Bento
de Jesus Caraça
“Se não receio o erro é porque
estou sempre disposto a corrigi-lo” (Bento de Jesus Caraça)
Deve
se muito reduzido o número de pessoas que, entre nós, saberá que foi Bento de
Jesus Caraça o que é uma pena, pois não estamos, apenas, perante um ilustre
matemático, mas também face a um cidadão que lutou contra a ditadura que
durante quase meio século governou Portugal e que desenvolveu esforços para que
a ciência fosse entendida por quem menos instrução tinha.
Bento
de Jesus Caraça, que nasceu em 1901, em 1924, licenciou-se pelo Instituto
Superior de Ciências económicas e financeiras da Universidade Técnica de Lisboa
e seis anos depois passou a catedrático. Em 1938 funda, com outros colegas, o
Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia que dirige até 1946, ano
em que o referido centro foi fechado pelo Ministério da Educação.
Preocupado
em fazer com que a ciência e a cultura não ficassem restritas a uma elite,
Bento de Jesus Caraça, filho de trabalhadores rurais, promoveu um ímpar
programa de divulgação que contou com dois grandes instrumentos: a Universidade
Popular Portuguesa e a Coleção Cosmos, editada por aquela instituição, a qual
editou “114 livros com uma tiragem global de 793 500 exemplares”.
A
sua oposição à ditadura fez com que pertencesse a várias organizações, com
destaque para a Liga Portuguesa Contra a Guerra e o Fascismo, a Frente Popular
Portuguesa e o Movimento de Unidade Democrática (MUD).
Por
ter sido um dos signatários do manifesto “O MUD perante a admissão de Portugal
à ONU”, onde era exigida a democratização de Portugal como condição para a sua
admissão naquele organismo, foi-lhe instaurado um processo disciplinar que
levou à sua expulsão da Universidade, a 5 de Outubro de 1946, e à proibição de
ensinar tanto em escolas públicas como em escolas privadas. Para sobreviver
viu-se forçado a dar lições em casa.
Da
sua vasta obra, que conheço apenas uma ínfima parte, destaco o livro “Conceitos
Fundamentais da Matemática” que li e reli, com muito gosto, por mais de uma
vez.
Recomendo,
também, a leitura do texto da sua mais conhecida palestra intitulada “A Cultura
Integral do Indivíduo, Problema Central do Nosso Tempo”, proferida em 25 de
Maio de 1933, em Lisboa.
A
mencionada conferência, bem como outras, como “Galileo Galilei, Valor
científico e valor moral da sua obra”, “Escola Única”, “A Arte e a Cultura
Popular” e “Aspectos do problema cultural português”, bem como outros textos,
como “A luta contra a Guerra”, “A evolução da Física”, de Albert Einstein e
Leopold Infield”, “Galileo e Newton” e “A matemática na vida dos homens” estão
reunidas no livro “Conferências e Outros Escritos” editado pela primeira vez em
1970 e reeditado em 1978, aquando da passagem do trigésimo aniversário da sua
morte.
Não
tendo espaço suficiente para expor o seu pensamento, limitar-me-ei a apresentar
alguns excertos de textos sobre vários assuntos.
Num
texto, de 1932, sobre a guerra e sobre o estado do mundo, Bento de Jesus Caraça
escreve o seguinte: “O mundo está, como estava em 1914, governado por homens
inferiores, caricaturas de homens, e o que eles governam não é uma sociedade
humana – é uma caricatura de sociedade humana. E será assim, enquanto homens
novos não tomarem a direção do mundo para fazerem dele uma sociedade de homens
livres.” Será, hoje, a situação muito diferente?
A
seguir, sobre “odiada” matemática, Bento Caraça, em 1944, escreveu que a mesma estava
a ganhar importância pois, encontrava-se a invadir a vida moderna e assistia-se
a “uma matematização das ciências que dia a dia se tornam mais imprescindíveis
aos homens” e acrescentava que a “rainha das ciências” estava a “tornar-se numa
companheira democratizada e querida de todos nós”.
Por
último, em 1946, Bento de Jesus Caraça, numa palestra intitulada “Aspectos do
Problema Cultural Português” falou sobre o medo que se havia apoderado da
“quase totalidade da população portuguesa” e que parece estar de volta ou então
nunca nos abandonou por completo. Segundo ele, “a primeira coisa a fazermos
para sermos gente é extrair o medo dos corações dos portugueses, fazendo deles
homens generosos e fortes, libertos das grilhetas da mais aviltante das
escravidões”.
Teófilo
Braga
(Correio
dos Açores, nº 2924, 16 de Outubro de 2013, p.16)
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