Manuel Firmo nas Trevas
da Longa Noite
Introdução
Manuel Firmo (1909-2005) foi um militante
anarcossindicalista e esperantista que combateu na Guerra Civil Espanhola ao
lado de militantes da CNT/FAI.
Fez parte do grupo “Terra e Liberdade que no Barreiro
editou um jornal com o mesmo nome, entre 1930 e 1931, e da Sociedade
Esperantista Operária Barreirense.
Tendo participado, em 1936, numa perseguição à
PVDE à pedrada quando esta se deslocou às Oficinas Gerais dos
Caminhos‐de‐Ferro do Sul e Sueste, para prender o serralheiro José Francisco,
foi forçado a fugir para Espanha para não ser preso.
Em Espanha, foi secretário administrativo da delegação Permanente da CGT
que estava sedeada em Barcelona. Depois da queda de Barcelona, em 1929, foi
obrigado a refugiar-se em França até ter decidido regressar a Portugal.
Ao chegar a Portugal, pela fronteira de Beirã (Marvão) foi preso a 6 de
agosto de 1941, tendo passado pela prisão do Aljube e por Caxias., antes de ter
embarcado, a 20 de junho de 1942, para o Tarrafal, onde permaneceu até 1 de
fevereiro de 1946, data em que embarcou para Lisboa no paquete “Guiné”.
Sobre a sua juventude, a presença em
Espanha, depois em França e o seu regresso a Portugal, escreveu um livro de memórias intitulado “Nas
Trevas da Longa Noite” que foi editado pelas Publicações Europa-América, em 1978.
Recorde-se
que O Tarrafal funcionou durante 19 anos, de 1936 a 1954, tendo sido reaberto
em 1963 para receber nacionalistas das ex-colónias que se envolveram na luta de
libertação nacional.
Depois de ter passado por Angola, por não ter conseguido trabalho na
chamada metrópole, ele a sua companheira Josefa Ramos fixaram residência em
Barcelona, em 1964.
Apesar de viver no estrangeiro, manteve relações com Portugal, tendo depois
do 25 de abril de 1974 feito parte do Centro de Estudos Libertários de Lisboa e
sido colaborador assíduo do jornal “A Batalha”.
Abaixo, apresento algumas notas que fui tirando enquanto lia o “testemunho
lúcido e sereno de um lutador que, olhando para a sua vida, a conta com
simplicidade não destituída de humor com que a viveu”.
Notas a propósito das Trevas da Longa Noite
1
No primeiro capítulo, Manuel Firmo relata
algumas peripécias da sua vida na escola e fora dela. Retive a descrição do
castigo que apanhou da sua professora por ter perguntado se a polícia não podia
prender os homens que estavam na guerra.
No mesmo capítulo Manuel Firmo fala na “pneumónica”
que não era devidamente combatida pela medicina de então. Mas como nunca falta
engenho e arte, alguém terá sugerido que a melhor forma de acabar com ela seria
pendurar ao pescoço num saquinho uma bola de naftalina e ingerir pela manhã em
jejum um cálice de aguardente.
2
Manuel Firmo, que começou a trabalhar com
12 anos no sector da cortiça, muito jovem, participou numa greve e foi
despedido, tendo depois exercido vários ofícios como servente de pedreiro,
contínuo na CUF e ferroviário.
Autodidata, aprendeu muito com a leitura
de livros existentes em associações operárias e aprendeu esperanto, para se
corresponder com gente de todo o mundo, tendo dilatado a sua fé acerca do espírito
fraterno que deveria unir a humanidade.
Forçado ao exílio, esteve preso da prisão
central de Badajoz, onde coabitavam políticos, assassinos e quadrilheiros, por
ter ilegalmente atravessado a fronteira. Na prisão constatou que “os métodos
coercitivos usados estavam errados, pois “longe de regenerar os detidos e devolvê-los
à vida como homens úteis a si mesmos e à sociedade, os refinava mais ainda na
senda do delito”.
3
Em Madrid, pertenceu a um batalhão cuja
missão era deter o avanço de forças inimigas sobre aquela cidade, num grupo sem
armamento e alimento e sem assistência médica digna deste nome.
Foi para Valença onde primeiro não havia
sinais de guerra e para onde o governo se mudou antes de passar para Barcelona
para onde ele também foi, ficando na retaguarda, onde trabalhou noite e dia e
assistiu a bombardeamentos aéreos.
Com o desenrolar da guerra, desfavorável
aos “republicanos”, ele e os companheiros foram obrigados a deixar Barcelona e
dirigir-se para a fronteira com a França, acabando por irem para o campo de
concentração de Argelès-sur-Mer e depois para outro
em Gurs.
4
Quando
a França entrou em guerra e como era necessária mão de obra foi para Toulouse
para trabalhar na Dewoitine- Societé Nationale de Constructions Aéronautiques
du Midi.
Esta
conquista da liberdade pareceu-lhe “indigna de ser vivida” e acrescentou “Céus!
e pensar que, não obstante as inegáveis conquistas da humanidade, nos domínios
científicos e culturais, era impossível pôr os homens de acordo e condenar para
sempre a execrável guerra.”
Por
serem refugiados, tanto ele como os colegas recebiam menos do que os colegas
franceses. Felizmente para ele o “salário” foi aumentado o que lhe permitia
ajudar os companheiros.
5
Com
a desintegração do exército francês e a derrota da França, os refugiados
voltaram a ser colocado no campo de concentração de Argelès-sur-Mer, onde a comida era
escassa e de má qualidade. Como havia falta de tabaco, os presos recorriam às
beatas atiradas por um gendarme.
Debilitado, tal como os
outros colegas de infortúnio, foi obrigado a trabalhar para conseguir
sobreviver. Agora em vez de ajustador mecânico foi servente da construção civil
manejando pás e picaretas num trabalho de reconstrução de um canal destruído
por umas cheias.
6
Acabado o canal, os
refugiados foram para a cidade de Rodez trabalhar para agricultores. Manuel
Firmo trabalhou para um que era muito exigente e parco na alimentação que
fornecia.
Ao contrário do dono
que abusava o aguilhão para conduzir animais, tinha relutância em o usar, tendo
afirmado o seguinte. “doía-me usar aquele instrumento de tortura”.
Tendo desconfiado que
iria ser mandado para a Alemanha, abandonou o trabalho tendo-se despedido dos
patrões e do cão que o costumava acompanhar, o Mirzaque e decidiu regressar a
Portugal.
Vejamos o que escreveu
sobre aquela despedida: “Certo, é triste confessá-lo; porém, senti mais emoção
com aquela despedida [do cão] do que sentira ao despedir-me dos meus patrões”.
7
Ao
chegar à fronteira portuguesa, um agente da Pide acompanhou-o a Lisboa à sede
daquela polícia política. Só saiu em liberdade depois de “cinquenta e três
meses de prisão, sem julgamento, na trilogia sinistra da ditadura-Aljube, forte
de Caxias e campo de concentração do Tarrafal”.
8
Quase
um ano depois de estar preso no forte de Caxias recebeu a notícia que ia ser
mandado para Cabo Verde, tendo dado entrada no Tarrafal em junho de 1942.
No
campo da morte lenta, Manuel Firmo foi trabalhar para a oficina que era
dirigida por Bento Gonçalves que segundo ele seria para sempre recordado com
infinita saudade. Para humilhar os presos colocavam-nos a fazer trabalhos para
os quais não tinham formação nem estavam habituados a fazer. Assim, segundo
ele: “Para os pedreiros, Acácio Tomás de Aquino (1), José Paixão, Mateus,
Joaquim Pedro e Pessanha, representava um sofrimento terem sob a sua direção
médicos, professores e militares graduados…”
Naquele
malfadado campo, Firmo encontrou vários presos que por lá ficaram muitos anos
após cumprirem as penas e outros que acabaram por morrer sem verem as suas
famílias. Segundo ele, “não houve um clérigo!...um militar!...um político!...um
magistrado!...” do regime que fizesse alguma coisa para alterar a situação.
As
péssimas condições em termos de alimentação e de assistência médica mataram um
grande ser humano, Bento Gonçalves (2), pessoa muito estimada mesmo por quem
não tinha a mesma ideologia política.
9
Horrível foi a descrição das atrocidades cometidas pelas
autoridades e seus mandantes, governador, guardas e médico, cujos resultados
foram a morte de muitos deportados às mãos de um regime que se dizia seguidor
dos bons princípios da Santa Igreja.
A título de exemplo, menciona-se as barbaridades cometidas com os
castigos na chamada “frigideira” que segundo Manuel Firmo era um “cubo de
cimento infernal”. Nelas para além de estarem submetidos a temperaturas
elevadíssimas a alimentação era também desumana: ração alimentar reduzida e
dias alternados a pão e água”. Nas frigideiras “não havia …uma enxerga sequer,
nem uma miserável vasilha para as abluções; apenas havia um balde sem tampa, para
as dejecções e uma pequena bilha com água do Chambom. Papel higiénico ou de
jornal? Para quê? …Que se limpassem com os dedos e com a roupa… Naquele tumulo
de cimento não havia janelas, só existia a porta de ferro da entrada, com uma
pequena fresta no cimo, por onde se filtrava uma ténue claridade e o ar
estritamente indispensável para manter um corpo de pé”.
Notas
(1) Acácio Tomaz de Aquino foi um destacado
militante anarcossindicalista que esteve 12 anos no Tarrafal. Em 1978, publicou
o livro “O Segredo das Prisões Atlânticas”.
(2) Bento António Gonçalves foi Secretário-Geral
do Partido Comunista Português. Entre outros, foi autor do livro “Palavras
Necessárias: a vida proletária em Portugal de 1872 a 1927”. Acácio Tomás de
Aquino, sobre ele escreveu que era um “intransigente defensor do seu partido” e
que “apesar da grande divergência de opiniões eram amigos pessoais. Aquino,
(1978, p. 178)
BIBLIOGRAFIA
Aquino, A. (1978). O Segredo das Prisões Atlânticas. Lisboa: A
Regra do Jogo
Firmo, M. (1978). Nas Trevas da Longa Noite-Da Guerra de Espanha ao
Campo do Tarrafal”. Lisboa: Publicações Europa-América.
Ventura, A. (2001). Memórias da Resistência-Literatura
Autobiográfica da Resistência ao Estado Novo. Lisboa: Câmara Municipal de
Lisboa.
Teófilo Braga
(A Batalha, VI Série- Ano XLVIII- nº 294, Fev-Mar
2022)
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