quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

18 de Janeiro de 1934



A Greve de 18 de Janeiro de 1934 e os Açores

Para quem a seguir ao 25 de Abril de 1974 se empenhou na construção de uma sociedade mais justa, integrado em organizações de esquerda ou da esquerda da esquerda, o 18 de Janeiro de 1934 foi sempre uma data anualmente recordada como um marco da história da luta contra o fascismo.
Tal como muitos outros episódios da nossa história, a greve geral insurrecional de 18 de Janeiro tem sido apropriada por diversas correntes políticas que a consideram ter ocorrido por sua iniciativa ou por iniciativa de sindicatos por elas influenciados. Assim, segundo alguns historiadores, o PCP, que primeiro classificou o evento como uma “anarqueirada”, mais tarde veio reclamar para si a organização da greve, sobretudo nos locais onde a mesma teve maior adesão, como na Marinha Grande.
A greve geral revolucionária de 18 de Janeiro de 1934, segundo vários historiadores, entre os quais Irene Pimentel e Maria de Fátima Patriarca, foi da iniciativa da CGT-Confederação Geral do Trabalho (anarco-sindicalista), da CIS- Comissão Intersindical (comunista), da FAO (Federação das Associações Operárias (socialista) e por membros da COSA- Comité das Organizações Sindicais Autónomas e teve por objetivos imediatos o protesto contra o Estatuto do Trabalho Nacional e Organização dos Sindicatos Nacionais e o derrube do regime salazarista.
Pelas mais diversas razões, a greve fracassou e seguiu-se um período de repressão, com a desarticulação de grande parte das organizações, a prisão de centenas de militantes, alguns dos quais foram deportados, tendo alguns deles morrido posteriormente no campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde.
Entre os deportados que faleceram, em Cabo Verde, encontrava-se Mário dos Santos Castelhano, na altura coordenador da CGT e um dos principais organizadores da greve geral, que havia sido preso três dias antes, resultado de denúncia cujo autor nunca foi identificado.
Em Outubro de 1930, Mário Castelhano e outros catorze deportados chegaram à ilha do Pico onde permaneceram algum tempo. Depois da saída do Pico, que emocionou muitos dos seus habitantes, foi para a ilha da Madeira, onde voltou a participar numa revolta que se iniciou a 4 de Abril de 1931 e que, a 8 de Abril, se estendeu a algumas ilhas dos Açores.
Na sequência dos acontecimentos de 18 de Janeiro de 1934, Mário Castelhano foi condenado a 16 anos de degredo, tendo em Setembro de 1934 partido para a ilha Terceira, onde esteve, na Fortaleza de São João Batista, até Outubro de 1936, ano em que foi enviado para o Tarrafal, onde viria a morrer, a 12 de Outubro de 1940, aos 44 anos, vítima de deficiente alimentação e de falta de medicação adequada por parte do médico Esmeraldo Pratas.
Sobre a greve geral de 1934, a imprensa açoriana, durante alguns dias, foi transcrevendo as notícias que iam sendo publicadas a nível nacional e as declarações das entidades oficiais.
De entre os jornais existentes, o Correio dos Açores distinguiu-se dos restantes, tendo no dia a seguir, 19 de Janeiro, noticiado a “tentativa de greve geral revolucionária, malograda devido às rápidas e enérgicas providências tomadas pelo governo” que havia reunido durante toda a madrugada.
Ao longo de vários dias, o jornal foi publicando notícias sobre a greve geral, até que no dia 26 de Janeiro o Correio dos Açores dedicou toda a primeira página e parte da segunda ao assunto.
Para além de uma descrição pormenorizada do que se havia passado, tanto em Lisboa como no resto do país, foram publicadas declarações do Ministro da Guerra e do Ministro do Interior. Este afirmou que “os acontecimentos … não podem considerar-se um movimento organizado com uma finalidade definida, mas apenas um propósito firme e averiguado de alterar a ordem e criar em todo o país um ambiente terrorista…”
No mesmo número do jornal mencionado, são publicadas informações prestadas pela PVDE, segundo as quais, a maioria dos implicados eram “rapazes novos” que se consideravam comunistas e raros eram os que se declaravam anarco-sindicalistas.
Não foi possível, até agora, apurarmos a participação de açorianos na greve geral, o que se sabe é que a grande maioria dos condenados na sequência do 18 de Janeiro foram enviados para o Depósito de Deportados de Angra do Heroísmo, que havia entrado em funcionamento em Novembro de 1933.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 3027, 26 de Fevereiro de 2014)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Alice Moderno



