terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Manuel Firmo nas Trevas da Longa Noite

 


Manuel Firmo nas Trevas da Longa Noite

 

Introdução

Manuel Firmo (1909-2005) foi um militante anarcossindicalista e esperantista que combateu na Guerra Civil Espanhola ao lado de militantes da CNT/FAI.

 

Fez parte do grupo “Terra e Liberdade que no Barreiro editou um jornal com o mesmo nome, entre 1930 e 1931, e da Sociedade Esperantista Operária Barreirense.

 

Tendo participado, em 1936, numa perseguição à PVDE à pedrada quando esta se deslocou às Oficinas Gerais dos Caminhos‐de‐Ferro do Sul e Sueste, para prender o serralheiro José Francisco, foi forçado a fugir para Espanha para não ser preso.

 

Em Espanha, foi secretário administrativo da delegação Permanente da CGT que estava sedeada em Barcelona. Depois da queda de Barcelona, em 1929, foi obrigado a refugiar-se em França até ter decidido regressar a Portugal.

 

Ao chegar a Portugal, pela fronteira de Beirã (Marvão) foi preso a 6 de agosto de 1941, tendo passado pela prisão do Aljube e por Caxias., antes de ter embarcado, a 20 de junho de 1942, para o Tarrafal, onde permaneceu até 1 de fevereiro de 1946, data em que embarcou para Lisboa no paquete “Guiné”.

 

Sobre a sua juventude, a presença em Espanha, depois em França e o seu regresso a Portugal,  escreveu um livro de memórias intitulado “Nas Trevas da Longa Noite” que foi editado pelas Publicações Europa-América, em 1978.

 

Recorde-se que O Tarrafal funcionou durante 19 anos, de 1936 a 1954, tendo sido reaberto em 1963 para receber nacionalistas das ex-colónias que se envolveram na luta de libertação nacional.

 

Depois de ter passado por Angola, por não ter conseguido trabalho na chamada metrópole, ele a sua companheira Josefa Ramos fixaram residência em Barcelona, em 1964.

 

Apesar de viver no estrangeiro, manteve relações com Portugal, tendo depois do 25 de abril de 1974 feito parte do Centro de Estudos Libertários de Lisboa e sido colaborador assíduo do jornal “A Batalha”.

 

Abaixo, apresento algumas notas que fui tirando enquanto lia o “testemunho lúcido e sereno de um lutador que, olhando para a sua vida, a conta com simplicidade não destituída de humor com que a viveu”.

 

Notas a propósito das Trevas da Longa Noite

1

No primeiro capítulo, Manuel Firmo relata algumas peripécias da sua vida na escola e fora dela. Retive a descrição do castigo que apanhou da sua professora por ter perguntado se a polícia não podia prender os homens que estavam na guerra.

 

No mesmo capítulo Manuel Firmo fala na “pneumónica” que não era devidamente combatida pela medicina de então. Mas como nunca falta engenho e arte, alguém terá sugerido que a melhor forma de acabar com ela seria pendurar ao pescoço num saquinho uma bola de naftalina e ingerir pela manhã em jejum um cálice de aguardente.

 

2

 

Manuel Firmo, que começou a trabalhar com 12 anos no sector da cortiça, muito jovem, participou numa greve e foi despedido, tendo depois exercido vários ofícios como servente de pedreiro, contínuo na CUF e ferroviário.

 

Autodidata, aprendeu muito com a leitura de livros existentes em associações operárias e aprendeu esperanto, para se corresponder com gente de todo o mundo, tendo dilatado a sua fé acerca do espírito fraterno que deveria unir a humanidade.

 

Forçado ao exílio, esteve preso da prisão central de Badajoz, onde coabitavam políticos, assassinos e quadrilheiros, por ter ilegalmente atravessado a fronteira. Na prisão constatou que “os métodos coercitivos usados estavam errados, pois “longe de regenerar os detidos e devolvê-los à vida como homens úteis a si mesmos e à sociedade, os refinava mais ainda na senda do delito”.

 

3

Em Madrid, pertenceu a um batalhão cuja missão era deter o avanço de forças inimigas sobre aquela cidade, num grupo sem armamento e alimento e sem assistência médica digna deste nome.

 

Foi para Valença onde primeiro não havia sinais de guerra e para onde o governo se mudou antes de passar para Barcelona para onde ele também foi, ficando na retaguarda, onde trabalhou noite e dia e assistiu a bombardeamentos aéreos.

 

Com o desenrolar da guerra, desfavorável aos “republicanos”, ele e os companheiros foram obrigados a deixar Barcelona e dirigir-se para a fronteira com a França, acabando por irem para o campo de concentração de Argelès-sur-Mer e depois para outro em Gurs.

 

4

Quando a França entrou em guerra e como era necessária mão de obra foi para Toulouse para trabalhar na Dewoitine- Societé Nationale de Constructions Aéronautiques du Midi.

 

Esta conquista da liberdade pareceu-lhe “indigna de ser vivida” e acrescentou “Céus! e pensar que, não obstante as inegáveis conquistas da humanidade, nos domínios científicos e culturais, era impossível pôr os homens de acordo e condenar para sempre a execrável guerra.”

 

Por serem refugiados, tanto ele como os colegas recebiam menos do que os colegas franceses. Felizmente para ele o “salário” foi aumentado o que lhe permitia ajudar os companheiros.

