quinta-feira, 18 de agosto de 2016

As touradas à corda em números

Alice Moderno, a política e os políticos (1)


Alice Moderno, a política e os políticos (1)

“85% de analfabetos numa região europeia! Chega a causar vertigens e calafrios, e nada mais seria preciso para que o regímen monárquico que mantinha no trono os Braganças fosse condenado à pena última por aqueles que, por acaso, sabem ler” (Alice Moderno, Revista Pedagógica, nº 199, 14 de dezembro de 1911)

De acordo com a professora Conceição Vilhena, para Alice Moderno a política “é um serviço público e não uma forma de promoção da mediocridade palradora; uma tarefa de interesse para a comunidade e não um processo de enriquecer facilmente” e o “político deve ser um servidor da comunidade, esquecido das suas próprias conveniências”.

Alice Moderno, que não pode ser considerada uma vira-casaca pois já era republicana antes da república chegar, foi “uma republicana militante, convicta” que com o decorrer do tempo desiludiu-se com a prática dos republicanos.

Embora não conheçamos nenhum texto seu ou qualquer documento que mencione a sua filiação num partido político, o Dr. Carlos Melo Bento, refere a sua adesão, após a implantação da República, ao Partido Democrático.

Primeiro monárquica, admiradora dos reis que respeitavam e defendiam a liberdade do povo, como D. Pedro II do Brasil que aboliu a escravatura, nos últimos anos da monarquia condenou os Braganças. Em 1901, aquando da visita de D. Carlos e de D. Amélia aos Açores, Alice Moderno escreveu “Açores, Pessoas e Coisas” que dedicou à Rainha.

Ainda segundo a professora Conceição Vilhena, num texto intitulado “Eleições” publicado a 28 de abril de 1906, Alice Moderno “não tinha ainda aderido apaixonadamente às ideias republicanas, a julgar pela forma como admite tanto a república como a monarquia constitucional. Alguns meses depois, em 3 de Dezembro de 1906, em carta dirigida a Ana de Castro Osório escreve “Então que me diz ao movimento republicano que se está operando em todo o país? Felicito-a, ou antes, felicitem-nos que eu sou também uma republicana pur sang”.

Em 1909, também esteve ao lado dos estudantes do Liceu que foram presos por se manifestarem contra a proibição de representar a revista “Ou vai … ou racha” e por cantarem pelas ruas a canção republicada A Menina Rosa.

Alice Moderno saudou a implantação da República com um soneto, datado de 20 de outubro e publicado n’A FOLHA a 23 de outubro de 1910, que abaixo se transcreve:


Saudação

Este país “à beira mal plantado”,
De mal para pior andava dia-a-dia.
- De um lado o cortesão, ao paço avassalado,
E do outro a clericalha, a reverenda harpia.

El-Rei, triste fantoche, inerme, idiotizado,
Curva-se à sugestão da mãe, que o ama e vigia,
E cego, vê no altar, brilhante, iluminado,
O mais firme alicerce à velha monarquia.

Era enorme a ignomínia, e a bancarrota certa,
Mas o povo, ultrajado, um dia, enfim, desperta
Aos tiros do canhão, ao som da Marselhesa

Ó povo de Lisboa, ó grande e novo povo,
Mais uma vez achaste o rumo a um mundo novo,
Mais uma vez salvaste a honra portuguesa!

Na próxima semana voltaremos ao assunto.


Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31013, 18 de agosto de 2016, p.16)
Imagem: caricatura de Alice Moderno por Augusto Cabral publicada no Album Açoreano em 1903

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

A senhora Lysette Figueiredo e o Caldeirão


A senhora Lysette Figueiredo e o Caldeirão

Já, por mais de uma vez, fiz referência ao famoso Caldeirão, situado na Estrada da Ribeira Grande, que era impropriamente usado para sepultura de animais que para lá eram atirados vivos e que por falta de alimento e de água acabavam por morrer.

Neste texto, vou recordar o trabalho meritório da senhora Lysette da Cunha Augusto de Figueiredo que, em 1973, era a presidente da SMPA-Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, tendo sucedido a Fédora Serpa de Miranda, que por sua vez foi eleita presidente após o falecimento da sua fundadora, Alice Moderno.

Infelizmente tenho, até ao momento, muito pouca informação sobre a atividade da Senhora Lysette Figueiredo e da própria SMPA durante a sua presidência, mas das parcas informações recolhidas facilmente se chega à conclusão de que se tratava de uma cidadã muito dedicada à causa dos animais.

