quarta-feira, 7 de julho de 2021

Ainda sobre o Padre Cassiano

 


Ainda sobre o Padre Cassiano

 

Numa entrevista, dada em 1982, ao jornal estudantil “Intervenção”, que se apresentava como quinzenário independente e que tinha como principais redatores os alunos da Escola Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, Francisco Coelho, Franklin Dutra, Paulo Alexandre Vieira Borges e Rui Fino e era dirigido por Hélio Vieira, o padre Cassiano deu a sua opinião sobre diversos temas, como as posições da igreja ao longo da história e o seu futuro, sobre a diferença entre a doutrina e a ação da igreja, sobre o celibato dos padres e sobre questões ligadas à paz e às guerras.

 

Por questões de espaço, neste texto apenas darei a conhecer a opinião do Padre Cassiano sobre a paz e a atuação da igreja ao longo dos tempos e sobre o futuro da mesma.

 

Ainda estávamos longe da queda da União Soviética, que só ocorreria nove anos depois. Na altura vivia-se com medo de uma nova guerra mundial com recurso a armas ainda mais mortíferas do que as usadas anteriormente.

 

Perguntado sobre como via a situação mundial a resposta foi otimista, lembrando que “havia muitos sinais de esperança” porque era “cada vez mais forte e generalizada a contestação da corrida aos armamentos pelas grandes potências, a consciência mundial desperta para o perigo nuclear”. Sempre com uma palavra de esperança, o Padre Cassiano concluiu afirmando que esperava “que a força dos que desejam a paz venha a desencorajar os poucos mas fervorosos adeptos da guerra”.

 

Naquela altura existia um, embora débil em Portugal, movimento de oposição à guerra e que advogava a recusa ao serviço militar obrigatório. A nível internacional havia e há um movimento, o “War Resister’s Intenational”, que proclamava que a guerra era um crime contra a humanidade e que estava disposto a lutar pela abolição de todas as suas causas.

 

O padre Cassiano, fazia a distinção entre guerras justas e injustas. Considerava que as de libertação eram justas, mas só deveriam ocorrer “depois de esgotadas as soluções pacíficas”. Sobre este assunto, acrescentou:

 

“Em tais guerras [as justas] a recusa de combater poderia justificadamente ser interpretada como traição às causas da justiça e da liberdade a que todos os povos têm direito e como aliança ou, no mínimo, contemporização com o inimigo opressor. Não é a mesma coisa combater pelas forças populares de El Salvador e pelo exército da Junta Militar que governa (oprime) o país. Mas nos restantes casos a objeção de consciência é perfeitamente legítima, e, mesmo, profundamente evangélica e cristã.”

 

Sobre a atuação da igreja, o Padre Cassiano, depois de ter afirmado que terá havido erros e virtudes, acrescentou que “em largos períodos da história (e ainda hoje) a instituição igreja funcionou como um poder, concorrente ou aliada de outros poderes. Daí ter sido mais forte o seu instinto de defesa do que a sua vocação de anunciar o Evangelho.”

 

Relativamente ao futuro, o Padre Cassiano afirmou que a Igreja tem futuro “num mundo mais evoluído intelectualmente” desde que continuem “a existir cristãos que, mais ou menos à margem da instituição, forem vivendo o Evangelho na sua pureza original. Refiro-me de modo especial às chamadas “comunidades de base”, já muito numerosas em diversos países. A Velha Igreja da Europa e também a aburguesada e endinheirada Igreja da América do Norte não têm grande futuro. A nova Igreja, essa está a nascer noutro lado e bem pode dizer-se que o centro dinamizador da verdadeira Igreja de Cristo já não é Roma, mas sim a América Latina”.

 

Perguntado sobre se a frase “Cristo Revolucionário” lhe dizia alguma coisa, a resposta foi afirmativa e esclarecedora:

 

“Ele não terá alinhado em qualquer movimento de libertação sociopolítica do seu tempo, mas as suas posições relativamente à organização da sociedade judaica de então foram claramente revolucionárias, sendo mesmo acusado e condenado pôr andar a “subverter o povo”. Só que a sua revolução ultrapassou muito os planos económico e político”.

 

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32475, 7 de julho de 2021, p.15)

Sem comentários: