domingo, 31 de dezembro de 2023

Agradecimento

Agradecimento Junta de Freguesia do Pico da Pedra pela colaboração numa exposição sobre o 25 de Abril, maio 1984

sábado, 30 de dezembro de 2023

A galinha e os pintos do Jorge


A galinha e os pintos do Jorge

Num ano que não posso indicar com precisão, um conhecido professor do Externato de Vila Franca, que possuía uma quinta, numa das suas aulas, perguntou aos alunos se conheciam alguém que possuísse uma galinha choca, pois queria chocar ovos para colocar os pintos na sua propriedade.

O Jorge, esforçou-se por satisfazer o desejo do professor e foi um pouco mais longe, tendo feito com que os pais oferecessem uma galinha já com quase uma dezena de pintos.

O ano foi-se passando e as notas do Jorge já não foram boas no segundo período de tal modo que, juntando à sua fé o facto de suavizar o castigo, decidiu ir naquele ano na romaria quaresmal.

Ao receber as notas, já no final do terceiro período, verificou que tinha apanhado negativa na disciplina do professor presenteado.

Ao encontrar um colega alguns dias depois exclamou: “Nem com uma galinha com pintos consegui positiva!”

31 de dezembro de 2023

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Entra Asno


Entra Asno

As personagens desta história são um professor de francês, muito conhecido, apreciador de jardins e de culinária, um aluno desportista que sabia as capitais dos países da Europa, decorando-as através do relacionamento que fazia com os nomes dos seus clubes de futebol e o burro do moleiro José Cabral, que possuía a moagem localizada na Rua do Jogo na Ribeira Seca e percorria algumas ruas da Vila a recolher o milho e a devolver a farinha aos seus clientes.

Estávamos todos em silêncio, naquele tempo não havia a liberdade, por vezes libertinagem, que há hoje, numa aula de Francês, quando o professor puxa de um lenço de tamanho avantajado e escarra para o mesmo. Ao mesmo tempo, o burro do moleiro já referido estava a passar pela Rua Gonçalo Velho, mesmo por baixo da sala de aula, e começou a zurrar.

O José Augusto, quebra o silêncio e exclama em voz bastante audível: “Entra asno”.

O professor, pensando que era consigo, levanta-se, puxa as calças para cima e grita: “que falta de respeito”.

Seguiu-se uma verdadeira gincana que foi ganha pelo José Augusto, pois o professor pela idade que já tinha e pela dificuldade oferecida pelo vestuário não conseguia saltar as carteiras que constituíam um obstáculo ao movimento dos dois.

29 de dezembro de 2023

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

O Irró


O Irró do Manuel Baia

Ao Carlos Moniz

Todos os vila-franquenses conhecem a festa do Irró que se celebra anualmente a seguir à Páscoa. É a festa dos homens do mar de Vila Franca do Campo que veneram São Pedro Gonçalves.

Em data que não posso precisar, mas no final da década de 60 ou início da de 70 do século passado, frequentávamos o Externato de Vila Franca do Campo, e tínhamos aulas numa sala situada na cave do edifício.

Naquele tempo eram mais os dias “santos” e por vezes acontecia que algumas celebrações ocorriam em dia de trabalho.

Num determinado dia, estávamos em aulas e sabíamos que ia passar a procissão do Irró. Assim, alguns alunos decidiram ver a procissão antes de irem para a aula de História, ministrada pelo padre Manuel Rei.

Estava dentro da sala com o professor e com alguns colegas quando, um bocado atrasado chega à sala o Carlos do C. a cantar:

Irró de Santo Irró

O Manuel Baia….

O Padre levanta-se, vai ao quadro, tira o compasso, para quem desconhece é um instrumento de desenho que faz arcos de circunferência, onde numa ponta coloca-se o giz e a outra é pontiaguda, feita de metal, e atira-o em direção ao aluno.

Felizmente o compasso não atingiu o Carlos, tendo ficado enfiado na porta de madeira da sala a vibrar.

Se há alguma ficção no texto é porque a memória já não é o que era.

28 de dezembro de 2023
T.B.

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Rícino


Rícino

Quando observo uma planta de rícino sou transportado para a minha infância, mais propriamente para o ano em que frequentava a escola primária da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, quando alguns alunos ao observarem as sementes do rícino que existia no recreio da escola decidiram comê-las, dizendo que eram feijões. Recordo que muitos deles se sentiram mal e que tiveram de ser assistidos no Hospital da Santa Casa da Misericórdia da Vila. Eu que não havia ingerido nenhuma fui alvo, em casa, de um interrogatório quase pidesco, por parte da minha mãe que queria confirmar se havia ou não provado “o fruto proibido”.

Durante muito tempo, pensei que aquela planta “venenosa” não tinha qualquer utilidade, até que já adulto comecei a interessar-me pelos livros e pelo mundo animal e vegetal que me rodeava. Estava redondamente enganado, como se poderá constatar a seguir.

O rícino, mamona, bafureira ou carrapateira (Ricinus communis L.) é uma planta pertencente à família Euphorbiaceae, oriunda da África Oriental. Hoje, o rícino encontra-se naturalizado em todas as ilhas dos Açores

É um arbusto ou pequena árvore, que pode atingir 3 m de altura, com caule lenhoso na sua base que apresenta folhas de tonalidades avermelhadas, alternas, palmadas e lobadas. As flores femininas são verdes ou avermelhadas e as masculinas são amarelo esverdeadas, podendo ser vistas de abril a novembro. Os frutos são cápsulas globosas.

Desconhece-se a data da introdução do rícino no nosso arquipélago, mas já em 1799 o Governador dos Açores, em ofício dirigido a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, menciona o uso do óleo de rícino na iluminação particular.

Depois de algumas dificuldades em arranjar mercado, em 1849, o “Agricultor Micaelense” dá conta da venda em Lisboa de sementes de rícino produzidas em São Miguel “a razão de 600 rs moeda insulana, por cada alqueire de mamona, também medida insulana.”

No ano seguinte, no mesmo jornal, José do Canto informa que um laboratório de Lisboa estava a preparar o óleo de rícino para ser usado com fins medicinais e que os agricultores micaelenses não tiveram capacidade para satisfazer as encomendas de sementes. Também menciona que gostaria que “nunca a nossa indústria agrícola pudesse ser tratada de negligente e descuidosa”.

Francisco de Carvalhal que se dedicou à adaptação da cultura do rícino nos Açores, desde 1914, escreveu no Correio dos Açores de 1931 que a cultura do rícino era mais rentável a partir do segundo ano de produção do que a do trigo, do milho, do tabaco e da beterraba sacarina. Sobre o uso da planta também menciona que “as sementes de rícino, esmagadas e misturadas em farinha e qualquer gordura, são consideradas excelente veneno para os ratos”.

Ramos (1871) refere que das suas sementes é extraído “o óleo de rícino, que é um laxante suave e d’um uso frequente em todas as partes do globo.”

Gomes (1993) menciona que o óleo de rícino é “um purgante” para combater a “solitária (ténia)”.

Corsépius (1997) refere o uso do óleo como purgante, mas adverte que a planta “é tóxica não devendo por isso ser utilizada em preparações caseiras. A ingestão das sementes pode mesmo causar a morte!”

Dadas as contraindicações e os efeitos secundários o seu uso só deverá ser feito mediante o acompanhamento de um especialista. De acordo com o livro “Segredos e Virtudes das Plantas Medicinais” As sementes de rícino não devem ser ingeridas, pois 3 ou 4 podem matar uma criança, e cerca de 15, um adulto”.

Hoje, o óleo de rícino é ainda muito usado na indústria química e o biodiesel produzido a partir do rícino é um dos melhores do mercado.

27 de dezembro de 2023

Ulmeiros


Ulmeiros

O ulmeiro, olmo ou negrilho (Ulmus minor Mill.) é uma árvore caducifólia, pertencente à família Ulmaceae, originária da Europa Norte, de África e do sudoeste da Ásia que floresce nos meses de fevereiro e de março.

