quarta-feira, 28 de julho de 2021

Sobre as Observações Ornitológicas do Eng. José Maria Álvares Cabral (3)

 


Sobre as Observações Ornitológicas do Eng. José Maria Álvares Cabral (3)

 

Em 1968, pela primeira vez surge uma referência à ave mais emblemática dos Açores, o priolo. Dado o interesse da nota, reproduzimos quase na íntegra o que o Eng. José Maria Álvares Cabral escreveu:

 

“Os senhores Drs Victor Cabral Macedo e Carlos Manuel da Silva Medeiros apareceram no Museu no dia 14 do mesmo mês [janeiro] apresentando um exemplar de Pyrrhula pyrrula murina morto na data em epígrafe [13 de janeiro]. Foi o resultado dum prémio de 500$00 prometidos pelo Museu a quem apresentasse, neste, um exemplar vivo ou morto daquela espécie.  Tinha sido apanhado vivo, numa esparrela, com flores de uma espécie de Polygonum na véspera, mas morreu durante a noite. …. Facto sensacional para a ornitologia açoriana a captura dum exemplar duma espécie que muitos consideravam extinta e que é peculiar a S. Miguel. Um comunicado do Museu assinado por mim revelou ao público a realidade da existência da espécie […]. Ficou assim desfeito o mito do seu desaparecimento.”

 

Mencionado por Gaspar Frutuoso nas Saudades da Terra, o priolo, tem sido estudado ao longo dos tempos e foi fortemente perseguido por causar prejuízos nos pomares.

 

A raridade do priolo foi mencionada por diversos estudiosos nacionais e estrangeiros. O jornal Correio dos Açores, em novembro de 1971, refere que “nos últimos anos tem sido por mais de uma vez discutida ou posta em dúvida, nos sectores mais diretamente ligados aos estudos de ornitologia, a presença em S. Miguel de uma ave rara, que, segundo parece, só existe nesta ilha”. O texto termina com a menção à captura de um priolo, no dia 1 de novembro, na Lagoa das Furnas. A ave encontrava-se “na propriedade ao lado do antigo Jardim José do Canto” e foi apanhada por João Moniz Frias que a entregou aos Serviços Florestais que por sua vez a encaminhou para o Museu Carlos Machado para enriquecer a coleção lá existente.

 

No final da década de 70 do século passado, num texto intitulado “Priolo, a ave mais interessante de S- Miguel”, publicado na revista “Açoreana”, Gerald Le Grand, ornitólogo francês que viveu nos Açores no final da década de 70 e primeiros anos da década de 80, estimou a população daquela espécie em cerca de 30 a 40 casais, confinada à vegetação endémica em redor do Pico da Vara.

 

Nos últimos anos a população do priolo tem aumentado, estimando-se em cerca de 970 indivíduos em 2018, o que fez com que o seu estatuto deixasse de ser “Criticamente em Perigo de Extinção” para “Vulnerável”.

 

Possivelmente no âmbito do prémio referido, foi apresentada no dia 21 de janeiro, pelo Dr. Filomeno António de Melo Cabral, uma ave como sendo um priolo capturado no Nordeste. Depois de observada, verificou-se que se tratava de uma laverca (Alauda arvensis).

 

Gérald Le Grand, na sua tese de doutoramento intitulada “Recherches sur l’ Écologie des Vertébrés Terrestres de l’Árchipel des Açores”, datada de 1993, menciona a captura de um exemplar da laverca em Ponta Garça, que se encontra no Museu Carlos Machado, pertencendo à coleção do padre vila-franquense Manuel Ernesto Ferreira.

 

No que diz respeito ao nosso pombo-torcaz, o eng. Álvares Cabral observa-o quase todos os dias em que fazia observações e por vezes em locais menos esperados. A propósito dos mesmos ele refere que nos dias 29 e 30 de agosto não viu nenhum e acrescenta que não era “de estranhar visto ter escrito quase todo o dia” e no dia 1 de setembro viu dois quando estava à porta da igreja das Sete Cidades a esperar pela missa.

 

Nas margens da Lagoa Azul, entre a Casa do Dr. Hermano de Medeiros e o Cais da Junta, no dia 13 de setembro foi observado um maçarico da espécie Tryngites subruficollis, de nome comum pilrito-canela, oriundo do norte da América. De acordo com o Eng. Álvares Cabral tratou-se da primeira observação daquela espécie nos Açores.