Em Janeiro de 1973, o jornal “Açores” elogiou “a dinâmica” presidente da SMPA que por várias vezes desceu ao Caldeirão com o objetivo de “salvar as criaturas vivas que lá se encontravam”.

A 3 de Fevereiro de 1973, o jornal “Açores” publicou um comunicado da SMPA onde aquela associação esclareceu que para o Caldeirão não eram atirados apenas animais mortos, velhos ou doentes. Com efeito, a presidente da SMPA encontrou lá animais “vivos, e outros com saúde relativa, mas todos cheios de fome e sede”, tendo retirado “razoável número de cães, todos eles válidos, cães de gado, como aqui se chamam, e até bons cães de guarda”.

Hoje, já não existindo o Caldeirão, as pessoas continuam a abandonar, impunemente, cães e gatos, não muito longe do local onde se situava o Caldeirão, no Canil Municipal de Ponta Delgada (Centro de Recolha Oficial (CRO) de Animais de Companhia de Ponta Delgada), bem como um pouco por todo o lado, inclusive nos ecopontos.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31012, 17 de agosto de 2016, p.16)

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Francisco de Amaral Borges e o vegetarianismo


Francisco de Amaral Borges e o vegetarianismo


Depois da fase do incentivo ao consumo de carne e de outros produtos extraídos dos animais, nos últimos tempos tem crescido o número de pessoas que, por razões de saúde, por motivações ambientais ou por preocupações com o tratamento e abate de animais, tem alterado os seus hábitos alimentares, quer reduzindo, quer eliminando todos os alimentos de origem animal.

O vegetarianismo que começou por ser condenado pelas entidades oficiais, passou a ser olhado de outra maneira a partir do momento em que a Direção-Geral de Saúde editou o manual “Linhas de Orientação para uma Alimentação Vegetariana Saudável”, isto é em julho de 2015.

O surgimento de uma associação vegana em São Miguel é fruto da divulgação entre nós das várias correntes do vegetarianismo e da procura de um novo estilo de vida e não tem qualquer relação com as pessoas que no passado optaram por viver e alimentar-se fugindo ao que era mais comum.

De entre as pessoas que temos conhecimento e que de algum modo foram precursoras do que hoje está a acontecer destaco o Dr. Francisco Amaral Borges que foi professor de inglês na Escola Secundária Antero de Quental.

Em 1972, o “Circulo de Amigos da Lagoa” promoveu uma palestra intitulada “O naturismo como ideal ao serviço da saúde” que foi proferida pelo Dr. Francisco Amaral Borges e transcrita na íntegra em dois números do jornal “Açores”.

Através da leitura do texto da palestra, a primeira conclusão que se tira é a de que uma das motivações para a prática do naturismo é a saúde, como se pode ver através do seguinte extrato:

“Se uma nação só é verdadeiramente rica quando possui cérebros lúcidos e geniais capazes de tornarem uma sociedade feliz em todos os domínios, somos levados a concluir que a profilaxia das doenças crónicas e a prática de uma alimentação racional só poderão fazer-se ensinando a vier com saúde”

O que era para o Dr. Francisco Borges viver com saúde?

Viver com saúde é viver tendo em conta os perigos das bebidas alcoólicas, do tabaco, da poluição, dos erros de dietética e da vida sedentária, entre outros.

No que diz respeito à alimentação, o palestrante defendeu que o naturismo “ensina a respeitar a existência de todos os seres e como tal condena a alimentação cárnea, considerando-a criminosa pelo atentado que isso representa contra a vida dos animais, que, pertencendo, como nós, à mesma escala de evolução, lhes assiste também o direito de um lugar devido”.

Depois de passar grande parte da palestra a demonstrar os malefícios da carne e a desmontar a ideia de que a proteína animal era superior à vegetal, o Dr. Francisco Amaral Borges socorreu-se da espiritualidade/religião para apoiar as suas ideias, afirmando que Cristo “pertencia à seita dos Essénios, que eram estritamente vegetarianos”.

