dois textos no Correio dos Açores, alertando para o facto de, depois de um período em que as autoridades atuavam convenientemente, o silêncio e inação da Junta Geral perante o problemas da proliferação dos ratos na ilha de São Miguel era tal que “de então para cá, a ratazana em paz e em campo livre, tem aumentando perigosamente e, de novo começaram a atacar os milharais, destroçando-os na terra e, depois, em todos os lugares onde se guardam os milhos mas sem segurança de espécie alguma”.

Algumas décadas depois a situação pouco se terá alterado como demonstra um artigo “Contribuição para o estudo integrado da Leptospirose humana e animal na Ilha de São Miguel”, da autoria de Mariano Pacheco, Clara Paiva, Margarida Collares Pereira, Maria Luísa Vieira e Francisco Melo Mota. Com efeito nos Açores as taxas brutas de incidência anual de leptospirose, entre 1991 e 1997, eram maiores do que nas outras regiões do país, o mesmo acontecendo com as taxas brutas de mortalidade média anual entre 1991 e 1996. Como razões prováveis, para além das condições ambientais favoráveis o documento referido aponta “uma importante densidade de roedores”.

No final do ano passado várias pessoas, sobretudo ligadas à criação de gado, “apanharam” leptospirose, a qual poderá estar associada ao aumento da densidade de ratos, devido ao excesso de alimentação dos mesmos causado por más práticas ligadas à agricultura/pecuária, à proliferação, sem as mínimas condições, de viteleiros ilegais e ao abrandamento do combate por parte de quem de direito.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31455 de 16 de fevereiro de 2018, p. 12)

Fotografia de José de Melo publicada aqui:

http://natur-mariense.blogspot.pt/2013/03/conheca-um-rattus-norvegicus-o-maior.html

Um perigoso leitor de jornais


Um perigoso leitor de jornais

Ontem, 14 de fevereiro, pela primeira vez, depois de ter lido “os Subterrâneos da Liberdade”, de Jorge Amado, li o romance “Um perigoso leitor de jornais”, de Carlos Tomé, de um só folego, isto é, li-o numa tarde, sem fazer qualquer pausa.

Embora se trate de um romance, o livro de Carlos Tomé, editado pela Artes e Letras, de Ponta Delgada, relata a vida durante a ditadura do Estado Novo, liderada pelo sinistro António de Oliveira Salazar e implementada pelos seus capangas em todo o país.

Carlos Tomé, no seu muito bem conseguido escrito relata a vida humilde de um seu familiar, dá a conhecer a inexistência de liberdade de expressão, o medo em que se vivia, a prepotência da polícia política, a parcialidade dos tribunais, a arbitrariedade dos chefes e do pessoal menor nas prisões políticas e a malvadez do regime que também castigava injustamente as crianças inocentes, filhas dos prisioneiros.

Não querendo desvendar a história, apenas menciono que no romance há a referência a um vila-franquense que foi preso por ter feito “a apologia das democracias, mostrando-se desafeto à Situação Política Actual” e por ter “feito intercâmbio de jornais de doutrina subversiva”.

Recomenda-se a leitura.

15 de fevereiro de 2018
Teófilo Braga

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Briant Barrett e os Animais nos Açores


Briant Barrett e os Animais nos Açores

Briant Barrett foi um inglês, que visitou os Açores, entre 1812 e 1814, autor de um manuscrito que se encontra na Biblioteca Pública de Ponta Delgada e que terá chegado aos Açores pela mão de Rainer Daehnhardt, historiador e colecionador luso-alemão, que foi proprietário da Livraria Nove Estrelas, em Ponta Delgada.

Alertado pelo Dr. George Hayes, um dos tradutores do manuscrito, por diversas vezes o consultei à procura do que o autor havia escrito sobre o tratamento dado aos animais no período em que esteve de visita aos Açores. Na altura, a pedido de diversas pessoas, não tornei público o resultado das minhas pesquisas, pois estava para breve a publicação de todo o manuscrito pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada, o que não veio a acontecer. Com efeito, foi a editora Letras Lavadas a responsável pela edição, recente, do manuscrito referido com o título “Relato da minha viagem aos Açores 1812-1814”, com uma nota prévia de Manuela Vaz de Medeiros e o prefácio de Susana Serpa Silva.

Sobre o modo como eram tratados os animais, o autor relata as barbaridades que viu nas festas de São João, na ilha Terceira, o que prova que na tradição, felizmente, nem tudo perdura e que há tradições que, por inumanas, deveriam fazer parte do caixote do lixo da história.

Segundo Briant Barret durante os festejos “os principais nobres da ilha exibem grupos de danças, equitação e touradas, ou melhor, atormentam uma quantidade de gado infeliz, utilizando dardos, espetos e cães da mesma raça do nosso bull.dog ingês”.

Mas, não se pense que eram só os bovinos que eram importunados, Briant Barrett relata também outras malvadezes, como quebrar com uma espada vasos de barro que continham no seu interior gatos, coelhos pombas ou galinhas.

Para culminar as atrocidades, Barrett deixa para a posterioridade o seguinte texto: “As proezas de equitação terminavam com a exposição de um infeliz pato, pendurado pelas pernas, atingido, também, com uma espada, em pleno galope.”

Não pelas atrocidades descritas, mas pelo todo, recomenda-se a leitura do livro de Briant Barret, felicitando todos os que tornaram possível a sua edição.

Teófilo Braga
14 de feveriro de 2018




terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Contra a caça


Nova lei que regula a caça nos Açores de costas voltadas para a conservação da natureza e o desenvolvimento do turismo

Como cidadãos açorianos e também como ambientalistas queremos manifestar o nosso pesar pela aprovação na Assembleia Regional da nova lei que regula o exercício da caça nos Açores. Com ela perdeu-se mais uma oportunidade de colocar a defesa da natureza e o interesse geral de todos os açorianos por cima dos interesses particulares duma minoria elitista de caçadores, pouco representativa do conjunto dos caçadores açorianos, que pretende converter a natureza e o território da região num parque temático para a prática de determinados tipos de caça.

Com a finalidade de apoiar esses interesses, o governo regional, o proponente da nova lei, perdeu-se tecendo toda uma série de argumentos contraditórios e sem sentido. Num primeiro momento, por exemplo, considerou que o coelho-bravo é uma praga que causa danos na agricultura e que o exercício da caça é fundamental para poder controlar as suas populações. Mas depois, noutro momento, considerou que não se pode proibir a caça das aves nativas açorianas, aquelas que precisam de protecção, porque isso aumentaria a pressão cinegética sobre as outras espécies, isto é, sobre os tais coelhos que são uma praga.

Mas ainda, noutro momento, considerou que não há estudos que demonstrem que os coelhos sejam uma praga. E isto apesar de esta espécie estar incluída entre as 100 piores espécies exóticas invasoras a nível mundial e também a nível da Macaronésia, e apesar dos estudos, realizados por exemplo nas Canárias, que demonstram o seu forte impacto na flora nativa das ilhas oceânicas.

Durante o debate da lei na Assembleia Regional infelizmente não foi retirada nenhuma ave nativa da lista de espécies cinegéticas, tal como seria lógico fazer a partir dos diferentes argumentos científicos apresentados pelas associações conservacionistas. Pior ainda, foi acrescentada uma nova espécie à lista, a narceja-americana, o que parece claramente ilegal considerando que contraria o Decreto Legislativo Regional (15/2012) da Conservação da Natureza e da Protecção da Biodiversidade.

Desta forma, não foram retiradas da lista espécies como a narceja, que possui apenas cerca de 300-400 casais reprodutores nos Açores, mas por exemplo apenas uma dezena de casais na ilha de São Miguel, muitíssimos menos casais que por exemplo o priôlo. Não foram retiradas da lista espécies como o pato-real e a marrequinha, espécies migratórias das quais já existiram no passado registos de reprodução na nossa região. E não foram retiradas da lista espécies como as perdizes, espécies exóticas cuja introdução na nossa região também seria ilegal, e certamente disparatada quando se pretende que seja realizada por uma entidade pública como o governo regional.

A nova lei regional continua a permitir o exercício da caça nas zonas húmidas e nas proximidades dos trilhos pedestres, em grave confronto com o desenvolvimento do turismo na nossa região, nomeadamente o de observação de aves. O direito dos proprietários à “não caça” nos seus terrenos fica reduzido à decisão e boa vontade do governo. E também nada é feito para impedir a utilização na caça de espécies exóticas invasoras ou para reduzir os maus-tratos aos animais.

Claro que ainda pior foi a intervenção na Assembleia Regional de outros partidos como PSD e CDS, reclamando a caça de espécies ameaçadas como os pombos-torcazes, o aumento das populações de coelhos ou a introdução de mais espécies exóticas. Também foi bastante negativa a ideia recorrente em todo o debate, sem a mínima base científica, de que os animais selvagens precisam de ser caçados para manter reguladas as suas populações, como se a regulação natural das espécies e dos ecossistemas precisasse das espingardas dos caçadores.

Esperamos que no futuro, com governantes e representantes políticos mais iluminados, o bom senso acabe finalmente por se impor na lei. Esperamos que a conservação da natureza passe a ser finalmente uma realidade e uma prioridade política, honrando o que é de facto um direito e um dever constitucional de todos os cidadãos açorianos.