Espontaneamente, o ulmeiro prefere solos frescos, sendo comum a sua presença junto a margens de cursos de água.

Embora por cá o ulmeiro seja usado sobretudo como planta ornamental, a sua madeira é muito boa dadas as suas características: dureza, elasticidade e resistência à humidade, sendo utilizada no fabrico de móveis, cabos de ferramentas e artigos de desporto.

O ulmeiro, que já era plantado pelos Romanos com fins ornamentais e para suporte das vinhas, possui uma longevidade muito grande, que pode atingir ou mesmo ultrapassar os 350 anos.

As folhas que na base são assimétricas e constituíram uma boa forragem para o gado, sendo também usadas para fins medicinais por possuírem propriedades depurativas, tónicas, sudoríferas e diuréticas. As sias flores são melíferas. A casca exterior é rica em tanino e a interior apresenta propriedades calmantes.

Desconhece-se a data da introdução de ulmeiros nos Açores, mas, em 1856, José do Canto já os incluía na sua lista de plantas existentes no seu jardim, em Ponta Delgada. Embora não muito abundantes, hoje, é possível, em São Miguel, encontrar ulmeiros nos seguintes locais: Parque de Estacionamento da Rua de Santana, Jardim do Palácio de Santana, Jardim Botânico José do Canto, Jardim da Universidade, Relvão, Parque Terra Nostra e Mata-Jardim José do Canto-Lagoa das Furnas.

Nas nossas ilhas o ulmeiro está classificado como casual, isto é, ocasionalmente escapado de cultura e pode ser encontrado em São Miguel, Santa Maria, Terceira, São Jorge, Graciosa e Faial.

Caso singular nos Açores foi o conjunto de ulmeiros existentes na Alameda Duque de Bragança (Relvão), cujo arranjo e primeiras plantações ocorreram em 1862.

O Relvão tem um valor histórico pois foi lá que se concentrou o exército libertador, para ouvir missa campal e uma proclamação de D. Pedro IV, antes do embarque para o Mindelo, donde arrancou para a vitória sobre o miguelismo. Os ulmeiros lá existentes, para além de constituírem um património natural têm também um forte simbolismo histórico por representarem os soldados do exército liberal.

A proteção dos ulmeiros nos Açores é uma medida importante para a proteção da espécie sabendo-se que os mesmos têm sido dizimados pela grafiose por toda a Europa e na América do Norte.

Sobre o negrilho da sua terra, o escritor Miguel Torga escreveu o poema que se transcreve na íntegra:

A UM NEGRILHO

Na terra onde nasci há um só poeta.

Os meus versos são folhas dos seus ramos.

Quando chego de longe e conversamos,

É ele que me revela o mundo visitado.

Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,

E a luz do sol aceso ou apagado

É nos seus olhos que se vê pousada.

Esse poeta és tu, mestre da inquietação

Serena!

Tu, imortal avena

Que harmonizas o vento e adormeces o imenso

Redil de estrelas ao luar maninho.

Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso

Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!

26 de dezembro de 2023

domingo, 24 de dezembro de 2023

Gigante: uma beldade que esconde um monstro


Gigante: uma beldade que esconde um monstro

O gigante (Gunnera tinctoria (Molina) Mirb.) é uma planta herbácea perene, com rizomas volumosos, que pode atingir 2 m de altura. As suas folhas alternas podem atingir até 1,5 m de diâmetro. A floração ocorre entre os meses de junho e setembro.

Originário da América do Sul (Andes), o gigante encontra-se naturalizado em algumas regiões do mundo, não se sabendo exatamente a data da sua chegada aos Açores e quem foi o responsável pela sua introdução.

Esta vistosa planta, que veio para cá para ser usada com fins ornamentais, é comestível e apresenta propriedades medicinais. Assim, os pecíolos das folhas são utilizados crus, em saladas, as folhas são usadas na preparação de um prato típico do arquipélago de Chiloé (Chile) e o caule é usado medicinalmente devido às suas propriedades adstringentes.

Todos os autores consultados são unanimes em considerar que o gigante se escapou ao cultivo nos jardins das Furnas, tendo o botânico sueco Erik Sjögren, no livro “Plantas e Flores dos Açores”, publicado em 2001, escrito que “a invasão da vegetação açoriana por esta nova planta exótica começou há algumas décadas. No entanto ainda é possível fazer alguma coisa para que não ocorra outro desastre, como foi a invasão pela conteira (Hedychium gardnerianum).

Naturalizado nos Açores desde 1966, o gigante, que estava circunscrito à zona oriental da ilha de São Miguel, devido a ser uma planta altamente competitiva já ocupa áreas muito grandes da ilha de São Miguel, não apenas da zona referida, mas também na zona ocidental, de que é exemplo a Serra Devassa, próximo da freguesia das Sete Cidades.

A dispersão desta invasora na ilha de São Miguel, pondo em risco a floresta nativa da ilha é um exemplo da negligência dos sucessivos governos regionais dos Açores que pouco ou nada fizeram para combater esta praga enquanto ela ocupava uma área muito mais pequena, apesar dos apelos dos cientistas e das organizações não governamentais de ambiente, como os Amigos dos Açores-Associação Ecológica.

Neste momento, acho que já será quase impossível a sua erradicação e o seu controlo é urgente, mas com custos muito mais elevados para os contribuintes do que os envolvidos se o combate fosse feito atempadamente quando surgiram os alertas.

Para avivar a memória dos mais esquecidos, recordo um comunicado, datado de 1991, da responsabilidade da direção dos Amigos dos Açores:

“… Já em 1989, os Amigos dos Açores alertaram as entidades oficiais, nomeadamente a Secretaria Regional do Turismo e Ambiente, para a necessidade de se desenvolver um efetivo, eficaz e urgente combate àquela infestante. Numa reunião havida em 4 de abril de 1990, voltamos a alertar a SRTA e a Direção Regional do Ambiente para o problema, tendo como resposta que o assunto estaria a ser tratado pela Secretaria Regional da Agricultura e Pescas e Universidade dos Açores.

Por outro lado, já algumas vezes foi tornada público a existência de uma verba disponível e afetada para o efeito, mas o combate àquela praga continua a não passar das secretárias …”

A confirmar a negligência governamental, no Açoriano Oriental, de 13 de outubro de 1991, o diretor dos Serviços Florestais, eng. Albano Salvador, afirmou o seguinte: “os serviços florestais já fizeram parte de uma comissão que nunca mais funcionou e que trata das plantas e árvores dentro das reservas e não fora delas”, tendo acrescentado que “os serviços, por sua iniciativa, estão a tentar, dentro do perímetro florestal, sendo o caso de uma área entre a Achada e a Algarvia, dar cabo da Gunera”.

No artigo intitulado «“Gigante” Ataca Pastagens e Vegetação Primitiva», Ana Paula Fonseca, jornalista que se interessava por abordar questões ambientais, dá a conhecer que, segundo declarações do eng. Albano Salvador, aqueles serviços estavam a ensaiar o combate àquela espécie com herbicidas, mas que ainda não havia resultados, pois a experiência havia começado há pouco tempo.

Pico da Pedra, 23 de dezembro de 2023

Teófilo Braga

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Castanheiro


O Castanheiro

O castanheiro (Castanea sativa), que pertence à família Fagaceae, é uma árvore de folha caduca que pode atingir 20 a 30 metros de altura. Nos primeiros anos o tronco é liso e cinzento tornando-se mais tarde gretado e castanho. As folhas são lanceoladas e dentadas verdes brilhantes. Os frutos desenvolvem-se no interior de um invólucro, o ouriço. De uma longevidade elevada, o castanheiro, que é originário da Ásia Menor, norte de África e sudeste da Europa, pode chegar aos 1000 ou mais anos de idade. Num terreno existente na Ribeira Nova, há um castanheiro, plantado por um antepassado meu, que quando era criança já tinha a altura que tem hoje, o que me leva a concluir que será centenário.