Homem de convicções fortes, o Dr. Francisco Amaral Borges terminou a sua palestra demonstrando uma confiança inabalável num futuro diferente, como se pode ler pelo seguinte extrato:

“A defesa de uma causa - quando justa - é sempre difícil e demorada. E são sobretudo as causas que visam o interesse geral e coletivo as que mais dificuldades oferecem. Elas requerem, para serem sustentadas, muita persistência, tenacidade e confiança, durante muitos anos, tantos que uma existência, só, não basta para as impor à luz da razão. Mas a fé move montanhas, como sói dizer-se, opera prodígios, porque os que a possuem nunca desanimam e confiam ainda na natureza boa do Homem”.

A palestra não deverá ter deixado ninguém indiferente, o mesmo aconteceria se fosse proferida hoje. Também, considero que há pontos de convergência entre o pensamento do Dr., Francisco Amaral Borges e o dos vegetarianos de hoje, sendo o principal a fé na possibilidade de haver um mundo novo melhor para todas as criaturas.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31007, 10 de agosto de 2016, p.16)

Lysette Figueiredo e a SMPA em 1971


Lysette Figueiredo e a SMPA em 1971

No presente texto, faço referência ao funcionamento da SMPA- Sociedade Micaelense Protetora dos Animais e às dificuldades encontradas por quem se dedicava, em 1971, à causa animal.

Sobre o associativismo, tanto no tempo de Alice Moderno como sob a presidência da senhora Lysette Figueiredo, a SMPA teve um funcionamento que é exemplo para as associações atuais. Com efeito, sempre houve a comunicação aos associados sobre o que faziam. A título de exemplo, refere-se que nos dias 13 e 27 de novembro de 1971 realizou-se uma assembleia geral onde, de acordo com o jornal “Açores”, de 27 de novembro, naquele dia “a senhora D. Lysette da Cunha Augusto de Figueiredo, que tem com a maior proficiência presidido à Direção, comunicará aos sócios a feliz consecução de alguns dos desideratos da Sociedade”.

Sobre as dificuldades encontradas por quem se dedicava à proteção dos animais, a senhora Lysette Figueiredo, numa carta aberta dirigida ao diretor do jornal Açores mencionu, entre outras, as seguintes:

- Os riscos que “correram aqueles que uma vintena de vezes desceram ao Caldeirão”;
- Os vexames sofridos porque passou ao “chamar a atenção do Fiscal dum recinto público para as condições de alojamento de animais;
- Ser mordida por um cão, de uma senhora que “tem vinte e um cãezinhos dentro de casa”;
- A recusa em ceder terreno para instalar “um recinto para recolha de animais chamados vadios”;
- As coisas bem desagradáveis que ouvia quando pessoalmente ia cobrar as quotas para “economizar a verba dum cobrador”.

Termino com a apresentação de um caso caricato que ocorreu quando um cidadão quis resgatar um animal que tinha sido apanhado na rede. Segundo a senhora Lysette Figueiredo, a pessoa em questão “dirigiu-se ao departamento municipal competente para tirar a licença, e qual não foi o seu espanto ao exigirem-lhe a importância de 200$00 de multa. Mas porquê? Esse senhor não era dono do cão. Portanto difícil de entender a multa que pagou […]. Teve mesmo de pagar, se quis ter a íntima alegria, ditada pela consciência de tomar conta do cãozinho que ia ser abatido”.

Este caso faz-me recordar o que se passa hoje, onde se paga para adotar e não por abandonar. Assim, abandonar um animal num canil é um ato tão banal como atirar um papel de rebuçado para um caixote do lixo. Até quando?

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31006 de 9 de agosto de 2016, p.16)

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

MARCONI, O CIENTISTA QUE VISITOU O FAIAL


MARCONI, O CIENTISTA QUE VISITOU O FAIAL

Na minha qualidade de professor de Física e Química, sempre que lecionava a disciplina de Física ao 12º ano de Escolaridade organizava visitas de estudo às instalações da Companhia Portuguesa Rádio Marconi.

As visitas tinham sempre dois objetivos principais: fazer com que os alunos entrassem em contacto com engenheiros eletrotécnicos e mecânicos, ficando a conhecer uma das possíveis saídas profissionais e contatar aplicações práticas de conteúdos lecionados nas aulas, nomeadamente os relacionados com lançamento de satélites, o movimento destes e as comunicações à distância.

Fruto da evolução científica e tecnológica, a funções desempenhadas pela referida empresa deixaram de ter importância em termos de comunicações e as instalações foram sendo progressivamente desativadas. Por tal motivo, penso que uma das últimas visitas que fiz foi em 2002 com alunos da Escola Secundária da Ribeira Grande.