 

O ornitólogo Gérald Le Grand, na obra já referida, registou a presença do pilrito-canela no porto da Horta, onde observou dois exemplares em 1979 e em Vila Franca do Campo, em 1985, onde observou uma fêmea imatura.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32493, 28 de julho de 2021, p. 14)

Na ALRA em defesa das árvores

 


quarta-feira, 21 de julho de 2021

Sobre as Observações Ornitológicas do Eng. José Maria Álvares Cabral (2)

 


Sobre as Observações Ornitológicas do Eng. José Maria Álvares Cabral (2)

 

Em texto anterior referi que o Eng. José Maria Álvares Cabral relatava pormenorizadamente as suas longas “excursões” que, geralmente, fazia acompanhado do seu empregado Camilo. Hoje, farei referência a algumas observações realizadas em 1967.

 

No dia 5 de janeiro, saiu da Seara pelas 6 horas da manhã para apanhar a camioneta para o Portal do Vento. Dali seguiu a pé para a Lagoa do Canário e depois para o Caldeirão da Vaca Branca, tendo os dois se perdido no caminho, devido ao nevoeiro e ido parar a um ponto de altitude inferior ao da Lagoa Rasa da Serra Devassa. Voltaram ao ponto de partida, isto é, à Lagoa do Canário, passaram pela Lagoa do Junco e seguindo pela encosta do Pico das Éguas passaram pela Lagoa Rasa, pelo Caldeirão da Vaca Branca e pela Lagoa do Carvão e continuaram pela estrada até à Relva. Na Relva o Eng. Álvares Cabral apanhou a camioneta da Covoada para Ponta Delgada. Neste dia, a distância percorrida terá sido próxima dos vinte quilómetros.

 

No ano referido, o Eng. Álvares Cabral falhou no registo das datas de algumas saídas de campo, “por estar preocupado com a determinação das plantas do Jardim António Borges”, tarefa que terá realizado com alguma dificuldade dado o elevado número de espécies presentes, algumas até então incorretamente identificadas.

 

Quando comecei a ler estes registos, pensei que eram feitos durante os percursos e efetuados diretamente no caderno de campo, pois para além de serem anotados todos os passos dados na identificação das espécies, por vezes são apresentadas correções depois de repetidas as observações ou mesmo após a consulta de bibliografia, depois do Eng. regressar a casa. A título de exemplo, partilho uma nota que foi escrita no fim do registo da observação realizada a 17 de setembro de 1967:

 

“Nota: Aproveito o facto de estar transladando estas notas dum borrão no dia 29 de setembro de 1967 para acrescentar uma correcção: como se verá adiante esta ave não era de facto uma Sterna hirundo [garajau-comum] mas sim da espécie Chlidonias leucopterus [Gaivina- d´asa-branca].

 

O caderno que estamos a consultar, para além dos registos que são importantes para o conhecimento do património natural dos Açores, pode ter uma função pedagógica importante junto dos mais novos por mostrar que o conhecimento, para além de nunca estar completo, não cai do céu, isto é, precisa que alguém se esforce para o adquirir antes de ser partilhado.

 

Uma curiosidade que registo é que raramente as observações eram feitas apenas pelo Eng. José Maria Álvares Cabral. Com efeito, tal apenas acontecia nas que ocorriam na sua propriedade da Seara ou aos Domingos que eram feitas geralmente depois da missa a que assistia.

 

No que diz respeito a observações, destacamos o dia 10 de outubro em que no Areal Norte da Base da Península onde foi observado um pilrito-de-bico comprido (Calidris ferrugínea), em plumagem de outono. Sobre o assunto, o eng. Álvares Cabral escreveu o seguinte: “foi a primeira vez que vi esta espécie na natureza.”

 

Outra observação que chamou a atenção do Eng. Álvares Cabral pelo número de aves presentes, ocorreu no dia 16 de dezembro. Com efeito naquele dia, ele observou um “bando de 30 ou mesmo 50” Escrevedeiras-das-neves (Plectrophenax nivalis).

 

Não mencionando o nosso pombo-torcaz (Columba palumbus azorica) que era observado quase todos os dias, as aves observadas em maior número foram o marrequinho-comum (Anas crecca) e a rola-do mar (Arenaria interpress).