De acordo com Jorge Paiva, do Instituto Botânico da Universidade de Coimbra, “estudos polínicos de material fossilizado de turfeiras na Serra da Estrela indicam a ocorrência do castanheiro naquela área há cerca de 8000 anos. Estes dados, assim como o registo de pólen fossilizado de castanheiro naquela Serra, o qual data de há 4300-3200 anos, não deixam dúvidas sobre a existência pré-romana do castanheiro em Portugal.”

Os castanheiros chegaram aos Açores no início do povoamento, de tal modo que Gaspar Frutuoso refere a sua presença na Agualva, na Ilha Terceira, onde um só castanheiro dava “mais de meio moio de castanhas cada ano”. Em São Miguel, o mesmo autor menciona a presença de castanheiros gigantes na Ribeira da Praia, em Vila Franca do Campo.

Desde muito cedo, vários responsáveis empenharam-se na plantação de várias espécies. Assim, de acordo com Francisco Maria Supico, “por antigas ordenanças se obrigaram os lavradores ao plantio de amoreiras, castanheiros e nogueiras e outras árvores, nos vales e ribeiras, e ainda no ano de 1571 incorriam na pena de reis 10$000 aos lavradores açorianos que não apesentassem certidão de terem plantado até Outubro de cada ano um certo número daquelas árvores.”

Em 1848, o Agricultor Micaelense publicou uma nota sobre o uso das folhas de castanheiro. Assim em algumas regiões daquele país, durante o inverno, era costume alimentar bois e vacas com as folhas. Estas eram conservadas em grandes vasilhas, misturadas com partes iguais de sal e cinza fina. De vez em quando era lançada água sobre elas para não secarem e para as apertar eram colocadas pedras.

António Emiliano Costa, num dos Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores (BCRCAA), depois de descrever um castanheiro, “árvore das mais úteis e rendosas”, existente em São Vicente Ferreira, lamenta a pouca atenção que é dada à espécie.

O mesmo autor, referindo-se a São Miguel, escreveu o seguinte:

“O castanheiro merece de nós um pouco mais de atenção e carinho. Possuíamos aqui na Ilha, antigamente, alguns pequenos soutos que nos abasteciam o mercado do saboroso e bastante alimentar fruto e mais tarde forneciam madeira preciosa para todos os fins. A febre arboricida do último meio século e a doença da tinta…reduziram de tal modo o número dos castanheiros existentes nesta ilha, que hoje não é fácil comer umas castanhas assadas e muito difícil construir uma mobília dessa madeira”. Para além de ser uma árvore com interesse ornamental, a madeira do castanheiro é de excelente qualidade, podendo ser usada no fabrico de mobílias e na construção de portas, soalhos e pipas de vinho. Contudo, historicamente, a principal importância do cultivo do castanheiro está relacionada com o uso dos seus frutos, as castanhas, na alimentação humana, por apresentarem elevado valor nutritivo.

O Dr. Carreiro da Costa, no BCRCAA nº 25, menciona o cozimento das cascas de castanheiro, na tinturaria vegetal, para a obtenção da cor castanha. Yolanda Corsépius (1986) menciona o uso das folhas de castanheiro para debelar a tosse e do córtex para combater a diarreia.

Atualmente, é na ilha Terceira onde a área de cultura é maior, destacando-se a freguesia da Terra Chã, localidade onde se realiza anualmente a Festa da Castanha.

Solstício de inverno, 22 de dezembro de 2023

Teófilo Braga

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

O Eucalipto “globulus”


O Eucalipto “globulus”

Do género Eucalyptus existem mais de 700 espécies diferentes, sendo quase todas originárias da Austrália.

Pertencente à família Myrtaceae, o Eucaliptus globulus é uma árvore, originária da Austrália e da Tasmânia, cultivada em quase todo o mundo, sobretudo em regiões temperadas, subtropicais ou tropicais.

O eucalipto é uma árvore perenifólia que pode, em média, atingir 40-50 m de altura, as suas folhas novas são ovais e glaucas e as mais velhas são lanceoladas e em forma de foice. As flores, grandes, amarelo-esbranquiçadas, são apreciadas pelas abelhas e podem ser vistas de maio a outubro.

Não sabemos quando o eucalipto chegou aos Açores, mas as primeiras plantações próximas da Lagoa do Congro terão ocorrido por volta de 1846. No princípio do Século XX a sua plantação, em São Miguel, era recomendada.

Alice Moderno, no seu jornal “A Folha”, de 3 de fevereiro de 1907, sobre o eucalipto escreveu o seguinte: “Por mais de uma vez temos aconselhado aos nossos estimáveis leitores a plantação de eucaliptos, árvore que, além de ornamental, goza de propriedades antisépticas que tornam a sua vizinhança preciosa.”

Num texto publicado no jornal “A Estrella Oriental”, no dia 20 de abril de 1907, o autor recomendava a plantação de eucaliptos “por esses brejos maninhos e infectos, nas bordas das estradas, nas charnecas e regueiros que para mais nada servem” e sobre a espécie que estamos a tratar escreveu o seguinte: O eucalipto “globulus” é o mais comum em nossos climas e o que dá mais interesse ao proprietário. Dá-se muito bem nos vales e encostas húmidas pouco açoutadas da tempestade. Em Tasmânia não é raro encontrar eucaliptos de 100 metros d’altura por 30 de circunferência na base.”

Em 1987, nos Açores, apenas existiam, na ilha Terceira dois núcleos florestais com dimensão significativa e em São Miguel e em Santa Maria a área arborizada era reduzida não chegando aos 100 hectares.

Contrariamente ao esperado, dois anos depois a situação tinha-se alterado, de modo que na Terceira o eucalipto ocupava 50% da área das matas.

Pela mão de uma (ou mais?) empresa colonizadora de celulose, com a ajuda de colonos açorianos e de alguns jornalistas, um dos quais recomendou que os ambientalistas fossem inalar vapores de eucalipto, e com promessas extravagantes, como financiamento a projetos de interesse turístico, recuperação do boi açoriano ou a construção de um parque de caça ao veado, a febre do “ouro verde” havia chegado aos Açores de tal modo que proliferaram as plantações de eucalipto, mesmo em áreas onde tal não era permitido, com a passividade ou cumplicidade das autoridades oficiais, como no Pico da Praia, em Água d’Alto.

Sendo, hoje, o principal destino do eucalipto o fabrico de pasta de papel, o seu uso na medicina também é referido por vários autores. Assim, em 1894, Joaquim Cândido Abranches no seu livro “Medicina Popular Micaelense” menciona o uso do eucalipto na medicina popular nos seguintes termos: “as folhas por algum tempo de infusão em álcool, serve este depois em fricções para a cura do reumatismo”.

Emiliano Costa, em 1953, no nº XVII do Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, escreveu que “em S. Miguel as folhas deste eucalipto servem para desinfeções, afuguentar as traças e mosquitos, para chás diversos, infusões anti-reumáticas e em certas localidades atribuem ao chá das folhas da árvore feminina certos efeitos emenagogos.”

Como não há bela sem senão, as plantações intensivas de eucalipto têm sido muito contestadas devido a impactos negativos diversos na água, nos solos, na fauna e flora, na economia e na cultura.

Afonso Cautela, um dos pioneiros do movimento ecologista/ambientalista em Portugal, no seu modo peculiar de abordar os vários temas, sobre a eucaliptomania escreveu o seguinte: “O tecnofascista manda plantar eucaliptos com a voracidade feroz do negociante que, sem nada fazer por isso, vê aumentar o seu pecúlio de argentário; o tecnofascista tem no eucalipto a maneira mais rápida de aumentar lucros.”

Nada tendo contra qualquer espécie, recordo que, de acordo com Raimundo Quintal, há um eucalipto “globulus” no Parque Terra Nostra que merece ser classificado como árvore de interesse público.

18 de dezembro de 2023

domingo, 17 de dezembro de 2023

Burro é o professor


Burro é o professor

Ao Paulo, que recentemente faleceu

Estávamos quase no ocaso do Estado Novo, os professores do Externato de Santa Luzia ou eram padres ou professores primários. Um deles acumulava funções, isto é, para além de professor primário, era Presidente da Câmara Municipal de Vila da Granja, e no externato lecionava Matemática e Inglês.

Autoritário quanto baste, nas suas aulas o que mais fazia era humilhar alguns alunos, sem exceção, não poupando a própria filha que era tratada abaixo de cão.

Não me recordo o que pretendia o professor na aula de inglês, mas a questão era mais ou menos a seguinte: És um extraterrestre? A resposta seria: sim, tenho a certeza de que sou um extraterrestre ou não, tenho a certeza de que não sou um extraterrestre.

Depois de ter feito a pergunta a vários alunos que responderam mais ou menos bem, chegou a vez de um que tinha muitas dificuldades na disciplina de Inglês:

- Paulo, és um burro?

O Paulo que não sabia o significado da palavra burro (donkey), respondeu: Sim, tenho a certeza de que tu és um burro.

Ia caindo o Carmo e a Trindade, o professor levanta-se da secretária, chega ao pé do aluno dá-lhe uns empurrões e começa numa gritaria, onde não faltaram insultos vários.

Há quem tenha saudades daqueles tempos. Eu não! Apenas recordo com alguma nostalgia a minha infância e juventude, na escola e fora dela.

Se alguém notar alguma semelhança entre alguns factos e pessoas talvez não seja mera coincidência.

Pico da Urzelina, 18 de dezembro de 2023

José da Courela

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Vimes


Vimes

Sentado à minha secretária em frente ao computador, vejo alguns trabalhos em vimes feitos por meu pai, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo. São dois pequenos cestos de asa que ele costumava oferecer às crianças, sobretudo às meninas, e um cesto um pouco maior que pode ser usado para os mais diversos fins, nomeadamente para colocar papéis velhos. Na cave, encontra-se um cesto que era usado para o transporte de uvas, durante as vindimas.

Para além do uso dos vimes em cestaria, meu pai também os usava para forrar garrafões de vidro e para amarrar as vinhas.

Que planta ou plantas são ou eram usados na cestaria?

Já vi cestos feitos com vardascas de espécies muito diferentes, como choupo-branco (Populus alba) ou salgueiro-chorão (Salix babylonica), mas a maioria deles será feita a partir do vimeiro (Salix x fragilis), ou do denominado vimeiro-francês (Salix viminalis).

Todas as espécies referidas pertencem à família Salicaceae, tendo Ruy Telles Palhinha, no seu Catálogo das Plantas Vasculares dos Açores, publicado em 1966, referido também, da mesma família, a presença entre nós, do salgueiro (Salix atrocinerea) e do álamo, olmo ou choupo (Populus nigra). Todas as espécies referidas são cultivadas, podendo aparecer como subespontâneas.

O vimeiro (Salix x fragilis) é um híbrido de uma espécie (Salix alba) nativa da Europa e de outra (Salix euxina) nativa da Ásia ocidental, sendo característico de habitats ribeirinhos. Trata-se de uma planta caducifólia, geralmente de tamanho médio, com folhas lanceoladas.

O Salix viminalis é um arbusto ou pequena árvore que em média tem uma altura de 3 a 5 metros (raramente atinge os 10 m) com ramos direitos, folhosos e flexíveis e com folhas quase lineares e um pouco acunheadas na base.

A cultura do vimeiro existe em São Miguel desde o início do povoamento. A comprovar o afirmado Gaspar Frutuoso nas Saudades da Terra refere a presença, próximo da Maia, da Ribeira dos Vimes “por plantarem ali os primeiros no princípio da povoação da ilha”.

Para a manufatura dos cestos usavam-se vimes com casca ou descascados. Os vimes eram descascados numa fumarola nas Furnas e numa fumarola na Caldeira Velha, na Ribeira Grande, mas também nas várias localidades. Assim, de acordo com uma nota publicada num dos volumes do “Apontamento Histórico-Etnográfico S. Miguel e Santa Maria”, publicado em 1982, em Água de Pau, procedia-se do seguinte modo:

“…de um caldeirão formado por diversas chapas de ferro com as dimensões de 3x2x2 m, por debaixo da qual se acende uma fornalha durante algumas horas, o suficiente para a água ferver e os vimes cozerem. Depois de cozidos são descascados com o auxílio da unha ou do dente, sendo a seguir postos ao sol a secar. Na opinião dos entendidos, os vimes assim tratados podem aguentar-se por muito tempo e destinam-se à chamada “obra fina.””

Para além dos diversos tipos de cestos, como o cesto de vindima, o cesto de estercar, o cesto de pastel, com os vimes faziam-se várias peças de mobiliário, como cadeiras, sofás, mesas e arcas. Também eram de vimes os seirões que se colocavam nos dorsos dos animais de tiro, um deles era o seirão dos porcos, onde colocavam os bacorinhos que eram vendidos porta a porta, e as sebes dos carros de bois.

Eram também de vimes que eram manufaturados os cofinhos, pequenos cestos circulares que se colocavam no focinho dos bezerros para que estes não mamassem nas vacas.

Pico da Pedra, 13 de dezembro de 2023
Teófilo Braga

domingo, 10 de dezembro de 2023

As plantas e a medicina popular no Pico da Pedra (4)


As plantas e a medicina popular no Pico da Pedra (4)

Prosseguindo a série de textos sobre plantas usadas na medicina popular, para este número da VOZ POPULAR, decidi escrever sobre o milho.

O milho, cujo nome científico é Zea mays, é uma planta herbácea, anual, ereta, de colmo oco entrenós, com folhas oblongas e lanceoladas, da família Poaceae originária dos Andes e América Central.

Trazido da América para a Europa pelos espanhóis foi, de acordo com alguns autores, os portugueses a espalhá-lo pelo mundo.

Nos Açores, o milho foi introduzido no século XVII, tendo-se intensificado o seu cultivo depois de uma crise agrícola ocorrida em 1647, ano em que a produção de trigo foi muito reduzida.

Depois de muitos anos a ser usado principalmente na alimentação humana, nos nossos dias a sua cultura está relacionada com a alimentação do gado bovino. Associada ao seu cultivo, as folhas que cobrem as maçarocas eram usadas no fabrico de tapetes e na confeção das “bonecas de folha de milho”. Uma tradição que se mantém bem viva é a venda de milho cozido nas fumarolas na freguesia das Furnas, na ilha de São Miguel.

Um uso que muito apreciava na minha infância era o do fabrico das chamadas papas grossas ou de carolo que até meados do século passado eram uma das principais iguarias da culinária popular. Na sua confeção era usado o carolo, farinha de milho muito grossa, leite gordo vindo diretamente das pastagens e açúcar.

O médico Oliveira Feijão, no seu livro “Medicina pelas Plantas”, publicado em 1986, sobre o milho escreve que é uma “planta forraginosa e alimentícia, rica em vitamina A, B1e B2.” Depois de referir os uso dos estigmas (barbas) como diurético e sedativo escreve que “externamente emprega-se a “farinha de milho” tal como se usa a de linhaça, isto é, como emoliente; diluída em água fervente, dá boas cataplasmas calmante (queimaduras, herpes, escoriações, etc.).

Proença da Cunha, Alda Silva e Odete Roque, no livro “Plantas e Produtos Vegetais em Fitoterapia”, depois de referirem que os estiletes e estigmas do milho são usados “como diurético em afecções geniturinárias, gota, edemas, obesidade acompanhada de retenção de líquidos”, mencionam que “no caso de hipertensão, cardiopatias ou insuficiência renal moderada ou grave, só deve usar-se os estiletes, como diurético, sob controlo médico.” Também indicam que “a utilização prolongada e excessiva dos estiletes e estigmas podem provocar vómitos, cólicas e diarreia” e aconselham a “não usar mais do que 4 a 8 g por dia.”

As barbas de milho, segundo o Eng.º Silvano Pereira (1953), eram usadas “em medicina popular, em decocto, como um enérgico diurético”.

Em São Jorge, de acordo com José Guilherme Machado, as “barbas” de milho eram usadas “em chá” para tratar “problemas urinários”.

