quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Angelina Vidal, uma estranha redatora do “Ecco Michaelense” (2)

 


Angelina Vidal, uma estranha redatora do “Ecco Michaelense” (2)

 

Na semana passada, escrevemos que Angelina Vidal foi redatora do jornal “Ecco Michaelense”, um periódico muito “progressista” para a altura em que se publicou. Tendo como redator principal e proprietário José Ferreira Martins, Angelina Vidal passou a redatora do jornal a partir do nº 686, de 11 de janeiro de 1884.

 

 A coragem em denunciar arbitrariedades e a “defesa dos direitos do povo contra os abusos da ordem” levaram à prisão José Ferreira Martins que terá passado o carnaval na cadeia. Sobre este assunto, Angelina Vidal escreveu: “Se V…está encarcerado, eu estou amortalhada na descrença das coisas e das pessoas, e até me parece que nos dias de carnaval é que a sociedade tem juízo”.

 

A sua primeira colaboração, no número atrás referido, foi através do texto “Os sofismas constitucionais”, onde, entre outras questões, ela se interroga acerca do modo como poderá a sociedade avançar, se através da associação, da escola, do trabalho ou do sufrágio.

 

Vejamos, um extrato do que escreveu sobre o assunto:

 

“Na escola? Mas a educação oficial começa no catecismo e acaba por um lugar de amanuense a 600 reis por dia o que dá o suficiente para morrer anémico no hospital. No trabalho? Quem trabalha anda à luta com uma miséria que obceca a mentalidade e quem fica ocioso é porque está ainda mais desgraçado.

 

No sufrágio? Ah! Como é nojoso o sufrágio, mercado torpe de podridões venais! E que assim não fora, que resultaria do esforço eleitoral, quando a câmara hereditária e o veto são árbitros supremos do destino dos povos?”

 

Angelina Vidal, conclui que o caminho tem de ser outro: o da revolução. Segundo ela, o ideal evolucionista deve ser substituído “pela prática revolucionária”, pois “há momentos tão aflitivos na história das nações que os meios violentos não são permitidos, como imprescindíveis”.

 

Admiradora de Antero de Quental, Angelina Vidal no nº 701, de 10 de maio de 1884, do “Ecco Michaelense” descreveu as cerimónias fúnebres do amigo inseparável daquele filósofo e poeta açoriano, José Fontana, onde esteve presente em representação daquele jornal e da “Voz do Operário”.

 

Sobre José Fontana, que tal como Antero de Quental, teve uma fundação com o seu nome criada pelo atual Partido Socialista, depois de 25 de Abril de 1974, e que foi extinta depois daquele partido ter engavetado o socialismo, Angelina Vidal escreveu que foi um “grandioso socialista” que, em Portugal, foi “o iniciador do movimento revolucionário mais imponente que se tem organizado”.

 

Ainda sobre aquele operário, nascido na Suíça, que foi um dos grandes defensores das classes trabalhadores, Angelina Vidal escreveu o seguinte:

 

“Muito sofreu das injustiças, muito suportou das calúnias, que então como hoje, que hoje como amanhã os miseráveis conspiram contra o génio e superioridade alheia. Mas prosseguiu sempre! José Fontana foi uma irradiação esplêndida entre a obscuridade do conjunto social, deixando após de si rastros de luz inextinguíveis”.

 

A colaboração de Angelina Vidal foi também através da poesia que publicou em diversos números do jornal. De entre elas destacamos “A Escola” e “Rotação”. Desta última, publicada a 2 de março de 1884, damos a conhecer duas quadras:

 

“Crepita o sol genial, o deus augusto

Lançando à mente humana ondas de glória;

E o proletário rude embora a custo

Consegue decifrar a própria história.

 

Vamos, pois, combater crimes e reis

E o Evangelho de Luz pregar na Terra;

Novos tempos proclamam novas leis

Liberdade à Razão, e guerra à guerra!”

 

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32332, 13 de janeiro de 2021, p.11)

Sem comentários: