domingo, 24 de dezembro de 2023

Gigante: uma beldade que esconde um monstro


Gigante: uma beldade que esconde um monstro

O gigante (Gunnera tinctoria (Molina) Mirb.) é uma planta herbácea perene, com rizomas volumosos, que pode atingir 2 m de altura. As suas folhas alternas podem atingir até 1,5 m de diâmetro. A floração ocorre entre os meses de junho e setembro.

Originário da América do Sul (Andes), o gigante encontra-se naturalizado em algumas regiões do mundo, não se sabendo exatamente a data da sua chegada aos Açores e quem foi o responsável pela sua introdução.

Esta vistosa planta, que veio para cá para ser usada com fins ornamentais, é comestível e apresenta propriedades medicinais. Assim, os pecíolos das folhas são utilizados crus, em saladas, as folhas são usadas na preparação de um prato típico do arquipélago de Chiloé (Chile) e o caule é usado medicinalmente devido às suas propriedades adstringentes.

Todos os autores consultados são unanimes em considerar que o gigante se escapou ao cultivo nos jardins das Furnas, tendo o botânico sueco Erik Sjögren, no livro “Plantas e Flores dos Açores”, publicado em 2001, escrito que “a invasão da vegetação açoriana por esta nova planta exótica começou há algumas décadas. No entanto ainda é possível fazer alguma coisa para que não ocorra outro desastre, como foi a invasão pela conteira (Hedychium gardnerianum).

Naturalizado nos Açores desde 1966, o gigante, que estava circunscrito à zona oriental da ilha de São Miguel, devido a ser uma planta altamente competitiva já ocupa áreas muito grandes da ilha de São Miguel, não apenas da zona referida, mas também na zona ocidental, de que é exemplo a Serra Devassa, próximo da freguesia das Sete Cidades.

A dispersão desta invasora na ilha de São Miguel, pondo em risco a floresta nativa da ilha é um exemplo da negligência dos sucessivos governos regionais dos Açores que pouco ou nada fizeram para combater esta praga enquanto ela ocupava uma área muito mais pequena, apesar dos apelos dos cientistas e das organizações não governamentais de ambiente, como os Amigos dos Açores-Associação Ecológica.

Neste momento, acho que já será quase impossível a sua erradicação e o seu controlo é urgente, mas com custos muito mais elevados para os contribuintes do que os envolvidos se o combate fosse feito atempadamente quando surgiram os alertas.

Para avivar a memória dos mais esquecidos, recordo um comunicado, datado de 1991, da responsabilidade da direção dos Amigos dos Açores:

“… Já em 1989, os Amigos dos Açores alertaram as entidades oficiais, nomeadamente a Secretaria Regional do Turismo e Ambiente, para a necessidade de se desenvolver um efetivo, eficaz e urgente combate àquela infestante. Numa reunião havida em 4 de abril de 1990, voltamos a alertar a SRTA e a Direção Regional do Ambiente para o problema, tendo como resposta que o assunto estaria a ser tratado pela Secretaria Regional da Agricultura e Pescas e Universidade dos Açores.

Por outro lado, já algumas vezes foi tornada público a existência de uma verba disponível e afetada para o efeito, mas o combate àquela praga continua a não passar das secretárias …”

A confirmar a negligência governamental, no Açoriano Oriental, de 13 de outubro de 1991, o diretor dos Serviços Florestais, eng. Albano Salvador, afirmou o seguinte: “os serviços florestais já fizeram parte de uma comissão que nunca mais funcionou e que trata das plantas e árvores dentro das reservas e não fora delas”, tendo acrescentado que “os serviços, por sua iniciativa, estão a tentar, dentro do perímetro florestal, sendo o caso de uma área entre a Achada e a Algarvia, dar cabo da Gunera”.

No artigo intitulado «“Gigante” Ataca Pastagens e Vegetação Primitiva», Ana Paula Fonseca, jornalista que se interessava por abordar questões ambientais, dá a conhecer que, segundo declarações do eng. Albano Salvador, aqueles serviços estavam a ensaiar o combate àquela espécie com herbicidas, mas que ainda não havia resultados, pois a experiência havia começado há pouco tempo.

Pico da Pedra, 23 de dezembro de 2023

Teófilo Braga

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