Na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, para além do uso no tratamento das pessoas, o “chá das barbas de milho era usado para tratar o gado bovino”.

De acordo com as respostas a um inquérito realizado, em 1992, no Pico da Pedra, uma moradora da Rua das Almas referiu que as barbas do milho amarelo, que eram colhidas em outubro, secas e conservadas num saco, eram usadas para combater problemas dos rins e da bexiga.

Pico da Pedra, 12 de novembro de 2023
Teófilo Braga

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Nespereira


Nespereira

A nespereira ou moniqueira (Eriobotrya japonica (Thunb.) Lindl.) é uma árvore da família Rosaceae que pode atingir 10 m de altura, com folhas perenes, alternadas, simples e verde-escuras na página superior e arruivadas na inferior, apresentando nervuras bem evidentes. As flores são brancas e em cachos com três a dez flores e os frutos são elipsoides com uma casca aveludada e amarelo-alaranjada, quando estão maduros.

A nespereira, que é originária da China, foi introduzida em São Miguel, por volta de 1819, pelo Barão de Fonte Bela como árvore ornamental, tendo devido aos seus frutos com um sabor “tão particular e esquisito” passado a ser uma das plantas mais cultivadas. De acordo com uma notícia publicada no “Agricultor Micaelense”, em 1849, “não há quinta nem quintal, aonde se não encontre a Nespereira. Nos meses, em que os laranjais começam a escassear, vem as nêsperas consolar-se avantajadamente de sua ausência.”

As nêsperas chegaram a ser exportadas para Inglaterra, tendo o Açoriano Oriental, em 1949, publicado a seguinte notícia: “Temos a satisfação de fazer constar a nossos leitores, que o sr. Amâncio Gago, na sua primeira especulação de Nespras japónicas, enviadas para Inglaterra, obteve mais de 20 reis líquidos por cada fruto.”

Francisco Maria Supico (1830-1911), farmacêutico e investigador da história local, nas suas “Escavações”, explica que a exportação dos frutos não podia ter sucesso porque os mesmos tinham pouca duração e que os mesmos eram muito apreciados, pois era costume “de se fazer um apreciável presente com uma pequena quantidade do seu fruto.”

As nêsperas podem ser comidas como fruta fresca, em saladas de fruta ou em compotas. Também podem ser usadas para fazer vinho, licor ou aguardente.

Para os interessados em fazer, deixo aqui uma recita de doce de nêspera, encontrado num recorte de jornal recolhido pela professora primária Maria Emília Pereria:

“Nêsperas sem pele nem caroço, 1 quilo; açúcar branco, 1 quilo; canela q.b.; água 2 colheres. Põem-se as nêsperas, o açúcar e a água dentro de uma vasilha, que se leva ao lume. Deixa-se ferver o tempo bastante para formar uma compota. Deve mexer-se constantemente com uma colher de pau e conserva-se o lume brando.”

Por sua vez, o licor de nêspera pode ser obtido assim:

“Faz-se uma infusão de 200 gramas de caroços de nêspera em 1 litro álcool alimentar (ou aguardente) e guarda-se num local escuro durante vários meses (1 mês, agitando o conteúdo várias vezes por semana). Depois, junta-se meio quilograma de açúcar a meio litro de água e leva-se ao lume durante algum tempo até se obter uma calda grossa. Depois de deixar arrefecer até ficar morno, junta-se 0, 75 litros da infusão e mexe-se bem (pode-se juntar um pau de canela ou raspa de limão). Por último filtra-se e coloca-se em garrafas.”

Os ramos são usados em arranjos florais, sobretudo na época do Natal, e a árvore também é utilizada como ornamental.

O Dr. Oliveira Feijão refere o uso dos “frutos como antidiarreicos e anti-hemorrágicos internos e a casca da árvore como adstringente externo” e acrescenta que “o cozimento da casca (40 g de casca fresca ou 20 g de casca seca, para um litro de água) dá um excelente gargarejo adstringente contra as anginas, estomatites, etc.”

Cursépius (1997) refere que os frutos são ricos em várias vitaminas e possuem uma ação antidiarreica. Segundo ela, “a casca da árvore em decocção – 20g/l de água é adstringente e serve para bochechos e gargarejos.”

8 de dezembro de 2023
Teófilo Braga

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Espadanas


Espadanas

A espadana, linho-da-nova-zelândia, filhaça, amarradeira, atadeira ou tabua (Phormium tenax J. R. Forst. & G. Forst ) é uma planta herbácea perene que pertence à família Xanthorrhoeaceae.

A espadana, que pode atingir uma altura de 3 metros, apresenta folhas verdes bastante longas em forma de lâmina e inflorescências são altas, com numerosas flores, sendo o seu período de floração entre dezembro e março.

Originária da Nova Zelândia e da ilha Norfolk, a espadana está naturalizada em quase todo o mundo em regiões temperadas e subtropicais, sendo cultivada como ornamental ou fonte de fibra. Nos Açores, encontra-se em todas as ilhas.

A chegada das sementes de espadana a São Miguel ocorreu por volta de 1828, através de Jacinto Ignacio Rodrigues da Silveira, 1º Barão da Fonte Bela, que cedeu algumas ao seu cunhado Francisco Lopes d’Amorim que foi administrador do concelho da Vila das Capelas.

Em 1848, Francisco Amorim ofereceu à Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, cujo secretário era José do Canto, algumas sementes de espadana e uma amostra de “linho” que havia processado para “que a Sociedade por seus conhecimentos, e assíduos trabalhos, possa descobrir outro processo mais prompto, e económico, para se obter na sua pureza o tecido filamentoso d’esta rica planta, o que por certo seria de mui considerável vantagem aos habitantes d’esta Ilha.”

Em 1871, Acúrcio Garcia Ramos referia-se à espadana como sendo “a planta têxtil por excelência”, sendo “a sua rijeza muito acima da do linho, do cânhamo, da piteira e de outras plantas filamentosas” e acrescentava: “Esta riquíssima planta é empregada pelos habitantes da Nova-Zelândia na fabricação das suas redes de pesca e de um grande número de estofos”. Sobre a sua presença nos Açores, o mesmo autor escreve: “cultiva-se para cordas em S. Miguel, onde se dá perfeitamente”.

Em 1880, por iniciativa de José Bensaude e José Jácome Correia, chegou a Ponta Delgada uma máquina para desfibração da espadana que havia sido plantada na Serra de Água de Pau.

No início do século XX, foi José de Sousa Jorge quem promoveu um grande desenvolvimento da indústria da espadana de tal modo que em 1930, só na ilha de São Miguel existiam 7 fábricas de desfibração.

Das fábricas que trabalharam a espadana, recordo as ruínas de uma localizada, em Água d’Alto no caminho que dá acesso à levada cuja água alimenta a central hidroelétrica “Nova” e as instalações da Fiação e Tecelagem Micaelense, mais conhecida por Fábrica de Linho da Ribeirinha, que visitei em 1992 e que chegou a laborar lã para o fabrico de tapeçarias, algodão na produção de chitas e espadana para a produção de cordas.

De acordo com uma publicação do Centro de Artesanato dos Açores, a Fábrica de Espadana no Mato da Praia de Água de Alto “tinha como função principal a desfibração da espadana. Os capachos eram utilizados como utensílios domésticos, principalmente no mundo rural, ou em objetos decorativos nas casas dos mais abastados. A técnica utilizada nos capachos e nas esteiras era a do entrançado, os artesãos entrecruzam, em forma de trança várias fibras e só depois, cosendo ou entrelaçando essas tiras de vegetais é que dão forma definitiva às esteiras e aos capachos.”

Na minha infância e juventude recordo o uso da espadana para amarrar produtos diversos da terra, como molhos de lenha, os manchos de milho antes de os colocar nas arribanas, etc. Também era muito comum ver-se nas casas capachos de espadana que eram feitos em Água de Pau e que também podiam ser usados para a secagem de cereais, nomeadamente do milho.