 

5

 

Com a desintegração do exército francês e a derrota da França, os refugiados voltaram a ser colocado no campo de concentração de Argelès-sur-Mer, onde a comida era escassa e de má qualidade. Como havia falta de tabaco, os presos recorriam às beatas atiradas por um gendarme.

 

Debilitado, tal como os outros colegas de infortúnio, foi obrigado a trabalhar para conseguir sobreviver. Agora em vez de ajustador mecânico foi servente da construção civil manejando pás e picaretas num trabalho de reconstrução de um canal destruído por umas cheias.

 

6

 

Acabado o canal, os refugiados foram para a cidade de Rodez trabalhar para agricultores. Manuel Firmo trabalhou para um que era muito exigente e parco na alimentação que fornecia.

 

Ao contrário do dono que abusava o aguilhão para conduzir animais, tinha relutância em o usar, tendo afirmado o seguinte. “doía-me usar aquele instrumento de tortura”.

 

Tendo desconfiado que iria ser mandado para a Alemanha, abandonou o trabalho tendo-se despedido dos patrões e do cão que o costumava acompanhar, o Mirzaque e decidiu regressar a Portugal.

 

Vejamos o que escreveu sobre aquela despedida: “Certo, é triste confessá-lo; porém, senti mais emoção com aquela despedida [do cão] do que sentira ao despedir-me dos meus patrões”.

 

7

 

Ao chegar à fronteira portuguesa, um agente da Pide acompanhou-o a Lisboa à sede daquela polícia política. Só saiu em liberdade depois de “cinquenta e três meses de prisão, sem julgamento, na trilogia sinistra da ditadura-Aljube, forte de Caxias e campo de concentração do Tarrafal”.

 

8

Quase um ano depois de estar preso no forte de Caxias recebeu a notícia que ia ser mandado para Cabo Verde, tendo dado entrada no Tarrafal em junho de 1942.

 

No campo da morte lenta, Manuel Firmo foi trabalhar para a oficina que era dirigida por Bento Gonçalves que segundo ele seria para sempre recordado com infinita saudade. Para humilhar os presos colocavam-nos a fazer trabalhos para os quais não tinham formação nem estavam habituados a fazer. Assim, segundo ele: “Para os pedreiros, Acácio Tomás de Aquino (1), José Paixão, Mateus, Joaquim Pedro e Pessanha, representava um sofrimento terem sob a sua direção médicos, professores e militares graduados…”

 

Naquele malfadado campo, Firmo encontrou vários presos que por lá ficaram muitos anos após cumprirem as penas e outros que acabaram por morrer sem verem as suas famílias. Segundo ele, “não houve um clérigo!...um militar!...um político!...um magistrado!...” do regime que fizesse alguma coisa para alterar a situação.

 

As péssimas condições em termos de alimentação e de assistência médica mataram um grande ser humano, Bento Gonçalves (2), pessoa muito estimada mesmo por quem não tinha a mesma ideologia política.

 

9

 

Horrível foi a descrição das atrocidades cometidas pelas autoridades e seus mandantes, governador, guardas e médico, cujos resultados foram a morte de muitos deportados às mãos de um regime que se dizia seguidor dos bons princípios da Santa Igreja.

 

A título de exemplo, menciona-se as barbaridades cometidas com os castigos na chamada “frigideira” que segundo Manuel Firmo era um “cubo de cimento infernal”. Nelas para além de estarem submetidos a temperaturas elevadíssimas a alimentação era também desumana: ração alimentar reduzida e dias alternados a pão e água”. Nas frigideiras “não havia …uma enxerga sequer, nem uma miserável vasilha para as abluções; apenas havia um balde sem tampa, para as dejecções e uma pequena bilha com água do Chambom. Papel higiénico ou de jornal? Para quê? …Que se limpassem com os dedos e com a roupa… Naquele tumulo de cimento não havia janelas, só existia a porta de ferro da entrada, com uma pequena fresta no cimo, por onde se filtrava uma ténue claridade e o ar estritamente indispensável para manter um corpo de pé”.

 

Notas

 

(1)   Acácio Tomaz de Aquino foi um destacado militante anarcossindicalista que esteve 12 anos no Tarrafal. Em 1978, publicou o livro “O Segredo das Prisões Atlânticas”.

(2)   Bento António Gonçalves foi Secretário-Geral do Partido Comunista Português. Entre outros, foi autor do livro “Palavras Necessárias: a vida proletária em Portugal de 1872 a 1927”. Acácio Tomás de Aquino, sobre ele escreveu que era um “intransigente defensor do seu partido” e que “apesar da grande divergência de opiniões eram amigos pessoais. Aquino, (1978, p. 178)

 

 

BIBLIOGRAFIA

Aquino, A. (1978). O Segredo das Prisões Atlânticas. Lisboa: A Regra do Jogo

 

Firmo, M. (1978). Nas Trevas da Longa Noite-Da Guerra de Espanha ao Campo do Tarrafal”. Lisboa: Publicações Europa-América.

 

Ventura, A. (2001). Memórias da Resistência-Literatura Autobiográfica da Resistência ao Estado Novo. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.

 

Teófilo Braga

 

(A Batalha, VI Série- Ano XLVIII- nº 294, Fev-Mar 2022)

1 comentário:

camalayanke disse...

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