 

Registadas pela primeira vez no caderno de campo que vimos consultando, estão a Tarambola-cinzenta (Pluvialis squatarola) e a Caiada ou Chasco-cinzento (Oenanthe oenanthe).

 

Importante é também referir que nem sempre as saídas de campo são bem-sucedidas. Com efeito, o nevoeiro ou a chuva podem impedir a realização das observações. Outras vezes não se observa nada, como se pode constatar do registo efetuado a 23 de dezembro: “Fui de novo à Caldeira do Alferes sem que visse nada. Fui lá 2 vezes. A primeira pelas 8 horas da manhã e a segunda pelas 10 e 30, também da manhã”.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32487, 21 de julho de 2021, p.14)

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Sobre as Observações Ornitológicas do Eng. José Maria Álvares Cabral (1)

 

Fotografia: L. Ventura

Com os pés na terra (513)

Sobre as Observações Ornitológicas do Eng. José Maria Álvares Cabral (1)

 

Nos primeiros dias do mês de maio, estive a consultar o caderno de campo do Eng. José Maria Álvares Cabral, gentilmente posto à minha disposição pelo seu neto Rui Álvares Cabral. De acordo com o que se pode ler na capa do mesmo, trata-se do 2º volume de observações ornitológicas começadas a 7 de setembro de 1966 e acabadas a 12 de dezembro de 1974.

 

A observação de aves é uma atividade que pode ser feita por profissionais ou por amadores, existindo em todo o mundo milhões de ornitólogos amadores que praticam a atividade por razões sociais ou por lazer.

 

No caso do Eng. José Maria Álvares Cabral, temos a certeza de que na sua vida a ornitologia era uma paixão que estava associada ao seu espírito de cientista interessado em dar a conhecer o património natural da sua terra.

 

Os relatos diários das observações são muito pormenorizados. Neles normalmente é referida a hora do início da observação, algumas vezes ainda antes do Sol se levantar, do trajeto efetuado, por vezes vários quilómetros a pé, se era usado um barco ou não, o número e a espécie de aves observadas e se estava só ou acompanhado. Por vezes, no dia seguinte, são referidas correções às identificações anteriormente feitas.

 

Nas suas observações ornitológicas, o Eng. Álvares Cabral era geralmente acompanhado pelo seu empregado que ele regista como sendo Camilo, que se chamava Manuel da Costa e que era dos Mosteiros.

 

O Camilo, não era um mero acompanhante do Eng. Álvares Cabral, pois com a prática e com as observações que fazia acabou por se tornar num verdadeiro ornitólogo amador, cuja opinião era tida em conta. Assim, a título de exemplo, refiro que no dia 18 de novembro de 1966, o eng. Álvares Cabral descreve que foram vistas perto da Península aves mergulhando e que contra a sua opinião “o Camilo identificou-as como galeirões; Fulica atra” e acrescentou que “depois de observar com mais atenção as aves em referência concordei que a determinação do Camilo, em parte, estava certa”. No dia a seguir, quando se tratou de identificar a marrequinha-americana, o eng. Álvares Cabral teve em conta a observação do seu acompanhante, tendo escrito o seguinte: “Mas a concordância dos detalhes notados pelos 2 observadores, a saber a mancha amarela dos lados do rabo e a branca do cotovelo apontam com extrema probabilidade para a Anas carolinensis”.

 

Entre 7 de setembro de 1966 e o final daquele ano, foram realizadas 23 saídas de campo, onde foram feitas mais de uma centena de observações e identificadas cerca de 30 espécies não residentes/nidificantes.

 

No que diz respeito aos locais de observação, os principais foram a Caldeira do Alferes, a Lagoa Rasa da Criação, a Lagoa de Santiago e as margens da Lagoa Azul e da Lagoa Verde, com algum destaque para a Península e o Porto dos Mosteiros.

 

Das espécies subespécies endémicas dos Açores, o Eng. José Maria Álvares Cabral apenas registou uma vez o tentilhão (Fingilla coelebs moreletti) e por diversas vezes, o pombo torcaz (Columba palumbus azorica). Talvez, pela raridade, na altura, por diversas vezes a sua ausência foi notada, como por exemplo, a 23 de dezembro daquele ano, pode ler-se o seguinte: “Neste dia não vimos nenhum Pombo torcaz”.

 

No que diz respeito às espécies mais observadas, destacamos a rola-do-mar (Arenaria interpress), o marrequinho-comum (Anas crecca), o zarro-comum (Aythia ferina), o pato-real (Anas platyrhynchos) e o ganso-patola (Sula bassana).

 

Por último, selecionamos algumas das espécies observadas pelo eng. José Maria Álvares Cabral, que são consideradas de ocorrência rara, de acordo com informações constantes do livro “Observação de Aves nos Açores”, de Pedro Rodrigues e Gerbrand Michielsen: maçarico-das-rochas (Actitis hypoleucos), pilrito-de-colete (Calidris melanotos), pato-trombeteiro (Anas clypeata), perna-verde comum (Tringa nebularia), pilrito-de-Bonaparte (Calidris fuscicollis) e perna-vermelha-pequeno (Tringa flavipes).

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32481, 14 de julho de 2021, p. 14)

sábado, 10 de julho de 2021

Contra os subsídios à incineração

Carta enviada ao Ministro do Ambiente 



Foi enviada a seguinte mensagem em seu nome:

Venho por este meio transmitir a V. Exª a minha enorme preocupação com a decisão do Ministério do Ambiente e da Ação Climática de utilizar verbas do Fundo Ambiental, cerca de 50 milhões de euros até 2024, para suportar os sobrecustos associados à incineração de resíduos urbanos, solução que se encontra no segundo patamar mais baixo da hierarquia de resíduos, só acima do aterro, e que contribui diretamente para a emissão de gases de efeito estufa.

Por outro lado, os dois sistemas de gestão de RU do continente (VALORSUL e LIPOR), mantêm uma taxa de reciclagem claramente abaixo das metas europeias estabelecidas para 2020, demonstrando que na reciclagem não é, decididamente, uma aposta da tutela. Numa outra perspetiva, não se percebe qual o objetivo do MAAC em financiar uma solução como a incineração, em detrimento das outras soluções mais desejáveis no topo da hierarquia, nomeadamente o biogás produzido em unidades de digestão anaeróbia de bioresíduos.

Ao contrário da incineração, a transformação da fração orgânica dos resíduos urbanos (biorresíduos), em composto e biogás, contribui para o cumprimento de várias metas do plano de gestão de resíduos. De facto, este processo promove a redução do volume enviado para aterro e transforma um material rejeitado em recurso, ou seja, um processo que produz energia renovável e não liberta gases de efeito estufa.

Lembro ainda, que a Comissão Europeia emitiu um aviso (Commission notice 2021/C 58/01) no qual refere que o Plano de Recuperação e Resiliência não pode contemplar nenhuma medida que cause danos significativos ao cumprimento de determinados objetivos ambientais (Art. 17), nomeadamente a economia circular. Mais especificamente, o aviso da CE exemplifica os casos de atividades que danificam a economia circular, encontrando-se incluídos os processos que aumentam a produção, incineração ou deposição em aterro de resíduos urbanos, por causarem danos ambientais significativos e a longo prazo.

Também não se compreende como é que o Ministério justifica que a população residente fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto suporte os sobrecustos associados à incineração, em benefício de alguns poucos concelhos nas zonas mais ricas do país. Através do Fundo Ambiental, as regiões mais desfavorecidas vão suportar um custo económico injusto e contrário a uma ótica de coesão nacional.

Finalmente, considero que este subsídio à incineração de resíduos urbanos, através do Fundo Ambiental, é uma subversão total do que está estabelecido no Decreto-Lei n.º 102-D/2020, nomeadamente no seu Anexo III:

“ANEXO III – Exemplos de instrumentos económicos e outras medidas para incentivar a aplicação da hierarquia dos resíduos (a que se refere o artigo 7.º)

8- Supressão de subsídios que não sejam coerentes com a hierarquia de resíduos”.

Face ao exposto, apelo a V. Exa. que, enquanto Ministro do Ambiente e Ação Climática, tome medidas no sentido da revogação da legislação que está a permitir a utilização de avultadas verbas do Fundo Ambiental no financiamento da incineração de resíduos urbanos, financiamento esse que vai contra os objetivos ambientais, da proteção do clima e da tão falada economia circular.

Aguardando a melhor recetividade a esta solicitação, subscrevo com os meus cumprimentos.

9 de Julho de 2021
Teófilo José Soares de Braga

(Texto sugerido pela associação Zero)

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Ainda sobre o Padre Cassiano

 


Ainda sobre o Padre Cassiano

 

Numa entrevista, dada em 1982, ao jornal estudantil “Intervenção”, que se apresentava como quinzenário independente e que tinha como principais redatores os alunos da Escola Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, Francisco Coelho, Franklin Dutra, Paulo Alexandre Vieira Borges e Rui Fino e era dirigido por Hélio Vieira, o padre Cassiano deu a sua opinião sobre diversos temas, como as posições da igreja ao longo da história e o seu futuro, sobre a diferença entre a doutrina e a ação da igreja, sobre o celibato dos padres e sobre questões ligadas à paz e às guerras.

 

Por questões de espaço, neste texto apenas darei a conhecer a opinião do Padre Cassiano sobre a paz e a atuação da igreja ao longo dos tempos e sobre o futuro da mesma.

 

Ainda estávamos longe da queda da União Soviética, que só ocorreria nove anos depois. Na altura vivia-se com medo de uma nova guerra mundial com recurso a armas ainda mais mortíferas do que as usadas anteriormente.

 

Perguntado sobre como via a situação mundial a resposta foi otimista, lembrando que “havia muitos sinais de esperança” porque era “cada vez mais forte e generalizada a contestação da corrida aos armamentos pelas grandes potências, a consciência mundial desperta para o perigo nuclear”. Sempre com uma palavra de esperança, o Padre Cassiano concluiu afirmando que esperava “que a força dos que desejam a paz venha a desencorajar os poucos mas fervorosos adeptos da guerra”.

 

Naquela altura existia um, embora débil em Portugal, movimento de oposição à guerra e que advogava a recusa ao serviço militar obrigatório. A nível internacional havia e há um movimento, o “War Resister’s Intenational”, que proclamava que a guerra era um crime contra a humanidade e que estava disposto a lutar pela abolição de todas as suas causas.

 

O padre Cassiano, fazia a distinção entre guerras justas e injustas. Considerava que as de libertação eram justas, mas só deveriam ocorrer “depois de esgotadas as soluções pacíficas”. Sobre este assunto, acrescentou:

 

“Em tais guerras [as justas] a recusa de combater poderia justificadamente ser interpretada como traição às causas da justiça e da liberdade a que todos os povos têm direito e como aliança ou, no mínimo, contemporização com o inimigo opressor. Não é a mesma coisa combater pelas forças populares de El Salvador e pelo exército da Junta Militar que governa (oprime) o país. Mas nos restantes casos a objeção de consciência é perfeitamente legítima, e, mesmo, profundamente evangélica e cristã.”

 

Sobre a atuação da igreja, o Padre Cassiano, depois de ter afirmado que terá havido erros e virtudes, acrescentou que “em largos períodos da história (e ainda hoje) a instituição igreja funcionou como um poder, concorrente ou aliada de outros poderes. Daí ter sido mais forte o seu instinto de defesa do que a sua vocação de anunciar o Evangelho.”

 

Relativamente ao futuro, o Padre Cassiano afirmou que a Igreja tem futuro “num mundo mais evoluído intelectualmente” desde que continuem “a existir cristãos que, mais ou menos à margem da instituição, forem vivendo o Evangelho na sua pureza original. Refiro-me de modo especial às chamadas “comunidades de base”, já muito numerosas em diversos países. A Velha Igreja da Europa e também a aburguesada e endinheirada Igreja da América do Norte não têm grande futuro. A nova Igreja, essa está a nascer noutro lado e bem pode dizer-se que o centro dinamizador da verdadeira Igreja de Cristo já não é Roma, mas sim a América Latina”.

 

Perguntado sobre se a frase “Cristo Revolucionário” lhe dizia alguma coisa, a resposta foi afirmativa e esclarecedora:

 

“Ele não terá alinhado em qualquer movimento de libertação sociopolítica do seu tempo, mas as suas posições relativamente à organização da sociedade judaica de então foram claramente revolucionárias, sendo mesmo acusado e condenado pôr andar a “subverter o povo”. Só que a sua revolução ultrapassou muito os planos económico e político”.

 

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32475, 7 de julho de 2021, p.15)