Hoje, praticamente desaparecido o uso da espadana para o fabrico de cordas ou esteiras, bem como o seu uso na agricultura, a planta é usada essencialmente com fins ornamentais.Nos nossos jardins ou mesmo nas bermas de algumas estradas e caminhos é possível encontrar a Phormium tenax ‘Variegata”, com folhas com riscas verdes e amarelas, e a Phormium tenax ‘Purpureum’ com uma coloração púrpura.

Pico da Pedra e Vila Franca do Campo

6 de dezembro de 2023
Teófilo Braga

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Árvores dos Açores


O livro "Árvores dos Açores-Ilha de São Miguel" passou a fazer parte da lista de livros recomendados para o ensino secundário do Plano Regional de Leitura, destinado a apoio a projetos no âmbito da Natureza e Defesa do Ambiente.

O livro “Árvores dos Açores” foi um dos 150 selecionados para fazer parte do maior livro alguma vez editado em língua portuguesa. Intitulado “Açorianidade no Tempo”, o livro tem cerca de 30 mil páginas, tem mais de 2,5 m de comprimento e pesa 170 kg.

Faias


Faias

Desde criança, conheço a faia-da-terra quando na companhia dos meus pais visitava uma terra localizada na Courela, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo. Lá a faia-da-terra, também conhecida como faia ou faia-das-ilhas, era usada como cortina de abrigo para uma plantação de bananeiras, onde também se encontravam algumas laranjeiras, uma mandarineira e um pessegueiro. No outono, mais ou menos por altura das vindimas, regalava-me com uma barrigada dos seus frutos.

A faia, que é uma árvore ou arbusto perenifólio que atinge em média uma altura que varia entre os 10 e os 15 metros e que está em floração nos meses de março e abril, é uma planta nativa dos Açores cuja presença deu origem a alguns nomes de localidades das nossas ilhas, como, por exemplo, Faial (ilha) e Faial da Terra (freguesia do concelho da Povoação).

A propósito da toponímia da freguesia referida, Gaspar Frutuoso, nas Saudades da Terra, escreveu o seguinte: “…Lugar do Faial, assim chamado por ser antigamente aquele vale coberto de muitas faias e altas, com raras sombras de brandos vimes e outras espessas de verdes árvores regadas não somente com a ribeira e levada…”. Sobre o nome dado à ilha do Faial, o mesmo autor escreveu o seguinte: “tomou o nome do que nela havia”.

As designações faia-da-terra e faia-das-ilhas terão surgido para distinguir a nossa espécie Morella faya da faia-da-holanda ou faia-do-norte (Pittosporum tobrira).

A faia-da-holanda, originária da China do Japão e da Coreia, cuja presença nos Açores é muito antiga, foi também usada como sebe por ser muito resistente aos ventos, mesmo aos salgados.

Com uma altura que pode atingir 8 m e com floração que vai de março a maio, a faia-da-holanda, que é uma planta de crescimento rápido, também é usada como planta ornamental e as suas flores, que exalam um perfume adocicado semelhante ao das flores da laranjeira, são muito apreciadas pelas abelhas.

Enquanto a faia-da-terra pertence à família Myricacea, a faia-da-holanda pertence à família Pittosporaceae, à qual também pertence o incenso (Pittosporum undulatum) que, segundo Ruy Telles Palhinha, também é conhecido popularmente por faia.

O incenso, originário da Austrália, é uma árvore perenifólia que pode atingir até 25 metros de altura, sendo devido à sua rusticidade, crescimento rápido e boa rebentação uma das principais plantas usadas, hoje, como sebe. Tendo escapado da cultura tornou-se uma invasora. Mas como há sempre o outro lado, as flores de incenso que surgem de fevereiro a maio são muito aromáticas e apreciadas pelas abelhas que a partir delas elaboram o afamado mel de incenso dos Açores.

Accurcio Garcia Ramos, no seu livro “Noticia do Archipelago dos Açores e do que ha mais importante na sua história natural”, publicado em 1871, escrevia que a faia-da-terra era uma árvore sempre verde que se plantava para sebe dos laranjais e acrescentava que “é muito boa para construções; a sua casca aproveita aos curtidores, e os seus despojos utilizam ao solo”.

O Dr. Luís da Silva Ribeiro refere o uso da faia-da-terra como planta tintureira ligada à tecelagem. Segundo ele, na freguesia dos Altares, ilha Terceira, a casca da faia era usada para a obtenção do preto. A receita usada era a seguinte: “Deitam-se as cascas de molho durante dois dias, findos os quais se fervem umas oito horas, côa-se e põe-se de novo ao lume. Quando ferve a segunda vez deita-se pedra hume e capa rosa e deixa-se ferver meia hora”.

Em 1990, num inquérito que aplicámos em várias localidades da ilha de São Miguel encontrámos muito poucas referências ao uso da faia-da-terra como planta medicinal. A exceção ocorreu na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, onde mais do que uma das pessoas inquiridas referiu que se fazia um “chá que era bom para a tosse”, “queimando açúcar colocado sobre uma toca de faia em brasa e acrescentando água por cima”.

Para além das faias mencionadas, também é possível encontrar outras faias como a faia-europeia (Fagus sylvatica) que pode ser encontrada no Jardim do Palácio de Santana, no Parque Terra Nostra, no Jardim do Pico Salomão, no Viveiro Florestal das Furnas e na Mata Jardim José do Canto.

Pico da Pedra, 1 de dezembro de 2023

Teófilo Braga

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Vidas Exemplares no Plano Regional de Leitura

O livro "Vidas Exemplares" passou a fazer parte da lista de livros recomendados para o ensino secundário do Plano Regional de Leitura, destinado a apoio a projetos no âmbito da História dos Açores.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Milho-de-vassoura

Milho-de-vassoura

Ao fazer limpezas na cave da minha casa, encontrei uma vassoura que foi feita por meu pai, Teófilo de Braga (1925-1991), na nossa casa, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, há cerca de 35 anos.

Lembro-me que anualmente meu pai semeava milho-de-vassoura com o único objetivo de fazer vassouras para serem usadas em casa e algumas poucas para venda.

Com a evolução da sociedade, as vassouras feitas a partir do milho-de-vassoura caíram em desuso, sendo substituídas por outras artificiais e hoje já não é muito comum observar nos campos aquela planta.

O milho de vassoura ou sorgo (Sorghum bicolor (L.) Moench) é uma planta pertencente à família Poaceae, originária da África subsaariana. Existindo vários tipos de milho de vassoura, dependendo do fim principal a que se destinam (granífero, sacarino, vassoura e forrageiro), a variedade cultivada na ilha Terceira era, segundo Orlando de Azevedo, a technicum.

O milho-de-vassoura é uma planta anual que pode crescer até 2 metros, com caules fortes e lenhosos com folhas longas e estreitas. As suas inflorescências desenvolvem-se no topo da planta, originando após polinizadas panículas, cuja palha é usada no fabrico das vassouras.

A nível mundial o sorgo é, depois do trigo, do arroz, do milho e da cevada, o quinto cereal mais cultivado no mundo.

O milho-de-vassoura é usado para a alimentação humana em vários países do Sul de África, da Ásia e da América Central e para a alimentação de animais nos Estados Unidos da América, na Austrália e na América do Sul.

No Brasil, a planta foi introduzida pelos europeus e espalhou-se por todo o território, dando origem a uma indústria de fabrico de vassouras que floresceu até ao aparecimento de fibras sintéticas.

Orlando de Azevedo, já citado, num texto intitulado “A cultura do milho vassoura na Ilha Terceira”, publicado no nº XI do Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, escreveu que se tratava de uma “cultura bastante rendosa, e com possibilidades de incremento se o mercado continental for devidamente alargado”. Segundo ele, a principal utilização que valoriza o milho-de-vassoura era o fabrico de vassouras, mas as sementes também serviam de alimento para as galinhas e os porcos. O milho de vassoura também era muito útil como “abrigo a outras culturas mais delicadas, como são as hortícolas.”

Na ilha Terceira, a sementeira era feita na Primavera, a germinação ocorria passados 8 a 10 dias, era sachado em maio, junho e julho e a colheita era feita em setembro ou no início de outubro.

