quarta-feira, 24 de abril de 2019

Rui Teles Palhinha, Francisco Carreiro da Costa e as plantas


Rui Teles Palhinha, Francisco Carreiro da Costa e as plantas

O texto publicado na semana anterior neste jornal foi um dos que mais reações suscitou por parte de alguns alunos e docentes da Universidade dos Açores que me alertaram para podas muito mal feitas e para o abuso das roçadoras que mutilam os caules de algumas plantas.

Sobre o assunto e antes de entrar no tema central do texto de hoje, apenas, quero afirmar que a manutenção de jardins não deve ficar sob a responsabilidade de “carroceiros”, com o devido respeito por quem ainda (?) exerce aquela profissão, mas de jardineiros que deverão ser devidamente remunerados e possuir formação adequada.

Hoje, darei a conhecer uma ínfima parte do trabalho em prol das plantas desenvolvido por duas pessoas com percursos profissionais diferentes: Francisco Carreiro da Costa, licenciado em letras que foi meu professor no Instituto Universidade dos Açores numa disciplina intitulada História dos Açores e Ruy Teles Palhinha, formado em filosofia pela Universidade de Coimbra e que foi professor do ensino secundário e do ensino superior em disciplinas relacionadas com as ciências da natureza, nomeadamente a botânica.

Rui Teles Palhinha (1871-1957), natural de Angra do Heroísmo, fez várias excursões botânicas aos Açores, tendo escrito diversos textos sobre a flora do nosso arquipélago. Muito conhecido e penso que ainda disponível em alguns alfarrabistas é o livro “Catálogo das Plantas Vasculares dos Açores”, editado, em 1966, pela Sociedade de Estudos Açorianos Afonso Chaves, com o apoio das Juntas Gerais dos Distritos Autónomos de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo.

Com algum interesse histórico, recomendo aos mais curiosos a leitura do texto “Plantas exóticas existentes nos Açores”, publicado na revista “Açoreana”, Vol.V, Fasc.I, de 1953. Neste texto o autor apresenta uma lista de plantas exóticas aclimatadas que segundo ele “podem dar-nos indicações climáticas, capazes de serem aproveitadas no estudo de futuras experiências agrícolas.”

Sobre as razões que levaram António Borges, José do Canto e José Jácome Correia, os principais responsáveis pela introdução “de vegetais interessantes”, Ruy Palhinha escreveu o seguinte: “Ao excepcional senso estético que esses homens possuíam, ao desejo intenso de aumentar a beleza dos parques e jardins de suas casas se deve a riqueza dessas colecções, que, mercê do espírito liberal que era seu apanágio e das condições económicas em que viviam, os levou a adquirir em França, em Inglaterra, na Bélgica, na Alemanha, durante o terceiro quartel do século passado, inúmeras plantas.”

Francisco Carreiro da Costa, natural da Lagoa, foi um distinto etnólogo, tendo sido o redator principal e editor do excelente BCRCAA- Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, onde publicou vários textos sobre a flora do nosso arquipélago. Uma compilação dos seus textos, com destaque para o intitulado “Arvoredos dos Açores- algumas achegas para a sua história”, pode ser consultada no livro “Etnologia dos Açores”, Vol. I, editado, em 1989, pela Câmara Municipal da Lagoa.

No BCRCAA, nº 24, de 1956, é possível encontrar-se um valioso contributo de Francisco Carreiro da Costa para a “Classificação e Valorização dos Parques e Jardins dos Açores”.

Embora, hoje a situação seja diferente pois há muito trabalho que já foi feito, algumas das conclusões não perderam de todo atualidade. Que propunha Carreiro da Costa?
1- Que parques e jardins, públicos ou privados, fossem classificados de imóveis de interesse público;
2- Que fosse feita uma classificação botânica de todas as espécies existentes nos parques e jardins (ainda hoje há espécies que não estão identificadas);
3- Que se organizasse e se publicasse um catálogo “em condições de se afixarem, junto de cada espécie pequenas tabuletas com indicações julgadas indispensáveis”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31812, 25 de abril de 2019, p.17)

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Ernesto Ferreira, António Emiliano Costa e a dendroclastia



Ernesto Ferreira, António Emiliano Costa e a dendroclastia

No passado dia 9 de abril visitei o Jardim da Universidade dos Açores e fiquei chocado ao verificar que duas árvores de grande porte haviam sido abatidas.

Espero que tenham existido razões fortes para justificar a eliminação das duas árvores de um Jardim que ao longo dos tempos tem perdido alguns bonitos exemplares e que aquelas nada tenham a ver com a venda de madeira, como foi aventado por uma pessoa que passava no local, na hora em que estava a fotografar o que restava de um dos exemplares cortados, ou com o não respeito ou mesmo aversão às árvores (dendroclastia), o que é pouco provável numa instituição que tem em curso dois projetos relacionados com a valorização de jardins. Um deles, o Green Gardens – Azores, tem mesmo como objetivo principal “contribuir para a afirmação dos jardins históricos dos Açores como produto turístico de qualidade associado à natureza, cultura e bem-estar, através da problematização e operacionalização de dinâmicas de desenvolvimento do turismo de jardins (TJ)”.

No texto de hoje, vou recordar duas pessoas que com os seus escritos e com a sua prática, ao contrário de muitos outros que “sofrem” da “perturbação” referida, dendroclastia, ou de outra, também grave, a dendrofobia, isto é, medo e horror às árvores, tudo fizeram para que as árvores fossem respeitadas: o Padre Manuel Ernesto Ferreira e o regente florestal (Eng.º técnico agrário) António Emiliano Costa.

O padre Ernesto Ferreira foi um sábio vila-franquense que foi professor no Instituto de Vila Franca, instituição criada por Urbano Mendonça Dias. De acordo com o seu aluno António Emiliano Costa, Ernesto Ferreira foi um “homem superior” que “amava a natureza como poucos, de tal modo que penetrava bem fundo nos seus pormenores e nas suas origens. Classificava sem dificuldade qualquer planta, como sabia da utilidade ou origem duma pequena erva ou ainda palestrava horas seguidas sobre a vida dum determinado peixe, oração sempre vestida de alegres e interessantes deambulações.”

Ainda de acordo com o regente florestal António Emiliano Costa, o padre Ernesto Ferreira também sofria com a mutilação de árvores feita por quem tinha o dever de as saber podar. No Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, nº 17, de 1953, que vimos citando, sobre o assunto pode ler-se o seguinte: “Ainda me lembro muito bem da revolta sofrida no seu íntimo, pois a sua correção não lhe permitia grandes exteriorizações, quando da poda exagerada feita a dois bonitos exemplares de Tília argentea D., existentes no pequeno jardim público que lhe ficava fronteiriço e das conjeturas feitas no momento sobre a incompatibilidade na poda sobre esta espécie. Note-se: daqueles dois bonitos exemplares, de copa tão redonda, só um escapou à inutilização sofrida e o outro ficou sempre um espécimen desequilibrado”.

O padre Manuel Ernesto Ferreira foi, também, um dos pioneiros na defesa da “flora indígena” dos Açores. Para o efeito, em 1903, na revista “A Phenix” defendeu a criação de “viveiros” ou a existência de coleções de plantas açorianas em jardins já existentes. Se é verdade que noutras paragens tal tem sido feito, na sua terra natal, apenas tenho conhecimento de algumas plantações feitas sem critério nenhum, em vários dias de celebração do Dia da Árvore ou do Ambiente. Assim, está por fazer algo que como escreveu o padre Ernesto Ferreira “prestaria um belo serviço à ciência e ofereceria momentos de agradável prazer à maior parte dos continentais e estrangeiros, que continuamente nos visitam e a quem, sem dúvida, interessa, mais do que a estranha, a flora que nos é própria”.

António Emiliano Costa foi o primeiro Administrador Florestal em Santa Maria e um grande impulsionador dos Serviços Florestais naquela ilha. Publicou em dois números do Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores uma listagem de “árvores notáveis de S. Miguel”, tendo optado por incluir os exemplares que se encontravam isolados ou em perigo de serem destruídos. Segundo o autor a escolha teve em conta facto de serem uma “parte importante do nosso património florestal e também pela beleza, majestade, importância ou singularidade, além do interesse turístico que merecem”.

O trabalho pioneiro de António Emiliano Costa terá sido utilizado, como ele sugeriu, para a classificação de algumas árvores como de interesse público e terá servido de inspiração aos promotores da petição “Pela Classificação de árvores notáveis nos Açores” que foi entregue, recentemente, na Assembleia Legislativa Regional dos Açores.


Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31807, 18 de abril de 2019, p. 17)

sábado, 6 de abril de 2019

sexta-feira, 5 de abril de 2019