O professor Mário de Oliveira e a
Escola Única
Para
os anarquistas a educação e o ensino sempre ocuparam um lugar de relevo no seu
pensamento e na sua ação com vista à implantação de uma sociedade nova, sem
exploradores nem explorados.
Em
Portugal, entre outros, destacaram-se Adolfo Lima (1874-1943) , bacharel em
Direito, pela Universidade de Coimbra, que deixou a advocacia para se dedicar
ao ensino, tendo criado e dirigido a Escola-Oficina nº 1, no Largo da Graça, em
Lisboa, Mário de Oliveira, professor oficial do ensino primário, que foi
colaborador pedagógico do primeiro, Deolinda Lopes Vieira (1888, ?), professora
primária e infantil que também esteve ligada à Escola -Oficina nº 1 e Aurélio
Quintanilha (1892-1987), professor universitário e investigador que colaborou
com a Universidade Livre de Coimbra.
Mário
Augusto de Oliveira e Sousa, que nasceu no dia 4 de fevereiro de 1892, em São
Paio, Gouveia, e faleceu no dia 1 de janeiro de 1970, foi um militante
libertário que esteve ligado ao movimento sindical, tendo sido delegado dos
funcionários públicos ao Congresso Operário de 1922. Neste congresso foi
aprovada por esmagadora maioria a adesão dos sindicatos portugueses à Associação Internacional dos
Trabalhadores, de orientação anarcossindicalista, em detrimento da adesão à
Internacional Sindical Vermelha, de orientação comunista.
Muito
ativo no movimento associativo de professores, Mário de Oliveira foi um dos
animadores da Associação dos Professores de Portugal, da União dos Professores
de Portugal e da Liga de Ação Educativa.
Mário
Oliveira foi editor da revista “Educação” e foi autor da brochura “A Escola
Única-uma nova ideia pedagógico-social”. O texto é datado de 1933 e foi editado,
em Lisboa, pela Papelaria Fernandes.
Entre
os tópicos abordados na referida brochura, por Mário de Oliveira, destacam-se
os seguintes: Definições de Escola Única; A igualdade pela gratuitidade; Abaixo
os exames tradicionais; Seleção científica; A Escola Única em diversos países;
O que deveria ser a Escola Única entre nós.
Sobre o estado da
educação em Portugal, Mário de Oliveira escreveu o seguinte: “Só um patriotismo
fanático, doente, pode negar os nossos 65% de analfabetos, a par dum sem número
de factos que mostram claramente o atraso, a pobreza de todos os nossos
recursos coletivos e fontes de valorização social”.
Hoje, não há
dúvidas, a situação é bastante diferente, mas não nos podemos iludir com os
números. Com efeito, se a taxa de analfabetismo em Portugal é de 6,77% (4,3%
nos Açores e 8,1% na Madeira) o analfabetismo funcional é muito elevado,
bastando para tal averiguar quantas pessoas que sendo capazes de ler não
compreendem o que leem ou não conseguem efetuar operações matemáticas simples.
O
papel da escola nas mãos dos sistemas de dominação laicos ou clericais é o de
reprodução das classes sociais. Para vários anarquistas, o papel da educação só
poderá ser alterado se a escola não estiver integrada num trabalho
revolucionário de transformação social.
O
professor Mário de Oliveira, na sua brochura, não reflete sobre as questões
suscitadas no parágrafo anterior e acredita mesmo que os objetivos da Escola
Única são os que melhor servem a nação e a humanidade. Abaixo, transcreve-se o
que escreveu sobre o assunto:
A
Escola Única vai buscar às diferentes classes sociais, ricas ou pobres,
poderosas ou humildes, todas as aptidões reveladas, todas as inteligências sãs,
todos os valores necessários e coloca-os nos lugares que lhes competirem,
fortificando e tornando eficientes as suas atividades. Não atende a privilégios,
a preconceitos ou favoritismos e aproveita-se das competências onde elas
estiverem. E assim, não se perdem valores, nem se elevam nulidades. A Escola
Única nivela a todos perante a educação e organiza o ensino sob o ponto de
vista da humanidade, do bem comum, dos interesses do indivíduo e da
coletividade, sem prejuízo mútuo, e pretende elevar à máxima valia as aptidões
técnicas e os sentimentos de fraternidade e de solidariedade humanas.”