Mas, quem foi Marconi e que contributo deu para a ciência?

Guglielmo Marconi foi um físico e inventor italiano que nasceu em Bolonha a 25 de abril de 1874 e faleceu, subitamente, em Roma a 20 de junho de 1937.

Depois de o seu trabalho ter sido contestado nos Estados Unidos da América, nomeadamente por não ter descoberto nenhum aparelho, o seu mérito acabou por ser reconhecido, tendo, em 1909, recebido o Prémio Nobel da Física, juntamente com o físico alemão Karl Ferdinand Braun que descobriu os semicondutores e a quem se deve o aperfeiçoamento dos transmissores de Marconi.

O que fez então Marconi para ver reconhecida a sua obra científica?


Utilizando e aperfeiçoando instrumentos criados por outros cientistas e fazendo recurso de conhecimentos de outros, nomeadamente de Heinrich Hertz, físico alemão, que produziu pela primeira vez ondas eletromagnéticas em laboratório, Marconi realizou um conjunto de experiências que tornaram possível o estabelecimento de comunicações entre dois pontos distantes não ligados entre si por fios condutores.

Assim, em 1895, Marconi conseguiu estabelecer comunicações entre dois pontos distantes de 3 km, em1897, estabeleceu a comunicação entre La Spezia e um navio de guerra italiana que estava a 18 km de distância, em 1899 fez a transmissão entre a França e Inglaterra, distanciadas entre si de cerca de 50 km, em 1901, estabeleceu a primeira comunicação intercontinental, entre a Inglaterra e o Canadá e, em 1924, conseguiu a transmissão “da palavra humana” entre a Inglaterra e a Austrália.

Viajando no seu iate, Marconi, em 1922, esteve na ilha do Faial. No dia antes da largada daquela ilha, a Câmara Municipal da Horta prestou-lhe uma grande homenagem, tendo-o proclamado como cidadão honorário.



Teófilo Braga


segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O Dr. Teófilo Braga e os animais




O Dr. Teófilo Braga e os animais

Em texto anterior escrevi sobre a profunda amizade existente entre Teófilo Braga (1843 - 1924), um dos maiores vultos da cultura portuguesa e um dos açorianos que pela sua obra literária, intervenção cívica e política mais alto elevaram o nome dos Açores, e a acérrima defensora dos direitos dos animais Alice Moderno.

Como prova do bom relacionamento entre Teófilo Braga e o movimento de defesa dos animais, é possível encontrar na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada um cartão enviado, a 28 de maio de 1909, pela Sociedade Protetora dos Animais do Porto, àquele, então “Presidente da Academia das Ciências de Portugal”, onde se pode ler o seguinte:

“A Direção da Sociedade Protetora dos Animais esperando ser honrada por V. Exª com duas linhas de apreciação sobre o livro “Um golpe na rotina”, já enviado a V. Exª., saúda-o e associa-se à justa homenagem de consagração que a Academia das Ciências de Portugal vem de prestar a V. Exª.”

O livro “Um golpe na rotina” constava de um parecer, da Sociedade Protetora dos Animais do Porto, sobre o limite de cargas apresentado à Exma. Câmara Municipal do Porto com a colaboração de ilustres professores, engenheiros e médicos veterinários, um dos grandes problemas com que se debatiam as associações na altura em todo o país, não constituindo os Açores uma exceção. Com efeito, a Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, surgida dois anos depois, também tinha como grandes objetivos proteger os animais de companhia dos abandonos e os de tiro dos maus tratos e dos excessos de cargas que eram obrigados a transportar.

A atitude de Teófilo Braga de sobre a tauromaquia pode ser conhecida através da publicação da feminista e republicana Vitória Pais Freire de Andrade “A ação dissolvente das touradas”.

De acordo com Vitória Andrade, Teófilo Braga “quando em 1889 foi demolida a célebre praça do Campo de Sant’Ana, e nesse mesmo ano foi apresentada à Câmara Municipal uma proposta para ela conceder terreno no Campo Pequeno, a fim de ali se fazer uma praça de touros, protestou com toda a energia para que tal concessão se não fizesse, atentos os fins desmoralizadores a que se destinava. Como porém se encontrava desacompanhado na luta, muito embora defendendo a verdade e a razão, foi vencido…”

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31000, 2 de agosto de 2016, p.16)