José
Henrique Borges Martins, o Ferreirinha das Bicas e o Bravo
Hoje, faço uma singela homenagem ao poeta
terceirense José Henrique Borges Martins e a dois improvisadores da ilha
Terceira que ele tão sabiamente acarinhou e de algum modo os imortalizou,
Francisco Ferreira dos Santos (o Ferreirinha das Bicas) e Manuel Borges Pêcego
(o Bravo).
José Henrique Borges Martins que comigo
esteve presente em diversas reuniões, onde um grupo de cidadãos preparou a
criação, em Angra do Heroísmo, de um jornal independente dos poderes
instalados, o “Directo”, que foi dirigido pelo meu colega da Escola Secundária
Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, António Neves Leal, foi um poeta de mérito
e um destacado investigador da cultura popular, tendo, entre outos, publicado
trabalhos sobre os cantadores e improvisadores populares e sobre crendices e
feitiçarias.
Para além de dar o seu contributo ao
“Directo”, Borges Martins, que combateu o Estado Novo com a sua poesia, colaborou
com o extinto jornal “A União” e com o “Jornal da Praia”.
Com os livros “Cantadores e improvisadores
da ilha Terceira”, de 1984, e “Improvisadores
da Ilha Terceira. suas vidas e cantorias”, de 1993, Borges Martins homenageou
alguns heróis do povo, os cantadores populares.
De entre eles, destacamos o Ferreirinha
das Bicas que terá sido, segundo alguns, o maior de todos e o Bravo que foi um
homem livre e que por isso teve problemas com as autoridades por dizer verdades
que as incomodavam.
Sobre o Ferreirinha das Bicos, existe uma
brochura que foi editada pela Cooperativa Semente, em agosto de 1978, no âmbito
de uma homenagem que lhe foi prestada. Segundo aquela organização, a “cultura
popular está em perigo” por isso “é necessário e urgente não deixar esquecer,
não deixar que matem, que apaguem o que de mais belo temos. O que é
verdadeiramente nosso património.”
O Ferreirinha das Bicas nos seus
improvisos mostrou preocupações sociais e denunciou as desigualdades e a
sociedade hipócrita onde vivia.
As duas quadras abaixo ilustram bem o
pensamento do seu autor:
Vai preso quem rouba um pão
Por sua necessidade,
Mas quem rouba meio milhão
Passeia pela cidade
Eu conheço falsos sábios
Que pregam religião
Que mostram Cristo nos lábios
E o diabo no coração
A temática das desigualdades sociais
também foi por diversas vezes abordada por Manuel Borges Pêcego. Para além de
ilustrar a sua condição social, a quadra abaixo revela o seu espírito crítico:
Fui pagar a contribuição,
Mas não foi com dinheiro falso,
P’ra calçar tanto ladrão
Que por mim, ando descalço
O Bravo teve problemas com a polícia que o
mandou internar na casa de saúde de São Rafael. A causa terá sido uma quadra dita
em frente à cadeia, onde denunciou as injustiças existentes neste mundo:
Oh, como esta vida é feia
Presos, meditai a fundo.
Só nunca vão à cadeia
Os maiores ladrões do mundo.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32263, 21 de
outubro de 2020, p.17)
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