quarta-feira, 11 de maio de 2022

Crenças, verdades e não verdades sobre abelhas

 


Crenças, verdades e não verdades sobre abelhas

 

A frequência de um “Curso de Introdução à Apicultura”, da responsabilidade da CASERMEL- Cooperativa de Apicultores e Sericicultores de São Miguel, levou-me a pesquisar sobre a introdução de abelhas nos Açores, sobre a existência ou não de abelhas nativas e sobre as crenças existentes na cultura popular relacionadas com as abelhas.

 

Além do referido, aproveitei a oportunidade para averiguar se faziam sentido algumas afirmações relacionadas com os prejuízos que as abelhas causavam em algumas culturas, nomeadamente nas vinhas.

 

Os primeiros historiadores açorianos, como Gaspar Frutuoso, António Cordeiro ou Diogo de Chagas, nos seus escritos mencionavam a existência de abelhas desde os primeiros tempos do povoamento dos Açores. Além disso, referem que o mel por elas produzido era de boa qualidade e mencionam a existência de colmeias e de enxames nas florestas primitivas.

 

No que diz respeito a crenças/superstições, Carreiro da Costa refere, num Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, que a entrada de uma abelha numa casa significava que uma desgraça estava para acontecer. A razão apontada era a seguinte: “É da cera das abelhas que se fazem os círios com que se alumiam os mortos”.

 

Por seu turno, o padre Manuel Ernesto Ferreira, num texto intitulado “Os animais na tradição”, apresenta uma visão diferente. Assim, segundo ele a entrada de uma abelha numa casa “é sinal de boas novas”.

 

No mesmo texto, aquele padre vila-franquense dá a conhecer uma “história”, “impregnada de aromas cristãos”, que abaixo transcrevo:

 

“Estava a Santíssima Virgem para dar à luz o seu Bendito Filho quando pediu à vespa que a acompanhasse. Não quis esta aceitar o convite e disse: “Tenho o meu pão amassado; não posso ir”. Convidou a Senhora abelha que, agradecida, respondeu prontamente: - Perca-se ou não o meu pão, vou acompanhar-te”. Então amaldiçoou a Senhora a vespa, dizendo-lhe: - O teu pão nunca levedará”. E, dirigindo-se à abelha, acrescentou: “O teu pão nunca se perderá: será levedado por todas as flores do mundo, o seu fermento servirá para alumiar o meu Bendito Filho”. O fermento é a cera, de que se fazem os círios que ardem nas igrejas. Em virtude das palavras da Virgem Maria, a vespa não produz mel, que é o melhor dos remédios, e a abelha ficou sendo um animal quase sagrado, portador de saúde, de felicidade e de alegria.”

 

Sobre a importância do mel para as populações, no século XVII, a Câmara Municipal de Vila Franca do Campo ordenou que todos os lavradores que possuíssem canas-de-açúcar e mel declarassem as quantidades que tinham para venda, para evitar que a mesma fosse feita fora do concelho, pois se assim acontecesse ficavam “os pobres desta Vila sem remédio para as suas doenças e necessidades.”

 

Uma ideia errada que terá perdurado alguns séculos foi a do prejuízo causado pelas abelhas nas vinhas.

 

Uma deliberação da autarquia de Vila Franca do Campo, de 1642, surgida após queixas de que as abelhas prejudicavam os engenhos de cana-de-açúcar e as vinhas, exigia que ninguém tivesse “colmeias dentro na Vila e que quem as quiser ter as tenha meia légua da Vila e meia légua fora das vinhas”.

 

Hoje, sabe-se que em vez de prejudicar as vinhas, as abelhas são muito úteis pois, de acordo com Carolina Schoof Centola, como “polinizadoras primárias das plantas que existem nos vinhedos e ao redor, elas criam um ecossistema saudável para elevar a qualidade das uvas.”

 

Outra ideia errada é a de que as abelhas causam danos nas uvas, picando-as. Sobre o assunto, a autora citada acima é clara quando escreve: “Sim, as abelhas bebem o suco da uva, mas, só se essa já estiver sido bicada por um passarinho, inseto ou abertura natural da pele. Ela não fura a uva para beber o líquido!”

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 32730, 11 de maio de 2022, p. 8)

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