Duas
Feministas Libertárias na Revista Pedagógica
Entre
1909 e 1915, publicou-se, em Ponta Delgada, a “Revista Pedagógica”, que se
apresentava como órgão do professorado oficial açoriano, iniciativa da
professora primária e feminista Maria Evelina de Sousa, companheira inseparável
de Alice Moderno, também esta professora do ensino particular e feminista.
Com
distribuição a nível nacional, a “Revista Pedagógica”, que esteve ao serviço
dos professores e da educação, contou na sua redação com colaboradores como
Alice Moderno, Aires Jácome Correia (Marquês de Jácome Correia), Luís Leitão,
José Fontana da Silveira e Ulisses Machado.
De
entre os colaboradores da revista, encontramos duas feministas que perfilhavam
ideias libertárias: Ermelinda Rodrigues da Silveira e Lucinda Tavares, ambas
também professoras primárias.
Lucinda
Tavares, que foi casada com o médico Afonso Manaças, frequentou a Escola Normal
do Calvário e foi membro do Grupo “Nova Crença”, tendo mais tarde abandonado o
movimento libertário e passado a colaborar com os socialistas reformistas.
Defensora
da educação racional, num texto escrito no nº 2 da revista “Amanhã”, de 15 de
junho de 1909, de que eram proprietários e diretores Grácio Ramos e Pinto
Quartim, Lucinda Tavares, discordou de Gustave Le Bon que afirmou que “a
aquisição de conhecimentos é a melhor maneira de fazer revoltados” e explicou o
seu ponto de vista do seguinte modo:
“
A instrução é, sem dúvida, um fator importante, uma alavanca poderosíssima para
levantar no espírito do homem a ideia de revolta, mas é preciso que essa instrução
não lhe seja imposta como um dogma; é preciso que se deixe raciocinar
livremente desde criança; que se habitue a acreditar ou deixar de acreditar, a
seu bel-prazer, sem sugestões ou imposições de espécie alguma; é preciso,
enfim, que uma educação racional venha auxiliar essa instrução, que muitas
vezes mal dirigida, se converte num elemento de retrógrada reação.”
No
número 179 da Revista Pedagógica, publicada a 29 de junho de 1911, num texto
intitulado “A mulher portuguesa na Jovem República”, depois de saudar a
implantação da República defendeu a necessidade de educar as mulheres para que
as mesmas possam “educar os seus filhos em princípios de Liberdade e
Solidariedade, de forma a poderem fazer da República portuguesa uma república
rasgadamente liberal e progressiva … uma sociedade sem preconceitos, sem
fanatismos e sem padres…uma sociedade perfeita, de Amor, de Abundância, de Paz
e de Fraternidade Universal.”
Ermelinda
Rodrigues da Silveira, que casou com o escritor José Fontana da Silveira,
também colaborador assíduo da Revista Pedagógica, militou na Associação de
Propaganda Feminista e integrou a Loja Carolina Ângelo do Grande Oriente
Lusitano Unificado.
Na
Revista Pedagógica, Ermelinda da Silveira publicou dez textos, entre 12 de
fevereiro de 1914 e 25 de março de 1915, com os seguintes títulos:
Generalidades, Bases de Orientação Pedagógica, Crianças normais, Crianças
anormais, Anormais intelecto-físico-morais, A infância criminosa, Pais e
educadores, Pedologia, Tarados físico-intelectuais e A emancipação da mulher
virá da sua educação moral e intelectual.
No
último texto referido, publicado no nº 311 da Revista Pedagógica, Ermelinda da
Silveira escreve que a situação da mulher, “ a escrava do homem, o autómato que
ele maneja a seu belo prazer, um ente a quem a mais pequena contrariedade, o
mais pequeno escolho desanima, uma vítima da própria família que a impede de
agir e pensar, consoante o seu critério”, se deve à educação que recebe numa
“escola dogmatizada pelos compêndios e programas, feitos para tudo menos para a
educação.”
Para
Ermelinda da Silveira a solução dos problemas com que se defronta a mulher está
no “campo do feminismo”. Assim, segundo ela, não descurando “por completo os
cuidados ao “Eu físico” e “conseguida que seja a nossa emancipação moral, bem
depressa advirá a emancipação social, porque os homens vendo-nos mais sensatas
e menos fúteis…levados pela força da Razão, que nós poderemos ser, e somos, tão
sensatas, refletidas e inteligentes como eles, e, portanto, tão bem como eles
poderemos, sem auxílio, desempenhar qualquer papel na sociedade. E isto é,
creio eu, o único fim das aspirações feministas.”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32648, 2 de fevereiro de 2022,
p.15)
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