quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

João de Melo Abreu homenageado em vida


João de Melo Abreu homenageado em vida

Depois de, em texto anterior, ter divulgado alguns depoimentos sobre o homem de bom coração que foi João Melo Abreu, hoje farei uma breve referência a uma homenagem de que foi alvo em vida.

A 8 de julho de 1910, João Melo Abreu regressou a Ponta Delgada, vindo de Lisboa, onde fora tratar de problemas relacionados com a sua saúde.

Os seus amigos e admiradores não quiseram deixar passar a ocasião sem o homenagearem, reconhecendo as suas qualidades de homem de bem e de trabalhador infatigável. Para o efeito, constituíram uma comissão, composta por Alfredo da Câmara, Alice Moderno, José Soares Cordeiro, Manuel Martins Correia, Manuel Pereira de Lacerda, Maria Evelina de Sousa, Padre Manuel Vicente e Sabino Januário Borges, que organizou uma receção, tendo para o efeito requisitado o rebocador Mouzinho da Silveira com o objetivo de ir ao encontro do paquete, onde viajava João Melo Abreu.

De acordo com Francisco Soares Silva, diretor do jornal Vida Nova, estavam a aguardar João Melo Abreu, no cais de Ponta Delgada, “representantes da imprensa, quase todos os cultivadores de ananases e uma grande multidão de indivíduos”. Ainda de acordo com a mesma fonte, durante o percurso do cais até à sua casa, “foram queimadas algumas girandolas de foguetes, estando as ruas dos Mercadores e Ernesto do Canto atapetadas de verduras e flores”.

Alice Moderno, sempre ela, convidada por uma comissão de cultivadores de ananases, seus colegas, escreveu “em menos de duas horas, e posta em cena em menos de oito dias” uma récita em homenagem a João Melo Abreu que foi representada pela primeira vez no Teatro Micaelense, no dia 24 de julho de 1910. A peça, que se chamava Apoteose, foi dedicada a D. Elisa L. de Melo Abreu e foi impressa na Tipografia Alice Moderno que na altura estava instalada na rua do Castilho, nº1.

No dia da chegada, foi entregue a João Melo Abreu e profusamente distribuída junto dos que se dignaram participar na receção uma folha especial editada pelo jornal “O Repórter” de Alfredo Câmara. Nesta, depois de se regozijar pelo facto de Melo Abreu ter encontrado alívio para o seu sofrimento, o autor do texto elogia-o com as seguintes palavras: “… não sendo menor a satisfação de todos ao saberem da sua próxima chegada, para de novo se entregar à sua vida ativa, um misto de industrial e negociante, honra da nossa praça, a par d’um benemérito que tem o seu nome vinculado já a quanto aí se tenha praticado na sublime órbita do Bem…”

As manifestações de regozijo pela regresso de João Melo Abreu terminaram com a distribuição de um bodo a mil pobres, na Avenida Roberto Ivens, em frente à sua cervejaria e à noite com um espetáculo muito concorrido no Teatro Micaelense, onde para além do hino do senhor Melo Abreu, foi recitada uma poesia pelo menino Duarte Castanheira Lopes, foi apresentada a já referida peça de Alice Moderno e uma ópera cómica intitulada Moleiro d’Alcalá.

No dia 10 de julho de 1910, Alice Moderno no seu jornal “A Folha” referiu-se à receção a João Melo Abreu, dizendo que antes nada havia sido feito que se comparasse, “nem mesmo no dia em que aportou a este porto a esquadrilha que conduzia o sr. D. Carlos I, Sua Majestade a Rainha e a comitiva real”. Alice Moderno termina o seu texto elogiando Melo Abreu e felicitando “a grande família micaelense que o considera como o mais útil e querido dos seus mais prestantes membros”.

No dia 16 de julho, Francisco Soares Silva que se intitulava “socialista libertário”, no jornal “Vida Nova “, escreveu o seguinte:

“Na fábrica de cerveja onde tem grande parte da sua fortuna, emprega muitos operários, que são pagos e tratados como homens e não como escravos.

E a “Vida Nova” que não tem nada de jacobina nem de facciosa, cumpre um justo dever prestando homenagem a um homem- não a um capitalista nem como burguês pertencente à atual engrenagem social- mas como homem de coração, de sentimentos nobres que será abençoado por todos os homens de bom senso que reconhecem no sr. João de Melo Abreu um apóstolo do Bem.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32023, 8 de janeiro de 2020, p. 16)

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