sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Cabaça


A Cabaça

A cabaça (Lagenaria siceraria (Molina) Standl.) é uma trepadeira anual com folhas grandes, pertencente à família Cucurbitaceae, nativa de África. Daquele continente passou para os outros levada pelos migrantes ou pelas correntes marítimas que transportavam as sementes no interior das cabaças que flutuam.

Aos Açores, a cabaça terá chegado com os primeiros povoadores, pois já há referência à sua presença no livro 4 das Saudades da Terra. Como se pode constatar através de dois excertos publicados abaixo, de acordo com Gaspar Frutuoso, a cabaça era usada para cozinhar alimentos ou como vasilhame.

“Havendo aqui no tempo antigo pouca louça, coziam a carne em cabaças, e às vezes cozinhavam um carneiro e uma cabra, ou carne de vaca, cozendo-a e assando-a na pele, fazendo uma fogueira na terra, e depois de muito quente, faziam uma cova nela, e embrulhando a carne do gado que matavam na mesma pele, a metiam na cova, tornando-a a cobrir com a cinza e rescaldo da fogueira, e tornando a fazer outra fogueira em cima, assim se cozia.”

“Na era de mil e quinhentos e dez, havia nesta ilha um Lopo das Cortes (de que já tenho dito que morava na vila da Ribeira Grande, às Covas de longo do mar, junto do porto de Santa Eria, onde havia muito mato de sanguinhal), o qual, querendo comer mel fresco de abelhas, mandava a um seu filho, chamado Bertholameu Lopes, pai de Adão Lopes, que morou depois dentro na dita vila, junto da bica velha, que derramasse o mel que tinha em casa em umas cabaças e fosse buscar outro fresco ao sanguinhal, nas tocas e buracos das árvores e sanguinhos, onde as abelhas criavam muito. Tanta fartura havia de tudo nesta ilha, sem indústria nem trabalho de seus moradores.”

Carreiro da Costa, no Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, nº 15, menciona o uso da cabaça para enchimento de vinho, para transporte de água ou leite ou como caixa de ressonância de alguns instrumentos musicais.

O autor referido explica como eram preparadas as cabaças para serem usadas como recipiente para leite, na ilha do Corvo:

“…faz-se esvaziando as mesmas das sementes respectivas, sendo depois de secas, meio cheias com seixos recolhidos nos calhaus do mar. Em seguida são chocalhadas com cuidado para que as pedras alisem a superfície interior da cabaça, dando-lhe assim um vidrado que torna a casca impermeável”.

Embora, até ao presente, não tenha encontrado qualquer referência ao uso da cabaça para fins alimentares, sabe-se que também era cultivada para usos culinários. Joaquim Barboza, em 1902, escreveu que a mesma era usada “principalmente para o fabrico de doces seccos e de calda, muito recomendados pelos médicos nas convalescenças.”

Joaquim Barboza também refere o seu uso como planta ornamental. Segundo ele “a planta, pela rapidez da sua vegetação, número e beleza das suas grandes flores brancas, assim como pela forma e dimensões dos seus fructos, pode ser empregada com vantagem para os efeitos decorativos que se obtêm como planta trepadeira.”

Embora a cabaça possua propriedades medicinais, como drástica, emoliente, purgativa e antinefrítica (as sementes), não consegui encontrar qualquer menção ao seu uso na medicina popular nos Açores.

É possível encontrar algumas peças de artesanato feitas com os frutos da cabaça e na minha infância os mesmos eram usados como boias. Muitas crianças aprenderam a nadar colocando duas cabaças, postas de cada um dos lados da cintura amarradas com uma guita.

17 de novembro de 2023

Teófilo Braga

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