A propósito do aniversário da morte de Alice Moderno

No próximo dia 20, do corrente mês de fevereiro, fará 68 anos que faleceu Alice Moderno, personagem ímpar que marcou a sua época e que continua a inspirar todos os que lutam por uma sociedade melhor, nomeadamente para quem se bate para que o bem-estar animal e os direitos dos animais sejam reconhecidos na prática e não passem de meras palavras para embelezar discursos de circunstância.
Um trabalho importante, talvez o de maior envergadura até ao momento, para a perpetuação da memória de Alice Moderno foi feito pela professora Doutora Maria da Conceição Vilhena que, para além de vários textos, foi autora dos livros Alice Modernoa mulher e a obra”, editado pela Direção Regional dos Assuntos Culturais e “Uma Mulher Pioneira” editado pelas Edições Salamandra.
Nos nossos tempos livres, temos procurado pesquisar e compilar, nos jornais de Ponta Delgada onde ela colaborou ou chegou a dirigir, como o “Correio dos Açores”, onde manteve durante muitos anos a seção “Notas Zoófilas” “A Folha”, “O Recreio das Salas”, o “Diário dos Açores” e o Académico”, os seus escritos relativos à questão animal, com vista a conhecer melhor a sua vultuosa obra, a aprender com os erros do passado e a divulgar, sobretudo junto das pessoas que hoje, nos Açores, estão a prosseguir a luta por ela abraçada durante uma parte significativa da sua vida.
Conhecendo relativamente bem a sua personalidade, tal como já esperávamos, temos encontrado textos de Alice Moderno que com ligeiras adaptações mantêm-se perfeitamente atuais. De entre os exemplos possíveis, destacamos “Animais nossos amigos…”, texto de um discurso proferido por Alice Moderno numa reunião da SMPA - Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, que foi publicado, no Correio dos Açores, a 30 de Janeiro de 1934.
No referido texto, Alice Moderno depois de mencionar que “em todos os países cultos, a proteção e assistência aos animais constitui um dever cívico, a que ninguém se exime, e pelo cumprimento do qual as leis olham cuidadosamente, rigorosamente, mesmo”, lamenta que, “em São Miguel, com sincera mágoa” pouco havia sido feito.
Sabendo-se que a SMPA foi fundada em 1911 e que uma vintena de anos depois a situação, segundo ela, estava muito longe de ser a ideal interessa-nos saber a razão?
As autoridades não colaboravam com a SMPA, as propostas da SMPA eram muito avançadas para a época, em que as dificuldades económicas de uma parte significativa da população eram enormes, ou os próprios dirigentes da sociedade pela sua apatia não foram capazes de implementar as suas ideias/propostas?
Hoje, em que uma parte crescente dos cidadãos se empenha em movimentos de solidariedade, não só para com humanos que vivem em regiões com poucos recursos naturais ou são governados por dirigentes corruptos, mas também para com quem na nossa terra foi espoliado do seu direito a ter um trabalho digno e uma remuneração justa, e onde a causa animal ganha, dia a dia, cada vez mais seguidores, é indispensável conhecer a vida e a obra de uma mulher que despendeu muitas das suas energias em várias causas humanitárias, como é a proteção dos animais, que segundo ela “sofrem muitas vezes estoicamente, sem um queixume, os maus tratos que a crueldade humana lhes inflige”.
Desafiamos as entidades oficiais a organizar um ou mais eventos que contribuam para dar a conhecer a obra de Alice Moderno, na literatura, no ensino, na luta pelos direitos das mulheres, na defesa dos animais e das plantas, às gerações que hoje a ignoram por completo.
Se nenhuma entidade oficial se mostrar disponível para tal, as associações de proteção dos animais deviam juntar esforços para o fazer, pelo menos no que diz respeito à causa que abraçaram.
Outro grande passo para perpetuar a sua memória será a luta pela concretização do grande sonho da SMPA e de Alice Moderno que era “estabelecer um Lazareto para tratamento dos animais achados quando abandonados pelo dono” e que hoje deve ser o de “criar” um moderno Hospital Veterinário “Alice Moderno”.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 3023, 19 de Fevereiro de 2014, p.11)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

o pioneirismo do jornal vilafranquense “O Autonómico” (2)



