quarta-feira, 4 de agosto de 2021

O Eng. José Maria Álvares Cabral em demanda do priolo

 


O Eng. José Maria Álvares Cabral em demanda do priolo

 

O texto de hoje é sobre ave mais emblemática e rara dos Açores, o priolo (Pyrrhula murina). Tem por base informações provenientes de apontamentos coligidos pelo Eng. José Maria Álvares Cabral e das referências àquela ave existentes em dois dos seus cadernos de campo.

 

Numa carta, datada de 18 de abril de 1906, José Maria Raposo do Amaral (1856-1919), proprietário rico, industrial e político, enviou uma carta ao Dr. Eugénio Vaz Pacheco de Castro (1863-1911), formado em Filosofia Natural, na altura a residir em Lisboa, onde responde a seis questões postas por este.

 

Perguntado sobre se os priolos nidificavam “em outros pontos da Ilha além do Vale das Furnas”, a resposta foi a seguinte:

 

“Nas Furnas nunca os encontrei senão na Serra do Trigo e vi-os por vezes mais nas matas da Lomba do Carro e Botão, na Lomba de Sebastião Alves, na Madeira Nova, na Madeira Velha e Espigão da Igreja da Povoação, no Labaçal do Faial e no Espigão do Galego de Água Retorta, e ouvi sempre dizer que em todas estas partes apareciam ninhos. Ouvi também muitas vezes dizer que apareciam no Lombo Gordo e Lomba do Meio, entre Água Retorta e Nordeste, mas conquanto por ali tenha andado em diferentes épocas do ano nunca os vi.”

 

Em 1964, o Eng. José Maria Álvares Cabral esteve por duas vezes no Nordeste com o objetivo de estudar as aves que aí nidificavam, nomeadamente o priolo. Não tendo conseguido observar nenhum, apenas ouviu vários relatos sobre avistamentos, o último ocorrido nos primeiros dias de maio.

 

No final da década de 60 do século XX, o priolo era por muitos considerado extinto, pelo que o Museu Carlos Machado decidiu atribuir um prémio de 500 escudos a quem apresentasse um exemplar, vivo ou morto, daquela espécie. Como resultado da “campanha”, no dia 14 de janeiro de 1968, foi apresentado pelos Drs. Victor Cabral Macedo e Carlos Manuel da Silva Medeiros um priolo que havia sido apanhado no dia anterior, numa esparrela com flores duma espécie de Polygonum.

 

De acordo com o Eng. Álvares Cabral, tratou-se de um “facto sensacional para a ornitologia açoriana a captura dum exemplar duma espécie que muitos consideravam extinta e que é peculiar a S. Miguel” e acrescentou que ficava “assim desfeito o mito do seu desaparecimento.”

 

No dia 16 de janeiro de 1968, o Correio dos Açores, na sua primeira página, dá destaque ao ocorrido, isto é, à captura de um priolo na Ribeira do Guilherme, através de uma nota com o seguinte título: “Um grande “achado” ornitológico” Foi apanhado vivo no último fim de semana um PRIOLO na região do Nordeste. Confirma-se assim a presença em S. Miguel da famosa “ave rara” conhecida pelos cientistas pelo nome “PYRRULA MURINA”.

 

A nota referida complementa um comunicado emitido sobre o assunto, da responsabilidade do Presidente da Direção da Secção de Ciências Naturais do Museu Carlos Machado, o eng. José Maria Álvares Cabral. No final do comunicado, o eng. Álvares Cabral chamou “a atenção para a proteção e propagação duma ave que só em S. Miguel existe e que, pelo menos a partir da última metade do século XIX, se encontra confinada no extremo oriental da ilha”.

 

No dia 13 de dezembro de 1969, o Eng. Álvares Cabral conversou com várias pessoas nas Furnas, tendo obtido várias informações sobre a presença de priolos na localidade. Algumas delas informaram que a ave “caia muitas vezes em redes e armadilhas, preparadas para outras espécies” e Jaime Moniz Borge (s)? afirmou que havia “visto um, na semana anterior num pomar que confronta com o lar de férias.”

 

Numa das suas caminhadas pelas Furnas destinadas à observação de aves, o Eng. Álvares Cabral relatou, do seguinte modo, o que apurou, no dia 15 de dezembro de 1969, em relação ao priolo:

 

“Perto das Casas do Senhor Dr. Hintze Ribeiro, encontrei um homem que, salvo erro, me disse chamar-se João Moreira. Era empregado dos Serviços Florestais e disse-me ter visto, há menos duma semana, um grupo de cinco ou seis priolos. As indicações que deu quanto às características da ave eram bastante conformes à realidade. Disse mais tê-los visto na Estrada Nacional que margina a Lagoa das Furnas.”

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32499, 4 de agosto de 2021, p.14)

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