Angelina Vidal, uma estranha redatora do “Ecco
Michaelense” (2)
Na semana passada, escrevemos que Angelina
Vidal foi redatora do jornal “Ecco Michaelense”, um periódico muito
“progressista” para a altura em que se publicou. Tendo como redator principal e
proprietário José Ferreira Martins, Angelina Vidal passou a redatora do jornal
a partir do nº 686, de 11 de janeiro de 1884.
A
coragem em denunciar arbitrariedades e a “defesa dos direitos do povo contra os
abusos da ordem” levaram à prisão José Ferreira Martins que terá passado o
carnaval na cadeia. Sobre este assunto, Angelina Vidal escreveu: “Se V…está
encarcerado, eu estou amortalhada na descrença das coisas e das pessoas, e até
me parece que nos dias de carnaval é que a sociedade tem juízo”.
A sua primeira colaboração, no número
atrás referido, foi através do texto “Os sofismas constitucionais”, onde, entre
outras questões, ela se interroga acerca do modo como poderá a sociedade
avançar, se através da associação, da escola, do trabalho ou do sufrágio.
Vejamos, um extrato do que escreveu sobre
o assunto:
“Na
escola? Mas a educação oficial começa no catecismo e acaba por um lugar de
amanuense a 600 reis por dia o que dá o suficiente para morrer anémico no
hospital. No trabalho? Quem trabalha anda à luta com uma miséria que obceca a
mentalidade e quem fica ocioso é porque está ainda mais desgraçado.
No
sufrágio? Ah! Como é nojoso o sufrágio, mercado torpe de podridões venais! E
que assim não fora, que resultaria do esforço eleitoral, quando a câmara
hereditária e o veto são árbitros supremos do destino dos povos?”
Angelina Vidal, conclui que o caminho tem
de ser outro: o da revolução. Segundo ela, o ideal evolucionista deve ser
substituído “pela prática revolucionária”, pois “há momentos tão aflitivos na
história das nações que os meios violentos não são permitidos, como
imprescindíveis”.
Admiradora de Antero de Quental, Angelina
Vidal no nº 701, de 10 de maio de 1884, do “Ecco Michaelense” descreveu as
cerimónias fúnebres do amigo inseparável daquele filósofo e poeta açoriano,
José Fontana, onde esteve presente em representação daquele jornal e da “Voz do
Operário”.
Sobre José Fontana, que tal como Antero de
Quental, teve uma fundação com o seu nome criada pelo atual Partido Socialista,
depois de 25 de Abril de 1974, e que foi extinta depois daquele partido ter
engavetado o socialismo, Angelina Vidal escreveu que foi um “grandioso socialista”
que, em Portugal, foi “o iniciador do movimento revolucionário mais imponente
que se tem organizado”.
Ainda sobre aquele operário, nascido na
Suíça, que foi um dos grandes defensores das classes trabalhadores, Angelina
Vidal escreveu o seguinte:
“Muito
sofreu das injustiças, muito suportou das calúnias, que então como hoje, que
hoje como amanhã os miseráveis conspiram contra o génio e superioridade alheia.
Mas prosseguiu sempre! José Fontana foi uma irradiação esplêndida entre a
obscuridade do conjunto social, deixando após de si rastros de luz
inextinguíveis”.
A colaboração de Angelina Vidal foi também
através da poesia que publicou em diversos números do jornal. De entre elas
destacamos “A Escola” e “Rotação”. Desta última, publicada a 2 de março de
1884, damos a conhecer duas quadras:
“Crepita o sol genial, o
deus augusto
Lançando à mente humana
ondas de glória;
E o proletário rude
embora a custo
Consegue decifrar a
própria história.
Vamos, pois, combater
crimes e reis
E o Evangelho de Luz
pregar na Terra;
Novos tempos proclamam
novas leis
Liberdade à Razão, e
guerra à guerra!”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32332, 13 de
janeiro de 2021, p.11)
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