Defesa animal: o pioneirismo do jornal vilafranquense “O Autonómico” (2)
Por que é que o sofrimento dos animais me comove tanto? Porque é que eu não posso ficar insensível à ideia de que um pobre animal sofre, a ponto de me erguer de noite, em pleno inverno, para me certificar de que ao meu gato não falta ração de água? Por que é que a todos os seres da criação considero como relacionados comigo, e a sua lembrança me enche de comiseração, de tolerância e de ternura? Porque os animais fazem também parte da comunidade a que pertenço e a que pertencem todos os meus semelhantes!” (Emílio Zola)
No último texto publicado neste jornal referimos a atitude precursora do jornal “O Autonómico no que diz respeito à proteção dos animais e apresentamos como exemplo a preocupação de alguns dos seus colaboradores relativamente às aves engaioladas e à (má) sorte dos cães.
Neste número do jornal, faremos referência a espécies e atividades, não mencionadas no anterior, que eram alvo de textos de vários colaboradores e do próprio proprietário e editor do jornal, António Rodrigues Carroça.
A 7 de Agosto de 1937, “O Autonómico” publicou um “Apelo de Cavalo”, onde este implora ao seu dono para que lhe dê de comer, lhe mate a sede e o guarde no fim do dia ou do trabalho em “lugar asseado, seco e ao abrigo das intempéries”.
O cavalo, também, pede para que seja poupado ao “suplício das chicotadas” e para que o dono averigue se está tudo bem no que diz respeito aos arreios e se as ferraduras estão em condições de não magoar as suas patas.
Por fim, o cavalo solicita “em nome de Aquele que quis nascer numa estrebaria” para que quando a velhice chegar não seja condenado “a morrer de fome e de doenças sob o chicote de algum carroceiro cruel”.
 A 5 de Fevereiro de 1938, Luís Leitão, que compilava e por vezes traduzia pequenos textos de vários autores, cita Alfredo Gallis (1859-1910), jornalista e romancista muito conhecido nos finais do século XIX, que sobre as corridas de touros escreveu o seguinte: “A tourada como simples recreio é fatigante e brutal, e como princípio educativo, porque os divertimentos públicos devem sempre conter este princípio, considero-a a mais perniciosa e selvagem possível”. Hoje, este pensamento adquire cada vez mais adeptos que não admitem que qualquer tradição por mais antiga que seja se possa sobrepor ao sofrimento de seres humanos ou de quaisquer outros animais para divertimento de uns poucos ditos racionais.
Nos últimos anos tem crescido, em todo o mundo, o número de organizações e ativistas que se opõem a todos os desportos em que há sofrimento animal. Sobre o assunto, a 23 de Dezembro de 1939, Luís Leitão divulgou um texto publicado na revista belga “Nos Meilleurs Amis” onde são condenados os “jogos desportivos que produzem ou importam sofrimentos não merecidos aos animais”. No referido texto o autor condena-os também porque os mesmos foram criados e mantidos “pelas classes mais altas, aquelas que não podem invocar a ignorância como desculpa nem a falta de educação…”
E quais eram os jogos que, de acordo com a revista, deveriam ser banidos? A resposta da mesma é a seguinte: “sob o ponto de vista moral não deve admitir-se nenhuma corrida de cavalos, o tiro aos pombos, as touradas e os combates de galos – tudo diversões cruéis e imorais”.
Tal como era então denunciado por outros jornais locais, “O Autonómico” alertava para os maus tratos que eram infligidos aos animais de tiro e que ainda hoje prosseguem, embora cremos que em menor número não devido à compaixão dos seus donos mas porque os mesmos foram substituídos por veículos motorizados.
A 18 de Setembro de 1943, o jornal alertava para a necessidade de haver “uma constante fiscalização nos caminhos, ruas e estradas, sobre o modo como são carregadas as carroças puxadas por muares, bestas cavalares e especialmente bois” pois “alguns condutores de carroças e proprietários das mesmas entendem que estas mesmas carroças devem trazer toda a beterraba de uma só vez, para economia de tempo e de frete”.
Para além do excesso de carga, o jornal aponta o facto de muitos dos condutores usarem “compridos e agudíssimos aguilhões nas pontas das varas com que tangem os animais, o que é um barbarismo e uma malvadez”.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 3012, 5 de Fevereiro de 2014, p.16)