terça-feira, 15 de outubro de 2013



Bento de Jesus Caraça
“Se não receio o erro é porque estou sempre disposto a corrigi-lo” (Bento de Jesus Caraça)
Deve se muito reduzido o número de pessoas que, entre nós, saberá que foi Bento de Jesus Caraça o que é uma pena, pois não estamos, apenas, perante um ilustre matemático, mas também face a um cidadão que lutou contra a ditadura que durante quase meio século governou Portugal e que desenvolveu esforços para que a ciência fosse entendida por quem menos instrução tinha.
Bento de Jesus Caraça, que nasceu em 1901, em 1924, licenciou-se pelo Instituto Superior de Ciências económicas e financeiras da Universidade Técnica de Lisboa e seis anos depois passou a catedrático. Em 1938 funda, com outros colegas, o Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia que dirige até 1946, ano em que o referido centro foi fechado pelo Ministério da Educação.
Preocupado em fazer com que a ciência e a cultura não ficassem restritas a uma elite, Bento de Jesus Caraça, filho de trabalhadores rurais, promoveu um ímpar programa de divulgação que contou com dois grandes instrumentos: a Universidade Popular Portuguesa e a Coleção Cosmos, editada por aquela instituição, a qual editou “114 livros com uma tiragem global de 793 500 exemplares”.
A sua oposição à ditadura fez com que pertencesse a várias organizações, com destaque para a Liga Portuguesa Contra a Guerra e o Fascismo, a Frente Popular Portuguesa e o Movimento de Unidade Democrática (MUD).
Por ter sido um dos signatários do manifesto “O MUD perante a admissão de Portugal à ONU”, onde era exigida a democratização de Portugal como condição para a sua admissão naquele organismo, foi-lhe instaurado um processo disciplinar que levou à sua expulsão da Universidade, a 5 de Outubro de 1946, e à proibição de ensinar tanto em escolas públicas como em escolas privadas. Para sobreviver viu-se forçado a dar lições em casa.
Da sua vasta obra, que conheço apenas uma ínfima parte, destaco o livro “Conceitos Fundamentais da Matemática” que li e reli, com muito gosto, por mais de uma vez.

Recomendo, também, a leitura do texto da sua mais conhecida palestra intitulada “A Cultura Integral do Indivíduo, Problema Central do Nosso Tempo”, proferida em 25 de Maio de 1933, em Lisboa.
A mencionada conferência, bem como outras, como “Galileo Galilei, Valor científico e valor moral da sua obra”, “Escola Única”, “A Arte e a Cultura Popular” e “Aspectos do problema cultural português”, bem como outros textos, como “A luta contra a Guerra”, “A evolução da Física”, de Albert Einstein e Leopold Infield”, “Galileo e Newton” e “A matemática na vida dos homens” estão reunidas no livro “Conferências e Outros Escritos” editado pela primeira vez em 1970 e reeditado em 1978, aquando da passagem do trigésimo aniversário da sua morte.
Não tendo espaço suficiente para expor o seu pensamento, limitar-me-ei a apresentar alguns excertos de textos sobre vários assuntos.
Num texto, de 1932, sobre a guerra e sobre o estado do mundo, Bento de Jesus Caraça escreve o seguinte: “O mundo está, como estava em 1914, governado por homens inferiores, caricaturas de homens, e o que eles governam não é uma sociedade humana – é uma caricatura de sociedade humana. E será assim, enquanto homens novos não tomarem a direção do mundo para fazerem dele uma sociedade de homens livres.” Será, hoje, a situação muito diferente?
A seguir, sobre “odiada” matemática, Bento Caraça, em 1944, escreveu que a mesma estava a ganhar importância pois, encontrava-se a invadir a vida moderna e assistia-se a “uma matematização das ciências que dia a dia se tornam mais imprescindíveis aos homens” e acrescentava que a “rainha das ciências” estava a “tornar-se numa companheira democratizada e querida de todos nós”.
Por último, em 1946, Bento de Jesus Caraça, numa palestra intitulada “Aspectos do Problema Cultural Português” falou sobre o medo que se havia apoderado da “quase totalidade da população portuguesa” e que parece estar de volta ou então nunca nos abandonou por completo. Segundo ele, “a primeira coisa a fazermos para sermos gente é extrair o medo dos corações dos portugueses, fazendo deles homens generosos e fortes, libertos das grilhetas da mais aviltante das escravidões”.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 2924, 16 de Outubro de 2013, p.16)

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