Depois de cortado três palmos abaixo da extremidade era seco e depois ripado para separar a semente do espigo. A parte restante da planta servia como forragem e era usado como combustível para os fornos.

Sempre com recurso ao texto referido, fica-se a saber que na ilha Terceira existiam várias oficinas para manufatura de vassouras.

Para além de serem consumidas na ilha, eram enviadas pequenas quantidades de espigo e de vassouras para as outras ilhas do arquipélago dos Açores e para Portugal continental.

Na minha casa, não me recordo de ser dado qualquer uso às sementes, para além de serem guardadas para serem utilizadas no ano seguinte, mas, no que diz respeito a vassouras havia autossuficiência.

Pico da Pedra, 24 de novembro de 2023

Teófilo Braga

terça-feira, 21 de novembro de 2023

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Cabaça


A Cabaça

A cabaça (Lagenaria siceraria (Molina) Standl.) é uma trepadeira anual com folhas grandes, pertencente à família Cucurbitaceae, nativa de África. Daquele continente passou para os outros levada pelos migrantes ou pelas correntes marítimas que transportavam as sementes no interior das cabaças que flutuam.

Aos Açores, a cabaça terá chegado com os primeiros povoadores, pois já há referência à sua presença no livro 4 das Saudades da Terra. Como se pode constatar através de dois excertos publicados abaixo, de acordo com Gaspar Frutuoso, a cabaça era usada para cozinhar alimentos ou como vasilhame.

“Havendo aqui no tempo antigo pouca louça, coziam a carne em cabaças, e às vezes cozinhavam um carneiro e uma cabra, ou carne de vaca, cozendo-a e assando-a na pele, fazendo uma fogueira na terra, e depois de muito quente, faziam uma cova nela, e embrulhando a carne do gado que matavam na mesma pele, a metiam na cova, tornando-a a cobrir com a cinza e rescaldo da fogueira, e tornando a fazer outra fogueira em cima, assim se cozia.”

“Na era de mil e quinhentos e dez, havia nesta ilha um Lopo das Cortes (de que já tenho dito que morava na vila da Ribeira Grande, às Covas de longo do mar, junto do porto de Santa Eria, onde havia muito mato de sanguinhal), o qual, querendo comer mel fresco de abelhas, mandava a um seu filho, chamado Bertholameu Lopes, pai de Adão Lopes, que morou depois dentro na dita vila, junto da bica velha, que derramasse o mel que tinha em casa em umas cabaças e fosse buscar outro fresco ao sanguinhal, nas tocas e buracos das árvores e sanguinhos, onde as abelhas criavam muito. Tanta fartura havia de tudo nesta ilha, sem indústria nem trabalho de seus moradores.”

Carreiro da Costa, no Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, nº 15, menciona o uso da cabaça para enchimento de vinho, para transporte de água ou leite ou como caixa de ressonância de alguns instrumentos musicais.

O autor referido explica como eram preparadas as cabaças para serem usadas como recipiente para leite, na ilha do Corvo:

“…faz-se esvaziando as mesmas das sementes respectivas, sendo depois de secas, meio cheias com seixos recolhidos nos calhaus do mar. Em seguida são chocalhadas com cuidado para que as pedras alisem a superfície interior da cabaça, dando-lhe assim um vidrado que torna a casca impermeável”.

Embora, até ao presente, não tenha encontrado qualquer referência ao uso da cabaça para fins alimentares, sabe-se que também era cultivada para usos culinários. Joaquim Barboza, em 1902, escreveu que a mesma era usada “principalmente para o fabrico de doces seccos e de calda, muito recomendados pelos médicos nas convalescenças.”

Joaquim Barboza também refere o seu uso como planta ornamental. Segundo ele “a planta, pela rapidez da sua vegetação, número e beleza das suas grandes flores brancas, assim como pela forma e dimensões dos seus fructos, pode ser empregada com vantagem para os efeitos decorativos que se obtêm como planta trepadeira.”

Embora a cabaça possua propriedades medicinais, como drástica, emoliente, purgativa e antinefrítica (as sementes), não consegui encontrar qualquer menção ao seu uso na medicina popular nos Açores.

É possível encontrar algumas peças de artesanato feitas com os frutos da cabaça e na minha infância os mesmos eram usados como boias. Muitas crianças aprenderam a nadar colocando duas cabaças, postas de cada um dos lados da cintura amarradas com uma guita.

17 de novembro de 2023

Teófilo Braga

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

domingo, 5 de novembro de 2023

A Conteira e o seu futuro


A Conteira e o seu futuro

A conteira (Hedychium gardnerianum Sheppard ex Ker Gawl.), também conhecida por roca-da-velha, cana-roca, choupa, roca-de-vénus, bananilha, roca-do-vento, rubim e flor-de-besouro, é uma herbácea, perene, rizomatosa que em média atinge de 1,5 a 2 m de altura com flores amarelas fragrantes.

Como terá chegado aos Açores a conteira que é nativa dos Himalaias?

Em meados do século XIX foi fundada em São Miguel a Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, instituição que promoveu o incremento do movimento secular de introdução de plantas exóticas no nosso arquipélago para os mais diversos fins.

Foi num número do periódico daquela sociedade, “O Agricultor Michaelense” que alguém sugeriu a introdução da conteira para embelezar os nossos jardins, não se sabendo ao certo quem a introduziu e quando, embora seja provável que tenha sido José do Canto. Conhecida é a sua presença em São Miguel em 1851.

Dos jardins, a conteira escapou-se com muita facilidade para outras áreas, tornando-se uma terrível “praga” que integra a Lista Nacional de Espécies Invasoras (Decreto-Lei nº 92/2019, de 10 julho).

Apesar do exposto, o açoriano sempre procurou tirar dela o máximo proveito, embora algumas tentativas do seu uso, para além do ornamental, não tenham até agora sido bem-sucedidas.

É conhecido o uso das suas folhas para envolver os queijos de cabra e para alimento do gado quando não há outra forragem mais nutritiva.

Já foi pensado o seu uso para a produção de álcool, mas tal não seria economicamente viável, tal como não terá sido uma experiência de fabrico de papel que era de boa qualidade.

Em 1946, o jornal Açores fazia referência à utilização da conteira nos seguintes termos: “Da sua raiz pode extrair-se uma bebida alcoólica; da sua flor um perfume suave e do seu caule a celulose.”

O mesmo jornal em dois números refere a presença em São Miguel de uma fábrica de papel.

Afonso de Miranda, que foi o principal entusiasta da ideia, em 1943 e que havia conseguido a desfibração perfeita da conteira, juntou-se a José Maria de Andrade Albuquerque Forjaz de Sampaio e os dois constituíram uma sociedade para exploração da pasta de conteira para fabrico de papel.

A fábrica Sampaio e Miranda. Lda. foi instalada no Vale das Furnas e produziu papel que foi muito bem aceite no mercado, tendo todo ele sido vendido pela firma Domingos Dias Machado, Sucr..

Na altura, o entusiasmo era tanto que o articulista do jornal “Açores” escreveu o seguinte:

“E se amanhã se tornar realidade a montagem de fábricas idênticas na Ribeira Grande e Sete Cidades, as populações respectivas e dos arredores acolherão a ideia com júbilo justificado, porque tomando por base o movimento de 1944, das Furnas, verificamos um activo diário de cerca de 600 pessoas. Ora numa região ainda mais rica de conteira, como as Sete Cidades, não é difícil de prever um maior número de pessoas com o seu salário assegurado”.

Em 2014, o empresário Roberto Amorim teve a ideia de utilizar a conteira para produzir recipientes que pudessem substituir o plástico. Será que a sua louvável iniciativa terá pernas para andar ou como tantas outras ficará pelo caminho?

Pico da Pedra, 4 de novembro de 2023

Teófilo Braga

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

A Quercus está de parabéns


A crise multidimensional que afeta o Planeta não está a ser devidamente combatida pelos vários Estados e pelas suas Organizações Internacionais.

