terça-feira, 20 de outubro de 2020

José Henrique Borges Martins, o Ferreirinha das Bicas e o Bravo

 



José Henrique Borges Martins, o Ferreirinha das Bicas e o Bravo

 

Hoje, faço uma singela homenagem ao poeta terceirense José Henrique Borges Martins e a dois improvisadores da ilha Terceira que ele tão sabiamente acarinhou e de algum modo os imortalizou, Francisco Ferreira dos Santos (o Ferreirinha das Bicas) e Manuel Borges Pêcego (o Bravo).

 

José Henrique Borges Martins que comigo esteve presente em diversas reuniões, onde um grupo de cidadãos preparou a criação, em Angra do Heroísmo, de um jornal independente dos poderes instalados, o “Directo”, que foi dirigido pelo meu colega da Escola Secundária Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, António Neves Leal, foi um poeta de mérito e um destacado investigador da cultura popular, tendo, entre outos, publicado trabalhos sobre os cantadores e improvisadores populares e sobre crendices e feitiçarias.

 

Para além de dar o seu contributo ao “Directo”, Borges Martins, que combateu o Estado Novo com a sua poesia, colaborou com o extinto jornal “A União” e com o “Jornal da Praia”.

 

Com os livros “Cantadores e improvisadores da ilha Terceira”, de 1984, e “Improvisadores da Ilha Terceira. suas vidas e cantorias”, de 1993, Borges Martins homenageou alguns heróis do povo, os cantadores populares.

 

De entre eles, destacamos o Ferreirinha das Bicas que terá sido, segundo alguns, o maior de todos e o Bravo que foi um homem livre e que por isso teve problemas com as autoridades por dizer verdades que as incomodavam.

 

Sobre o Ferreirinha das Bicos, existe uma brochura que foi editada pela Cooperativa Semente, em agosto de 1978, no âmbito de uma homenagem que lhe foi prestada. Segundo aquela organização, a “cultura popular está em perigo” por isso “é necessário e urgente não deixar esquecer, não deixar que matem, que apaguem o que de mais belo temos. O que é verdadeiramente nosso património.”

 

O Ferreirinha das Bicas nos seus improvisos mostrou preocupações sociais e denunciou as desigualdades e a sociedade hipócrita onde vivia.

 

As duas quadras abaixo ilustram bem o pensamento do seu autor:

 

Vai preso quem rouba um pão

Por sua necessidade,

Mas quem rouba meio milhão

Passeia pela cidade

 

Eu conheço falsos sábios

Que pregam religião

Que mostram Cristo nos lábios

E o diabo no coração

 

A temática das desigualdades sociais também foi por diversas vezes abordada por Manuel Borges Pêcego. Para além de ilustrar a sua condição social, a quadra abaixo revela o seu espírito crítico:

Fui pagar a contribuição,

Mas não foi com dinheiro falso,

P’ra calçar tanto ladrão

Que por mim, ando descalço

 

O Bravo teve problemas com a polícia que o mandou internar na casa de saúde de São Rafael. A causa terá sido uma quadra dita em frente à cadeia, onde denunciou as injustiças existentes neste mundo:

Oh, como esta vida é feia

Presos, meditai a fundo.

Só nunca vão à cadeia

Os maiores ladrões do mundo.

 

Teófilo Braga

                                                                        (Correio dos Açores, 32263, 21 de outubro de 2020, p.17)

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