Sobre
as Observações Ornitológicas do Eng. José Maria Álvares Cabral (2)
Em
texto anterior referi que o Eng. José Maria Álvares Cabral relatava
pormenorizadamente as suas longas “excursões” que, geralmente, fazia
acompanhado do seu empregado Camilo. Hoje, farei referência a algumas
observações realizadas em 1967.
No
dia 5 de janeiro, saiu da Seara pelas 6 horas da manhã para apanhar a camioneta
para o Portal do Vento. Dali seguiu a pé para a Lagoa do Canário e depois para
o Caldeirão da Vaca Branca, tendo os dois se perdido no caminho, devido ao
nevoeiro e ido parar a um ponto de altitude inferior ao da Lagoa Rasa da Serra
Devassa. Voltaram ao ponto de partida, isto é, à Lagoa do Canário, passaram
pela Lagoa do Junco e seguindo pela encosta do Pico das Éguas passaram pela
Lagoa Rasa, pelo Caldeirão da Vaca Branca e pela Lagoa do Carvão e continuaram
pela estrada até à Relva. Na Relva o Eng. Álvares Cabral apanhou a camioneta da
Covoada para Ponta Delgada. Neste dia, a distância percorrida terá sido próxima
dos vinte quilómetros.
No
ano referido, o Eng. Álvares Cabral falhou no registo das datas de algumas
saídas de campo, “por estar preocupado com a determinação das plantas do Jardim
António Borges”, tarefa que terá realizado com alguma dificuldade dado o
elevado número de espécies presentes, algumas até então incorretamente
identificadas.
Quando
comecei a ler estes registos, pensei que eram feitos durante os percursos e
efetuados diretamente no caderno de campo, pois para além de serem anotados
todos os passos dados na identificação das espécies, por vezes são apresentadas
correções depois de repetidas as observações ou mesmo após a consulta de
bibliografia, depois do Eng. regressar a casa. A título de exemplo, partilho
uma nota que foi escrita no fim do registo da observação realizada a 17 de
setembro de 1967:
“Nota: Aproveito o
facto de estar transladando estas notas dum borrão no dia 29 de setembro de
1967 para acrescentar uma correcção: como se verá adiante esta ave não era de
facto uma Sterna hirundo [garajau-comum] mas sim da espécie Chlidonias
leucopterus [Gaivina- d´asa-branca].
O
caderno que estamos a consultar, para além dos registos que são importantes
para o conhecimento do património natural dos Açores, pode ter uma função
pedagógica importante junto dos mais novos por mostrar que o conhecimento, para
além de nunca estar completo, não cai do céu, isto é, precisa que alguém se
esforce para o adquirir antes de ser partilhado.
Uma
curiosidade que registo é que raramente as observações eram feitas apenas pelo
Eng. José Maria Álvares Cabral. Com efeito, tal apenas acontecia nas que
ocorriam na sua propriedade da Seara ou aos Domingos que eram feitas geralmente
depois da missa a que assistia.
No
que diz respeito a observações, destacamos o dia 10 de outubro em que no Areal
Norte da Base da Península onde foi observado um pilrito-de-bico comprido (Calidris
ferrugínea), em plumagem de outono. Sobre o assunto, o eng. Álvares Cabral
escreveu o seguinte: “foi a primeira vez que vi esta espécie na natureza.”
Outra
observação que chamou a atenção do Eng. Álvares Cabral pelo número de aves
presentes, ocorreu no dia 16 de dezembro. Com efeito naquele dia, ele observou
um “bando de 30 ou mesmo 50” Escrevedeiras-das-neves (Plectrophenax nivalis).
Não mencionando o nosso pombo-torcaz (Columba palumbus azorica) que
era observado quase todos os dias, as aves observadas em maior número foram o
marrequinho-comum (Anas crecca) e a rola-do mar (Arenaria interpress).
Registadas pela primeira vez no caderno de campo que vimos consultando,
estão a Tarambola-cinzenta (Pluvialis squatarola) e a Caiada ou
Chasco-cinzento (Oenanthe oenanthe).
Importante
é também referir que nem sempre as saídas de campo são bem-sucedidas. Com
efeito, o nevoeiro ou a chuva podem impedir a realização das observações.
Outras vezes não se observa nada, como se pode constatar do registo efetuado a
23 de dezembro: “Fui de novo à Caldeira do Alferes sem que visse nada. Fui lá 2
vezes. A primeira pelas 8 horas da manhã e a segunda pelas 10 e 30, também da
manhã”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores,
32487, 21 de julho de 2021, p.14)
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