Segundo Joaquim Pintassilgo e Maria João
Mogarro, num texto, de 2003, intitulado “A ideia de escola para todos no
pensamento pedagógico português”, o debate sobre o tema da Escola Única ocorreu
no período que foi da transição da República para o Estado Novo, tendo contado
com a participação de, entre outros, Mário de Oliveira, Adolfo Lima, Bento de
Jesus Caraça e Álvaro Sampaio.
Mas, o que se
entende por Escola Única?
Vejamos o que
escreveram os autores citados no parágrafo anterior:
“A Escola Única representa, em geral (e
abstraindo-nos das interpretações diversas de que é alvo) uma forma de
organização da escola de modo a que ela seja acessível a todos os seus membros
em igualdade de condições, segundo as suas aptidões e competências e não
segundo a sua situação económica e social. A Escola Única implica a unificação
do sistema de ensino até uma idade considerada adequada para o aparecimento de
quaisquer especializações, designadamente as de natureza profissional.
Corolários
lógicos serão uma gratuitidade incrementada (até que grau? - discute-se então),
uma selecção assente nos méritos pessoais, o apoio aos alunos capazes, mas sem condições
económicas e um sistema de orientação vocacional”
O que significava Escola Única para o professor Mário de Oliveira?
Para Mário de Oliveira, “Escola
única quer significar que a escola é igual para todos, ou, por outra, que todos
são iguais perante a escola e estão sujeitos a um mesmo e único ideal
educativo”.
O conceito é clarificado quando ele cita Adolfo Lima
que afirma que “A escola única é a escola prolongada ou de continuação para
todas as crianças até aos 15 anos, idade em que conforme as aptidões,
devidamente selecionadas, seguem para diversas carreiras, ingressando nas
escolas preparatórias de tipo humanista ou de tipo cientista que lhes abrirão
as portas das Escolas Técnicas Superiores”.
Mário de Oliveira completa o seu raciocínio ao afirmar,
citando Adolfo Lima, que a “Escola Ùnica não cria distinções nem visa formar élites,
nem o aristocrático e vetusto dualismo de escol e de grei. Submete
todos os seres normais a um tipo único de Educação geral, conforme as qualidades
comuns a todos os seres de natureza humana”
Numa altura em que surgem vozes a defender um quase
regresso ao passado, com a defesa de escolas para elites, em que ainda se
defendem e criam turmas de nível, isto é, com os bons alunos separados dos mais
fracos e em que se sacralizam os exames, importa saber o que pensava Mário de
Oliveira sobre os mesmos.
Mário de Oliveira, que defendia que a avaliação devia
ser através de testes, contestou a seleção dos alunos através da realização de
exames, nos seguintes termos:
“É
bastante dizer, por agora, que os exames, entre nós, são a coisa mais
vergonhosa que tem todo o nosso sistema escolar. Querendo selecionar ou
apreciar o saber, não o conseguem, pois que por vezes aprovam os menos
competentes e reprovam os mais habilitados. Prestam-se a toda a casta de
favoritismos, fazendo andar à sua volta uma infinidade de intrigas, de
suspeitas, de patifarias, de influências, que esmagam toda a honesta intenção,
que neles se deseje revelar e impor. Nos exames, continuam ainda as classes
mais abastadas a ter predomínio.”
Mário de Oliveira,
não se fica pela denúncia da situação existente. Assim, ele propõe uma “seleção
científica, que não é castigo, nem prémio, que não prejudica o estudante, que
não permite falcatruas nem adultera ou sufoca a missão do professor.”
Depois de
mencionar vários autores que trabalharam sobre o tema da seleção dos alunos,
Mário de Oliveira exemplifica como é possível a Escola Única dispensar os
exames. Abaixo, transcreve-se o que escreveu sobre as alternativas aos exames:
Hoje, os estudos sobre o conhecimento
exato do educando prosseguem, numa senda cheia de luz e de utilidade
crescentes. Por meio de inquéritos, de observações variadíssimas e fáceis, por
meio dos tests e de diversos aparelhos engenhosamente construídos podem
conhecer-se as aptidões físicas da cada individuo, a idade mental, o nível de
conhecimentos, coeficientes de memória, de atenção, de habilidade manual, de
capacidade artística, de inteligência, as características morais de
temperamento, de maneira de reagir , de instinto e de muitos outros elementos
que ajudam a conhecer acertadamente o indivíduo, a marcar-lhe o ensino que lhe
deve ser adequado e a posição na vida ativa.”
Sem comentários:
Enviar um comentário