quarta-feira, 21 de julho de 2021

Sobre as Observações Ornitológicas do Eng. José Maria Álvares Cabral (2)

 


Sobre as Observações Ornitológicas do Eng. José Maria Álvares Cabral (2)

 

Em texto anterior referi que o Eng. José Maria Álvares Cabral relatava pormenorizadamente as suas longas “excursões” que, geralmente, fazia acompanhado do seu empregado Camilo. Hoje, farei referência a algumas observações realizadas em 1967.

 

No dia 5 de janeiro, saiu da Seara pelas 6 horas da manhã para apanhar a camioneta para o Portal do Vento. Dali seguiu a pé para a Lagoa do Canário e depois para o Caldeirão da Vaca Branca, tendo os dois se perdido no caminho, devido ao nevoeiro e ido parar a um ponto de altitude inferior ao da Lagoa Rasa da Serra Devassa. Voltaram ao ponto de partida, isto é, à Lagoa do Canário, passaram pela Lagoa do Junco e seguindo pela encosta do Pico das Éguas passaram pela Lagoa Rasa, pelo Caldeirão da Vaca Branca e pela Lagoa do Carvão e continuaram pela estrada até à Relva. Na Relva o Eng. Álvares Cabral apanhou a camioneta da Covoada para Ponta Delgada. Neste dia, a distância percorrida terá sido próxima dos vinte quilómetros.

 

No ano referido, o Eng. Álvares Cabral falhou no registo das datas de algumas saídas de campo, “por estar preocupado com a determinação das plantas do Jardim António Borges”, tarefa que terá realizado com alguma dificuldade dado o elevado número de espécies presentes, algumas até então incorretamente identificadas.

 

Quando comecei a ler estes registos, pensei que eram feitos durante os percursos e efetuados diretamente no caderno de campo, pois para além de serem anotados todos os passos dados na identificação das espécies, por vezes são apresentadas correções depois de repetidas as observações ou mesmo após a consulta de bibliografia, depois do Eng. regressar a casa. A título de exemplo, partilho uma nota que foi escrita no fim do registo da observação realizada a 17 de setembro de 1967:

 

“Nota: Aproveito o facto de estar transladando estas notas dum borrão no dia 29 de setembro de 1967 para acrescentar uma correcção: como se verá adiante esta ave não era de facto uma Sterna hirundo [garajau-comum] mas sim da espécie Chlidonias leucopterus [Gaivina- d´asa-branca].

 

O caderno que estamos a consultar, para além dos registos que são importantes para o conhecimento do património natural dos Açores, pode ter uma função pedagógica importante junto dos mais novos por mostrar que o conhecimento, para além de nunca estar completo, não cai do céu, isto é, precisa que alguém se esforce para o adquirir antes de ser partilhado.

 

Uma curiosidade que registo é que raramente as observações eram feitas apenas pelo Eng. José Maria Álvares Cabral. Com efeito, tal apenas acontecia nas que ocorriam na sua propriedade da Seara ou aos Domingos que eram feitas geralmente depois da missa a que assistia.

 

No que diz respeito a observações, destacamos o dia 10 de outubro em que no Areal Norte da Base da Península onde foi observado um pilrito-de-bico comprido (Calidris ferrugínea), em plumagem de outono. Sobre o assunto, o eng. Álvares Cabral escreveu o seguinte: “foi a primeira vez que vi esta espécie na natureza.”

 

Outra observação que chamou a atenção do Eng. Álvares Cabral pelo número de aves presentes, ocorreu no dia 16 de dezembro. Com efeito naquele dia, ele observou um “bando de 30 ou mesmo 50” Escrevedeiras-das-neves (Plectrophenax nivalis).

 

Não mencionando o nosso pombo-torcaz (Columba palumbus azorica) que era observado quase todos os dias, as aves observadas em maior número foram o marrequinho-comum (Anas crecca) e a rola-do mar (Arenaria interpress).

 

Registadas pela primeira vez no caderno de campo que vimos consultando, estão a Tarambola-cinzenta (Pluvialis squatarola) e a Caiada ou Chasco-cinzento (Oenanthe oenanthe).

 

Importante é também referir que nem sempre as saídas de campo são bem-sucedidas. Com efeito, o nevoeiro ou a chuva podem impedir a realização das observações. Outras vezes não se observa nada, como se pode constatar do registo efetuado a 23 de dezembro: “Fui de novo à Caldeira do Alferes sem que visse nada. Fui lá 2 vezes. A primeira pelas 8 horas da manhã e a segunda pelas 10 e 30, também da manhã”.

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32487, 21 de julho de 2021, p.14)

Sem comentários: