Ainda
sobre o Padre Cassiano
Numa
entrevista, dada em 1982, ao jornal estudantil “Intervenção”, que se
apresentava como quinzenário independente e que tinha como principais redatores
os alunos da Escola Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, Francisco Coelho,
Franklin Dutra, Paulo Alexandre Vieira Borges e Rui Fino e era dirigido por Hélio
Vieira, o padre Cassiano deu a sua opinião sobre diversos temas, como as
posições da igreja ao longo da história e o seu futuro, sobre a diferença entre
a doutrina e a ação da igreja, sobre o celibato dos padres e sobre questões
ligadas à paz e às guerras.
Por
questões de espaço, neste texto apenas darei a conhecer a opinião do Padre
Cassiano sobre a paz e a atuação da igreja ao longo dos tempos e sobre o futuro
da mesma.
Ainda
estávamos longe da queda da União Soviética, que só ocorreria nove anos depois.
Na altura vivia-se com medo de uma nova guerra mundial com recurso a armas
ainda mais mortíferas do que as usadas anteriormente.
Perguntado
sobre como via a situação mundial a resposta foi otimista, lembrando que “havia
muitos sinais de esperança” porque era “cada vez mais forte e generalizada a
contestação da corrida aos armamentos pelas grandes potências, a consciência
mundial desperta para o perigo nuclear”. Sempre com uma palavra de esperança, o
Padre Cassiano concluiu afirmando que esperava “que a força dos que desejam a
paz venha a desencorajar os poucos mas fervorosos adeptos da guerra”.
Naquela
altura existia um, embora débil em Portugal, movimento de oposição à guerra e
que advogava a recusa ao serviço militar obrigatório. A nível internacional havia
e há um movimento, o “War Resister’s Intenational”, que proclamava que a guerra
era um crime contra a humanidade e que estava disposto a lutar pela abolição de
todas as suas causas.
O
padre Cassiano, fazia a distinção entre guerras justas e injustas. Considerava
que as de libertação eram justas, mas só deveriam ocorrer “depois de esgotadas
as soluções pacíficas”. Sobre este assunto, acrescentou:
“Em
tais guerras [as justas] a recusa de combater poderia justificadamente ser
interpretada como traição às causas da justiça e da liberdade a que todos os
povos têm direito e como aliança ou, no mínimo, contemporização com o inimigo
opressor. Não é a mesma coisa combater pelas forças populares de El Salvador e
pelo exército da Junta Militar que governa (oprime) o país. Mas nos restantes
casos a objeção de consciência é perfeitamente legítima, e, mesmo,
profundamente evangélica e cristã.”
Sobre
a atuação da igreja, o Padre Cassiano, depois de ter afirmado que terá havido
erros e virtudes, acrescentou que “em largos períodos da história (e ainda
hoje) a instituição igreja funcionou como um poder, concorrente ou aliada de
outros poderes. Daí ter sido mais forte o seu instinto de defesa do que a sua
vocação de anunciar o Evangelho.”
Relativamente
ao futuro, o Padre Cassiano afirmou que a Igreja tem futuro “num mundo mais
evoluído intelectualmente” desde que continuem “a existir cristãos que, mais ou
menos à margem da instituição, forem vivendo o Evangelho na sua pureza
original. Refiro-me de modo especial às chamadas “comunidades de base”, já
muito numerosas em diversos países. A Velha Igreja da Europa e também a
aburguesada e endinheirada Igreja da América do Norte não têm grande futuro. A
nova Igreja, essa está a nascer noutro lado e bem pode dizer-se que o centro
dinamizador da verdadeira Igreja de Cristo já não é Roma, mas sim a América
Latina”.
Perguntado
sobre se a frase “Cristo Revolucionário” lhe dizia alguma coisa, a resposta foi
afirmativa e esclarecedora:
“Ele
não terá alinhado em qualquer movimento de libertação sociopolítica do seu
tempo, mas as suas posições relativamente à organização da sociedade judaica de
então foram claramente revolucionárias, sendo mesmo acusado e condenado pôr andar
a “subverter o povo”. Só que a sua revolução ultrapassou muito os planos
económico e político”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32475, 7 de julho de 2021, p.15)
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