quarta-feira, 25 de agosto de 2021

O Parque Pedagógico Recreativo Infantil Maria das Mercês Carreiro 4 anos depois

 


O Parque Pedagógico Recreativo Infantil Maria das Mercês Carreiro 4 anos depois

 

No passado dia 10 de agosto, pouco mais de 4 anos depois de ter sido inaugurado, voltei a visitar o Parque Pedagógico Recreativo Infantil Maria das Mercês Carreiro, localizado na Avenida da Paz, na freguesia do Pico da Pedra.

 

O espaço verde referido é gerido pela Câmara Municipal da Ribeira Grande que mantém no local permanentemente duas pessoas, uma delas com formação universitária na área da Geografia e outra que é responsável pela guarda e limpeza do local.

 

Há quatro anos, escrevi que a sua localização no centro da freguesia e quase em frente à Escola do 1º Ciclo do Ensino Básico podia fazer do mesmo um precioso auxiliar para os docentes daquele estabelecimento de ensino que tivessem a ousadia de ensinar, começando por derrubar os muros das salas de aula e apostar no ensino por projetos e cooperativo.

 

Temos conhecimento de que o espaço tem sido usado pela escola do Pico da Pedra, mas não sabemos que tipo de atividades são lá implementadas, nomeadamente se são formativas ou se são apenas recreativas. Também sabemos que, sobretudo no Verão, têm sido muitas as crianças de outras localidades da ilha de São Miguel que têm visitado o espaço, algumas permanecendo lá por longas horas.

 

A presença de várias espécies da flora de vários pontos do globo constitui uma mais valia que tem de ser aproveitada pelos visitantes e devidamente potenciada pela Câmara Municipal da Ribeira Grande que, se efetivamente estiver interessada na formação cívica dos cidadãos, deverá criar todas as condições para que sejam organizadas visitas guiadas destinadas não só a crianças ou jovens estudantes, mas também a todos os visitantes, residentes ou estrangeiros com, entre outros, os objetivos de sensibilização e consciencialização para a importância das plantas para a vida humana e para os ecossistemas.

 

Embora não se trate de um Jardim Botânico, o espaço tem de fazer jus ao nome que ostenta, isto é parque pedagógico, quer através da presença de espécies nativas dos Açores, quer na disponibilização a todos os visitantes de placas informativas sobre as plantas existentes, com a indicação do nome comum, nome científico, família e origem geográfica de cada espécie.

 

Como complemento à identificação das plantas, nos dias de hoje, faz todo o sentido que o espaço tenha uma presença nas redes sociais, como o Facebook e uma página com informações mais completas sobre as espécies presentes, que poderão estar ligadas às placas informativas se estas tiverem um código QR.

 

Sobre as espécies dos Açores presentes, a maioria das quais teve um crescimento significativo desde a última visita que efetuei, merecem destaque a: urze, o sanguinho, o azevinho, o cedro-do-mato, o folhado, a faia e a vidália.

 

A vidália (Azorina vidalii) é um pequeno arbusto de folhas glabras, de cor verde escuras e com flores brancas a cor-de-rosa que, de acordo com Virgílio Vieira, Mónica Moura e Luís Silva, autores do livro “Flora Terrestre dos Açores, pode ser encontrada “dispersa em costas rochosas, arribas, praias de calhau rolado e de areia, escoadas lávicas, zonas urbanizadas; geralmente até 50-80 m de altitude.” Embora exista em todas as ilhas dos Açores, a vidália apresenta, segundo Erik Sjögren, “o maior número de populações naturais nas ilhas do Pico, São Jorge, Flores e Corvo.

 

A vidália que se reproduz com relativa facilidade, bastando para tal espalhar as suas sementes, pode ser e é usada em alguns locais como planta ornamental. Existe em alguns jardins no estrangeiro e já a vimos na ilha da Madeira, nos Jardins do Palheiro.

 

Das plantas introduzidas, destaco o ginco, o carvalho-dos-pântanos, o eucalipto, a acácia e a rosa-louca (Hibiscus mutabilis), um arbusto, originário do sul da China e de Taiwan, que tem a particularidade das suas flores mudarem de cor durante o dia, sendo brancas de manhã, cor-de-rosa de tarde e à noite ao murcharem ficarem magenta.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32516, 25 de agosto de 2021, p. 9)

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Apontamentos históricos sobre a apicultura nos Açores

 


Apontamentos históricos sobre a apicultura nos Açores

 

Gaspar Frutuoso, ao descrever a fertilidade da ilha de Santa Maria, refere que apesar de bom, o mel já não era tão abundante como dantes e que “abelhas há já poucas”. Ainda em relação ao assunto, aquele cronista escreve que em alguns anos era possível encontrar muito mel em abelheiras e que “no de mil e quinhentos e setenta e nove, dois tiros de besta da Vila do Porto, na Ribeira Grande dos Moinhos, achou um homem uma, de que tirou quatro canadas de mel”.

 

No que diz respeito a São Miguel, Gaspar Frutuoso faz referência a um Bartolomeu Roiz, dos Fenais da Luz, que possuía “na serra, onde morava, e em seu pomar, perto de seiscentas colmeias, de que tirava cada ano mais de uma pipa e um quarto de mel.” Sobre os preços do mel, Gaspar Frutuoso refere quem em 1510, uma canada valia vinte réis e em 1515, trinta réis

 

O primeiro cronista dos Açores menciona a sua abundância, em 1510, na Ribeira Grande, junto ao Porto de Santa Iria, onde exista “muito mato de sanguinhal”. Segundo ele, um dos moradores quando queria mel ia buscá-lo “ao sanguinhal, nas tocas e buracos das árvores e sanguinhos, onde as abelhas criavam muito.”

 

Em relação à ilha Terceira, Gaspar Frutuoso não só refere a abundância de mel como regista algumas plantas melíferas, nos seguintes termos:

 

“Há muito mel e bom pasto para ele, como é alecrim, rosmaninho, erva ussa, ou timo, queiró, poejos, cubres e muitas flores de árvores diversas, muito género de ervas, de que usam os boticários e se fazem águas cheirosas, manjericões, trevo, rosas, cravos e outras muitas infinidades de laranjeiras, cidreiras, limoeiros, limeiras, pereiras e peros de várias castas, que duram boa parte do ano”.

 

Nas Saudades da Terra, há também referências à presença de “muita quantidade de mel de abelhas e cera”, nas ilhas de São Jorge e Pico.

 

Em 1567, o italiano Pompeo Arditi, citado pelo regente agrícola Luís Manuel Agnelo Borges, no seu texto “Breve Notícia sobre a apicultura regional (Ilha de São Miguel)”, publicado no Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, nº 18, elogia a qualidade do mel de São Miguel nos seguintes termos: “É excelente o mel de abelhas, não me parecendo que possa haver melhor, nem sequer igual”.

 

Na sua “História Insulana”, o Padre António Cordeiro ao descrever o interior da ilha de São Miguel, mais precisamente o  Vale das Furnas, refere que os padres da Companhia de Jesus, que se terá instalado na localidade, segundo Luís Agnelo  Borges, em 1637, possuem “um colmeal tão grande, que cada ano lhes dá um quarto, ou meia pipa de mel, e alguns anos pipa inteira, e mais de pipa, e a cera correspondente; e assim cera, como o mel, excede na perfeição ao de qualquer outra parte, por também as ervas, as flores, e as águas excederem muito a todas das desta ilha”.

 

No século XIX, até ao momento, apenas encontramos uma breve referência à apicultura no nº 3, de março de 1848, da revista “O Agricultor Micaelense”.

 

Na publicação mencionada, da responsabilidade da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, são apresentados os trabalhos que devem ser feitos nas colmeias nos fins de fevereiro e no mês de março, de que se destaca o seguinte: “limpam-se os cortiços das abelhas, de favos secos, traça, ou quaisquer outros insetos, que neles se tenham introduzido, trazendo bem varridas as pedras, em que eles estão sentados. Esta limpeza faz-se com um instrumento de ferro a que chamam crestadeira, advertindo, porém, que é necessário primeiro fazer fumo àquela parte do cortiço, em que se quer trabalhar para que, retirando-se as abelhas à outra parte oposta, não se lhes possa causar dano”.

 

No início da década de 50 do século passado, a Junta Geral pretendeu impulsionar a apicultura, tendo criado uma Secção Apícola, na Estação Agrária, de Ponta Delgada. Foi seu primeiro responsável Luís Agnelo Borges que fez um estágio no Posto Central de Fomento Apícola, em Lisboa.