Assinantes:

Avifauna dos Açores
Amigos dos Açores – Associação Ecológica
Coletivo Açoriano de Ecologia Social (CAES)
Ambiflores – Associação de Defesa do Ambiente da Ilha das Flores
Vegaçores - Associação Vegana dos Açores


Alexandra Manes
Ana Cesário
Ana Nogueira Loura
Ana Sofia Ferreira
Carlos Ricardo
Carmo Barreto
Cristina D’Eça Leal Soares Vieira
Dário Rosa
David M. Santos
Diogo Caetano
Elsa Ferreira
Fabio Jorge da Silva Couto
Gabriela Mota Vieira
George Hayes
Hélder Correia
Helena Melo Medeiros
Jessica Pacheco
João Pacheco
Joël Bried
Jordana Vasconcelos
Jorge Ávila de Lima
José Manuel N. Azevedo
Lúcia Ventura
Luís Estrela
Luís Silva
Luís Viveiros
Maria Adelaide Oliveira
Maria Antónia T. de Fraga
Maria Anunciação Mateus Ventura
Maria Cristina de Sousa Tavares
Maria Helena Câmara
Maria Inês de Vargas
Maria José Aurélio
Maria Miranda Teixeira
Marlene Raposo Dâmaso
Nélia Melo
Paulo Monteiro
Rita P.P. Bernardino
Rui Soares Alcântara
Sérgio Rego
Teófilo Braga
Vera Correia


Comunicado:
http://avifaunadosacores.blogspot.pt/2018/01/nova-lei-que-regula-caca-nos-acores-de.html

A Educação Integral de Bakunine


A Educação Integral de Bakunine

“Para ser perfeita, a educação deveria ser muito mais individualizada do que é hoje, individualizada no sentido da liberdade e unicamente pelo respeito à liberdade, mesmo entre as crianças” (Bakunine, 1869)

Nas minhas leituras sobre as questões do ensino deparei-me com um autor que nunca havia lido, o russo Mikhail Bakunine (1814-1876), e com o livro “Educação, Ciência e Revolução”, editado no Brasil, em 2016, pela Intermezzo Editorial, que reúne seis ensaios, entre os quais figura “A Instrução Integral”, no qual o autor apresenta as suas ideias sobre a educação.

Antes de me referir ao pensamento de Bakunine sobre a educação, refiro que o mesmo, de ascendência nobre, foi um anarquista que depois de passar pelo exército e estudar filosofia esteve envolvido em diversos movimentos revoltosos, tendo sido preso várias vezes e condenado à morte por duas vezes.

Bakunine reconhecia a importância da educação na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, por isso defendia que as massas operárias só podiam emancipar-se completamente se recebessem uma instrução que não fosse inferior à recebida pelos burgueses.

Apesar desta preocupação, a educação não era tarefa prioritária para Bakunine. Com efeito, segundo ele, a questão que deveria ser solucionada em primeiro lugar era a da “emancipação económica, que engendra necessariamente, logo e ao mesmo tempo, a sua emancipação política, e logo a seguir a sua emancipação intelectual e moral”. Numa outra passagem do texto “A instrução integral” que vimos citando o autor explica melhor o seu ponto de vista:

“Para que os homens sejam morais, isto é, homens completos no pleno sentido desse termo, são necessárias três coisas: um nascimento higiénico, uma instrução racional e integral acompanhada de uma educação fundada no respeito pelo trabalho, pela razão, pela igualdade e pela liberdade, e um meio social onde cada indivíduo humano, desfrutando de sua plena liberdade, seria realmente, de direito e de facto, igual a todos os outros.”

No que diz respeito à educação, Bakunine defendia que devia ser igual para ambos os sexos e constituida por uma componente teórica e uma prática. Para além do referido, também devia existir “o ensino prático, ou melhor, uma série sucessiva de experiências da moral, não divina, mas humana”. Segundo ele, a moral humana “não se funda senão no desprezo pela autoridade e no respeito à liberdade e à humanidade” e “só concede direitos àqueles que vivem de seu trabalho. Ela reconhece que só pelo trabalho o homem torna-se homem”.

Sobre os professores, que deviam ser os principais agentes das mudanças para uma sociedade nova que todos dizem pretender, em 1871, Bakunine escreveu o seguinte:

“Os professores da escola moderna, divinamente inspirados e titulados pelo Estado, tornar-se-ão necessariamente, uns sem sabê-lo, outros em pleno conhecimento de causa, os mestres da doutrina do sacrifício popular para o poder do Estado e para o benefício das classes privilegiadas.”


Hoje, sabemos que, quando os entraves não vêm de cima, as dificuldades postas às inovações, são colocadas pelos docentes que, por desmotivação, algumas vezes justificadas, ou por inércia, não se empenham ou deturpam as diretivas que deviam aplicar. Como exemplo, já quase esquecido, recordo a introdução da área escola e da área de projeto, que acabaram por ser um tremendo fracasso. Mais recente é a atual implementação do projeto de autonomia e flexibilidade curricular que segundo me dizem está a correr muito bem, mas apenas no papel.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31448, 7 de fevereiro de 2018, p. 17)