No nosso país, incluindo as regiões autónomas da Madeira e dos Açores, as palavras em defesa do património natural e cultural não passam disso mesmo, isto é, não se traduzem em ações concretas.

Para lutar para inverter a situação atual, isto é, para a construção de uma Terra mais justa, limpa e pacífica, é preciso termos uma sociedade mais culta, informada e ativa. Tal só é possível com um movimento ambientalista/ecologista mais interventivo e independente dos poderes económicos e políticos.

Está de parabéns a Quercus pela sua caminhada e contributo imprescindível em prol do ambiente ao longo dos seus 38 anos de existência.

Que continue mais forte, independente e participativa por muitos mais anos.

Teófilo Braga

Açores, 31 de outubro de 2023

Correspondente do "Em Marcha"

domingo, 29 de outubro de 2023

sábado, 23 de setembro de 2023

Tremoceiro


Tremoceiro

O tremoceiro é uma planta anual herbácea e ereta, com folhas compostas por sete folíolos verdes alongados. As flores são brancas ou azuladas e os frutos são vagens com sementes achatadas e amareladas.

O tremoceiro foi muito usado, pelos nossos antepassados, como adubo verde pois tem a capacidade de fixar o azoto. Também foi usado no chamado outono, misturado com a faveira e o centeio para alimentar o gado bovino no Inverno, quando a erva escasseava. Nesta altura o leite de vaca era um pouco amargo.

A palha dos tremoceiros era usada nos fornos de lenha quando se cozia pão e as sementes são ainda hoje muito consumidas, depois de cozidas, como aperitivo.

Nos Açores, o cultivo do tremoceiro, segundo o engenheiro agrónomo Arlindo Cabral, ter-se-á iniciado por volta de 1550. Segundo ele, num texto publicado no Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais nº 7, de 1948, “a esta portentosa planta muito deve a fertilidade do nosso solo, a ponto de poder afirmar-se com verdade que se não fora ela a terra açoriana já não seria bastante para todos os seus filhos”.

O terceirense Augusto Gomes, em 1993, quando escreveu sobre os antigos processos da antiga arte de curar, na ilha Terceira, refere que para tratar o diabetes era costume mastigar tremoços.

Em 2002, na Ribeira Seca da Ribeira Grande, uma respondente referiu que comer tremoço de manhã servia para baixar os diabetes.

Bilhete de Identidade

Nome científico: Lupinus albus L.

Nome vulgar: Tremoço, tremoceiro, tremoço-velho, tremoço-branco

Família: Fabaceae

Origem: Região Mediterrânica Oriental

Bibliografia

Cabral, A. (1948). O tremoço e a sua introdução nos Açores. Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais, nº 7. p.112.

Gomes, A, (1993). A alma da nossa gente: repositório de usos e costumes da Ilha Terceira, Açores. Angra do Heroísmo, Direcção Regional dos Assuntos Culturais. 498 pp.

Salsaparrilha


Salsaparrilha

A salsaparrilha é uma trepadeira lenhosa, perenifólia, com caules muito ramificados. As folhas são lanceoladas a ovadas, sendo na base arredondadas a cordadas, as flores são verde-amareladas e os frutos são carnudos globoso-ovoides (Gabriel e Borges, 2022; Vieira, Moura e Silva, 2020).

Desconhecendo-se qualquer publicação científica sobre a salsaparrilha açoriana, apresenta-se os usos etnomédicos e médicos da Smilax officinalis L.: “Como diurética, nas afecções urinárias; nas inflamações das vias respiratórias (tosse e bronquites). Em doenças da pele usou-se como depurativa.” (Cunha, Silva e Roque, 2003)

Gomes (1993) escreveu o seguinte: “Com esta planta obtém-se uma tisana, fervendo 50 g dela num litro de água. Uma chávena tomada em jejum é um óptimo depurativo.”

Em 1990, na Maia, a salsaparrilha era utilizada para “apurar o sangue” e para combater “inflamações da pele.

Em 1992, na Ribeirinha, a salsaparrilha era usada para purificar o sangue, na Maia para combater a diarreia e no Pico da Pedra o “chá” fazia “muito bem ao sangue para quem tem sangue grosso”.

Na Ribeira Seca da Ribeira Grande, em 2002, a salsaparrilha era usada para tratar “alergia no corpo”.

Bilhete de Identidade

Nome científico: Smilax azorica H. Schaef. & P.Schönfelder

Nome vulgar: Salsaparrilha, alegra-campos, alegra-cão, legacão

Família: Smilacaceae

Origem: Açores

Bibliografia

Cunha, A., Silva, A., Roque, O. (2003) Plantas e Produtos Vegetais em Fitoterapia. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. 701 pp.

Gabriel, R., Borges, P. (Eds.) (2022). Guia Prático da Flora Nativa dos Açores. Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura. 520 pp.

Gomes, A, (1993). A alma da nossa gente: repositório de usos e costumes da Ilha Terceira, Açores. Angra do Heroísmo, Direcção Regional dos Assuntos Culturais. 498 pp.

Vieira, V., Moura, M., Silva, L. (2020). Flora terrestre dos Açores. Ponta Delgada, Letras Lavadas. 356 pp.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Rícino


Rícino

O rícino é um arbusto com caule lenhoso na sua base que apresenta folhas de tonalidades avermelhadas, alternas, palmadas e lobadas. As flores femininas são verdes ou avermelhadas e as masculinas são amarelo esverdeadas. Os frutos são cápsulas globosas.

Desconhece-se a data da introdução do rícino no nosso arquipélago, mas já em 1799 o Governador dos Açores, em ofício dirigido a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, menciona o uso do óleo de rícino na iluminação particular. Em 1840, o “Agricultor Micaelense” noticia a venda em Lisboa de sementes de rícino produzidas em São Miguel “a razão de 600 reis moeda insulana por alqueire de mamona, também medida insulana.”

Francisco de Carvalhal que se dedicou à adaptação da cultura do rícino nos Açores, desde 1914, escreveu no Correio dos Açores de 1931 que “as sementes de rícino, esmagadas e misturadas em farinha e qualquer gordura, são consideradas excelente veneno para os ratos”.

Ramos (1871) refere que das suas sementes é extraído “o óleo de rícino, que é um laxante suave e d’um uso frequente em todas as partes do globo.”

Gomes (1993) menciona que o óleo de rícino é “um purgante” para combater a “solitária (ténia)”.

Corsépius (1997) refere o uso do óleo como purgante, mas adverte que a planta “é tóxica não devendo por isso ser utilizada em preparações caseiras. A ingestão das sementes pode mesmo causar a morte!”

Dadas as contraindicações e os efeitos secundários o seu uso só deverá ser feito mediante o acompanhamento de um especialista. De acordo com o livro “Segredos e Virtudes das Plantas Medicinais” As sementes de rícino não devem ser ingeridas, pois 3 ou 4 podem matar uma criança, e cerca de 15, um adulto”.

Bilhete de Identidade

Nome científico: Ricinus communis L.

Nome vulgar: Mamoeiro, mamona, carrapateira

Família: Euphorbiaceae

Origem: África Oriental

Bibliografia

Carvalhal, F. (1931). Monografia sobre a cultura do rícino no arquipélago dos Açores. Correio dos Açores, 17 de junho.

Corsépius, Y. (1997). Algumas plantas medicinais dos Açores. Edição do autor.99 pp.

Delaveau, P., Lorrain, M., Mortier, F., Rivolier, C., Rivolier, J., Schweitzer, R. (1983). Segredos e Virtudes das Plantas Medicinais. Lisboa, Selecções do Reader’s Digest. 463 pp.

Gomes, A, (1993). A alma da nossa gente: repositório de usos e costumes da Ilha Terceira, Açores. Angra do Heroísmo, Direcção Regional dos Assuntos Culturais. 498 pp.

Ramos, A. (1871). Noticia do Archipelago dos Açores e do que ha mais importante na sua História Natural. Lisboa, Typographia Universal. 227 pp.

Vieira, V., Moura, M., Silva, L. (2020). Flora terrestre dos Açores. Ponta Delgada, Letras Lavadas. 356 pp.