 

Um dos primeiros trabalhos da referida Secção foi um recenseamento, sendo os resultados obtidos os seguintes, para a ilha de São Miguel: 238 apiários, com 568 colmeias e 103 cortiços.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32510 18 de agosto de 2021, p. 9)

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Sobre o “Eco dos Operários”

 


Sobre o “Eco dos Operários”

 

Entre 1 de novembro de 1921 e 15 de dezembro do mesmo ano, publicou-se, em Ponta Delgada, o jornal “Eco dos Operários”, propriedade das Associações Operárias Micaelenses, tendo como diretor o operário Francisco Canejo Botelho e como editor Artur d’Arruda.

 

O quinzenário que apenas viu a luz do dia por quatro vezes, tinha a redação e a administração localizadas na 2ª Travessa dos Mártires da Pátria, nº 13-D e era composto e impresso na Rua Manuel Inácio Correia (Rua do Valverde), nºs 30 e 32.

 

Através do texto “Duas palavras -a que vimos”, publicado no primeiro número, fica-se a saber que o jornal não pretende erguer “a bandeira rubra da peleja desordenada e violenta”, mas, pelo contrário, o seu lema é a “ordem consubstanciando as aspirações máximas da tolerância e da liberdade.”

 

Jornal do operariado e feito por operários, o seu objetivo principal é a “defesa dos fracos, a do operariado e em geral a de todos os que trabalham”. Um carinho especial é dedicado à educação dos operários “pela escola, pelo jornal e por palestras”.

 

Para além do referido, o jornal promete, por vezes ser rude e violento, mas nunca injusto e embora pretenda evitar discussões inúteis garante que não fugirá nunca quando for chamado à “luta num campo aberto e franco”.

 

De entre os colaboradores do jornal destacamos os nomes de Jacinto Eduardo Pacheco, coronel do exército, Silva Picanço, Manuel de Medeiros Cabral e Marcial Osório Cordeiro. No mesmo, há citações do Padre António Vieira, poemas assinados por Victor e um de Manuel Augusto de Amaral. No que diz respeito à colaboração com outros órgãos da comunicação social, regista-se a transcrição de um texto, sobre a situação política espanhola, publicado no jornal anarcossindicalista, lisboeta, “A Batalha”.

 

O colaborador mais assíduo e que assinou textos mais longos foi Jacinto Eduardo Pacheco que escreveu sobre “A educação do operário”.

 

Depois de, num primeiro texto, ter referido que, nos “países escandinavos e germanos”, o proletariado, por não ser vítima do analfabetismo, havia contribuído para o engrandecimento das suas pátrias, no segundo escreveu que não é possível existir uma sociedade bem organizada sem que todos tenham instrução e educação e acrescentou que a culpa é dos governos por não terem “procedido de modo a disseminar, por todo o país, o número suficiente de escolas a poderem derramar a instrução por todo esse povo analfabeto que, infelizmente, se encontra numa pavorosa percentagem”.

 

De entre as denúncias dadas a público pelo jornal, estão o elevado preço das rendas das terras e o elevado custo de vida que faz com que haja emigração. Sobre o assunto, podemos ler: “Como pois não hão de emigrar esses braços robustos do trabalho, se na terra que lhes foi berço somente os rodeia o desconforto e necessidades de toda a espécie?”

 

Do poeta, natural de Água de Pau, que foi professor do ensino particular, em Ponta Delgada, na Escola Minerva, Manuel Augusto de Amaral, transcrevemos o seu poema “Fortunas criminosas”:

“Lembram charcos de imundície

Certas fortunas no mundo:

- Muito brilho à superfície!

- E muito lodo no fundo!

 

Ó donos de bens alheios,

Ó ladrões ricos e nobres,

Vossos cofres estão cheios

De pranto e suor dos pobres …

 

Sobre a vida difícil, o já citado Victor, numa Gazetilha, escreveu:

 

Se a vida assim continua,

Só vejo uma solução:

Andar toda a gente nua,

À mãe Eva, e à pai Adão …

Teófilo Braga

 

(Correio dos Açores, 32505, 11 de agosto de 2021, p.14)

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

O Eng. José Maria Álvares Cabral em demanda do priolo

 


O Eng. José Maria Álvares Cabral em demanda do priolo

 

O texto de hoje é sobre ave mais emblemática e rara dos Açores, o priolo (Pyrrhula murina). Tem por base informações provenientes de apontamentos coligidos pelo Eng. José Maria Álvares Cabral e das referências àquela ave existentes em dois dos seus cadernos de campo.

 

Numa carta, datada de 18 de abril de 1906, José Maria Raposo do Amaral (1856-1919), proprietário rico, industrial e político, enviou uma carta ao Dr. Eugénio Vaz Pacheco de Castro (1863-1911), formado em Filosofia Natural, na altura a residir em Lisboa, onde responde a seis questões postas por este.

 

Perguntado sobre se os priolos nidificavam “em outros pontos da Ilha além do Vale das Furnas”, a resposta foi a seguinte:

 

“Nas Furnas nunca os encontrei senão na Serra do Trigo e vi-os por vezes mais nas matas da Lomba do Carro e Botão, na Lomba de Sebastião Alves, na Madeira Nova, na Madeira Velha e Espigão da Igreja da Povoação, no Labaçal do Faial e no Espigão do Galego de Água Retorta, e ouvi sempre dizer que em todas estas partes apareciam ninhos. Ouvi também muitas vezes dizer que apareciam no Lombo Gordo e Lomba do Meio, entre Água Retorta e Nordeste, mas conquanto por ali tenha andado em diferentes épocas do ano nunca os vi.”

 

Em 1964, o Eng. José Maria Álvares Cabral esteve por duas vezes no Nordeste com o objetivo de estudar as aves que aí nidificavam, nomeadamente o priolo. Não tendo conseguido observar nenhum, apenas ouviu vários relatos sobre avistamentos, o último ocorrido nos primeiros dias de maio.

 

No final da década de 60 do século XX, o priolo era por muitos considerado extinto, pelo que o Museu Carlos Machado decidiu atribuir um prémio de 500 escudos a quem apresentasse um exemplar, vivo ou morto, daquela espécie. Como resultado da “campanha”, no dia 14 de janeiro de 1968, foi apresentado pelos Drs. Victor Cabral Macedo e Carlos Manuel da Silva Medeiros um priolo que havia sido apanhado no dia anterior, numa esparrela com flores duma espécie de Polygonum.

 

De acordo com o Eng. Álvares Cabral, tratou-se de um “facto sensacional para a ornitologia açoriana a captura dum exemplar duma espécie que muitos consideravam extinta e que é peculiar a S. Miguel” e acrescentou que ficava “assim desfeito o mito do seu desaparecimento.”

 

No dia 16 de janeiro de 1968, o Correio dos Açores, na sua primeira página, dá destaque ao ocorrido, isto é, à captura de um priolo na Ribeira do Guilherme, através de uma nota com o seguinte título: “Um grande “achado” ornitológico” Foi apanhado vivo no último fim de semana um PRIOLO na região do Nordeste. Confirma-se assim a presença em S. Miguel da famosa “ave rara” conhecida pelos cientistas pelo nome “PYRRULA MURINA”.

 

A nota referida complementa um comunicado emitido sobre o assunto, da responsabilidade do Presidente da Direção da Secção de Ciências Naturais do Museu Carlos Machado, o eng. José Maria Álvares Cabral. No final do comunicado, o eng. Álvares Cabral chamou “a atenção para a proteção e propagação duma ave que só em S. Miguel existe e que, pelo menos a partir da última metade do século XIX, se encontra confinada no extremo oriental da ilha”.

 

No dia 13 de dezembro de 1969, o Eng. Álvares Cabral conversou com várias pessoas nas Furnas, tendo obtido várias informações sobre a presença de priolos na localidade. Algumas delas informaram que a ave “caia muitas vezes em redes e armadilhas, preparadas para outras espécies” e Jaime Moniz Borge (s)? afirmou que havia “visto um, na semana anterior num pomar que confronta com o lar de férias.”

 

Numa das suas caminhadas pelas Furnas destinadas à observação de aves, o Eng. Álvares Cabral relatou, do seguinte modo, o que apurou, no dia 15 de dezembro de 1969, em relação ao priolo:

 

“Perto das Casas do Senhor Dr. Hintze Ribeiro, encontrei um homem que, salvo erro, me disse chamar-se João Moreira. Era empregado dos Serviços Florestais e disse-me ter visto, há menos duma semana, um grupo de cinco ou seis priolos. As indicações que deu quanto às características da ave eram bastante conformes à realidade. Disse mais tê-los visto na Estrada Nacional que margina a Lagoa das Furnas.”

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32499, 4 de agosto de 2021, p.14)