quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

O professor Mário de Oliveira e a Escola Única

 


O professor Mário de Oliveira e a Escola Única

 

Para os anarquistas a educação e o ensino sempre ocuparam um lugar de relevo no seu pensamento e na sua ação com vista à implantação de uma sociedade nova, sem exploradores nem explorados.

Em Portugal, entre outros, destacaram-se Adolfo Lima (1874-1943) , bacharel em Direito, pela Universidade de Coimbra, que deixou a advocacia para se dedicar ao ensino, tendo criado e dirigido a Escola-Oficina nº 1, no Largo da Graça, em Lisboa, Mário de Oliveira, professor oficial do ensino primário, que foi colaborador pedagógico do primeiro, Deolinda Lopes Vieira (1888, ?), professora primária e infantil que também esteve ligada à Escola -Oficina nº 1 e Aurélio Quintanilha (1892-1987), professor universitário e investigador que colaborou com a Universidade Livre de Coimbra.

Mário Augusto de Oliveira e Sousa, que nasceu no dia 4 de fevereiro de 1892, em São Paio, Gouveia, e faleceu no dia 1 de janeiro de 1970, foi um militante libertário que esteve ligado ao movimento sindical, tendo sido delegado dos funcionários públicos ao Congresso Operário de 1922. Neste congresso foi aprovada por esmagadora maioria a adesão dos sindicatos portugueses à Associação Internacional dos Trabalhadores, de orientação anarcossindicalista, em detrimento da adesão à Internacional Sindical Vermelha, de orientação comunista.

Muito ativo no movimento associativo de professores, Mário de Oliveira foi um dos animadores da Associação dos Professores de Portugal, da União dos Professores de Portugal e da Liga de Ação Educativa.

Mário Oliveira foi editor da revista “Educação” e foi autor da brochura “A Escola Única-uma nova ideia pedagógico-social”. O texto é datado de 1933 e foi editado, em Lisboa, pela Papelaria Fernandes.

Entre os tópicos abordados na referida brochura, por Mário de Oliveira, destacam-se os seguintes: Definições de Escola Única; A igualdade pela gratuitidade; Abaixo os exames tradicionais; Seleção científica; A Escola Única em diversos países; O que deveria ser a Escola Única entre nós.

 

Sobre o estado da educação em Portugal, Mário de Oliveira escreveu o seguinte: “Só um patriotismo fanático, doente, pode negar os nossos 65% de analfabetos, a par dum sem número de factos que mostram claramente o atraso, a pobreza de todos os nossos recursos coletivos e fontes de valorização social”.

 

Hoje, não há dúvidas, a situação é bastante diferente, mas não nos podemos iludir com os números. Com efeito, se a taxa de analfabetismo em Portugal é de 6,77% (4,3% nos Açores e 8,1% na Madeira) o analfabetismo funcional é muito elevado, bastando para tal averiguar quantas pessoas que sendo capazes de ler não compreendem o que leem ou não conseguem efetuar operações matemáticas simples.

 

O papel da escola nas mãos dos sistemas de dominação laicos ou clericais é o de reprodução das classes sociais. Para vários anarquistas, o papel da educação só poderá ser alterado se a escola não estiver integrada num trabalho revolucionário de transformação social.

 

O professor Mário de Oliveira, na sua brochura, não reflete sobre as questões suscitadas no parágrafo anterior e acredita mesmo que os objetivos da Escola Única são os que melhor servem a nação e a humanidade. Abaixo, transcreve-se o que escreveu sobre o assunto:

A Escola Única vai buscar às diferentes classes sociais, ricas ou pobres, poderosas ou humildes, todas as aptidões reveladas, todas as inteligências sãs, todos os valores necessários e coloca-os nos lugares que lhes competirem, fortificando e tornando eficientes as suas atividades. Não atende a privilégios, a preconceitos ou favoritismos e aproveita-se das competências onde elas estiverem. E assim, não se perdem valores, nem se elevam nulidades. A Escola Única nivela a todos perante a educação e organiza o ensino sob o ponto de vista da humanidade, do bem comum, dos interesses do indivíduo e da coletividade, sem prejuízo mútuo, e pretende elevar à máxima valia as aptidões técnicas e os sentimentos de fraternidade e de solidariedade humanas.”

 

 Segundo Joaquim Pintassilgo e Maria João Mogarro, num texto, de 2003, intitulado “A ideia de escola para todos no pensamento pedagógico português”, o debate sobre o tema da Escola Única ocorreu no período que foi da transição da República para o Estado Novo, tendo contado com a participação de, entre outros, Mário de Oliveira, Adolfo Lima, Bento de Jesus Caraça e Álvaro Sampaio.

 

Mas, o que se entende por Escola Única?

 

Vejamos o que escreveram os autores citados no parágrafo anterior:

 

 A Escola Única representa, em geral (e abstraindo-nos das interpretações diversas de que é alvo) uma forma de organização da escola de modo a que ela seja acessível a todos os seus membros em igualdade de condições, segundo as suas aptidões e competências e não segundo a sua situação económica e social. A Escola Única implica a unificação do sistema de ensino até uma idade considerada adequada para o aparecimento de quaisquer especializações, designadamente as de natureza profissional.

 

Corolários lógicos serão uma gratuitidade incrementada (até que grau? - discute-se então), uma selecção assente nos méritos pessoais, o apoio aos alunos capazes, mas sem condições económicas e um sistema de orientação vocacional”

 

O que significava Escola Única para o professor Mário de Oliveira?

 

Para Mário de Oliveira, “Escola única quer significar que a escola é igual para todos, ou, por outra, que todos são iguais perante a escola e estão sujeitos a um mesmo e único ideal educativo”.

 

O conceito é clarificado quando ele cita Adolfo Lima que afirma que “A escola única é a escola prolongada ou de continuação para todas as crianças até aos 15 anos, idade em que conforme as aptidões, devidamente selecionadas, seguem para diversas carreiras, ingressando nas escolas preparatórias de tipo humanista ou de tipo cientista que lhes abrirão as portas das Escolas Técnicas Superiores”.

 

Mário de Oliveira completa o seu raciocínio ao afirmar, citando Adolfo Lima, que a “Escola Ùnica não cria distinções nem visa formar élites, nem o aristocrático e vetusto dualismo de escol e de grei. Submete todos os seres normais a um tipo único de Educação geral, conforme as qualidades comuns a todos os seres de natureza humana”

 

Numa altura em que surgem vozes a defender um quase regresso ao passado, com a defesa de escolas para elites, em que ainda se defendem e criam turmas de nível, isto é, com os bons alunos separados dos mais fracos e em que se sacralizam os exames, importa saber o que pensava Mário de Oliveira sobre os mesmos.

 

Mário de Oliveira, que defendia que a avaliação devia ser através de testes, contestou a seleção dos alunos através da realização de exames, nos seguintes termos:

 

“É bastante dizer, por agora, que os exames, entre nós, são a coisa mais vergonhosa que tem todo o nosso sistema escolar. Querendo selecionar ou apreciar o saber, não o conseguem, pois que por vezes aprovam os menos competentes e reprovam os mais habilitados. Prestam-se a toda a casta de favoritismos, fazendo andar à sua volta uma infinidade de intrigas, de suspeitas, de patifarias, de influências, que esmagam toda a honesta intenção, que neles se deseje revelar e impor. Nos exames, continuam ainda as classes mais abastadas a ter predomínio.”

 

Mário de Oliveira, não se fica pela denúncia da situação existente. Assim, ele propõe uma “seleção científica, que não é castigo, nem prémio, que não prejudica o estudante, que não permite falcatruas nem adultera ou sufoca a missão do professor.”

 

Depois de mencionar vários autores que trabalharam sobre o tema da seleção dos alunos, Mário de Oliveira exemplifica como é possível a Escola Única dispensar os exames. Abaixo, transcreve-se o que escreveu sobre as alternativas aos exames:

 

Hoje, os estudos sobre o conhecimento exato do educando prosseguem, numa senda cheia de luz e de utilidade crescentes. Por meio de inquéritos, de observações variadíssimas e fáceis, por meio dos tests e de diversos aparelhos engenhosamente construídos podem conhecer-se as aptidões físicas da cada individuo, a idade mental, o nível de conhecimentos, coeficientes de memória, de atenção, de habilidade manual, de capacidade artística, de inteligência, as características morais de temperamento, de maneira de reagir , de instinto e de muitos outros elementos que ajudam a conhecer acertadamente o indivíduo, a marcar-lhe o ensino que lhe deve ser adequado e a posição na vida ativa.”

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