Crenças,
verdades e não verdades sobre abelhas
A
frequência de um “Curso de Introdução à Apicultura”, da responsabilidade da
CASERMEL- Cooperativa de Apicultores e Sericicultores de São Miguel, levou-me a
pesquisar sobre a introdução de abelhas nos Açores, sobre a existência ou não
de abelhas nativas e sobre as crenças existentes na cultura popular
relacionadas com as abelhas.
Além
do referido, aproveitei a oportunidade para averiguar se faziam sentido algumas
afirmações relacionadas com os prejuízos que as abelhas causavam em algumas
culturas, nomeadamente nas vinhas.
Os
primeiros historiadores açorianos, como Gaspar Frutuoso, António Cordeiro ou
Diogo de Chagas, nos seus escritos mencionavam a existência de abelhas desde os
primeiros tempos do povoamento dos Açores. Além disso, referem que o mel por
elas produzido era de boa qualidade e mencionam a existência de colmeias e de
enxames nas florestas primitivas.
No
que diz respeito a crenças/superstições, Carreiro da Costa refere, num Boletim
da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, que a entrada de
uma abelha numa casa significava que uma desgraça estava para acontecer. A
razão apontada era a seguinte: “É da cera das abelhas que se fazem os círios
com que se alumiam os mortos”.
Por
seu turno, o padre Manuel Ernesto Ferreira, num texto intitulado “Os animais na
tradição”, apresenta uma visão diferente. Assim, segundo ele a entrada de uma
abelha numa casa “é sinal de boas novas”.
No
mesmo texto, aquele padre vila-franquense dá a conhecer uma “história”,
“impregnada de aromas cristãos”, que abaixo transcrevo:
“Estava a
Santíssima Virgem para dar à luz o seu Bendito Filho quando pediu à vespa que a
acompanhasse. Não quis esta aceitar o convite e disse: “Tenho o meu pão
amassado; não posso ir”. Convidou a Senhora abelha que, agradecida, respondeu
prontamente: - Perca-se ou não o meu pão, vou acompanhar-te”. Então amaldiçoou
a Senhora a vespa, dizendo-lhe: - O teu pão nunca levedará”. E, dirigindo-se à
abelha, acrescentou: “O teu pão nunca se perderá: será levedado por todas as
flores do mundo, o seu fermento servirá para alumiar o meu Bendito Filho”. O
fermento é a cera, de que se fazem os círios que ardem nas igrejas. Em virtude
das palavras da Virgem Maria, a vespa não produz mel, que é o melhor dos
remédios, e a abelha ficou sendo um animal quase sagrado, portador de saúde, de
felicidade e de alegria.”
Sobre
a importância do mel para as populações, no século XVII, a Câmara Municipal de
Vila Franca do Campo ordenou que todos os lavradores que possuíssem
canas-de-açúcar e mel declarassem as quantidades que tinham para venda, para
evitar que a mesma fosse feita fora do concelho, pois se assim acontecesse
ficavam “os pobres desta Vila sem remédio para as suas doenças e necessidades.”
Uma
ideia errada que terá perdurado alguns séculos foi a do prejuízo causado pelas
abelhas nas vinhas.
Uma
deliberação da autarquia de Vila Franca do Campo, de 1642, surgida após queixas
de que as abelhas prejudicavam os engenhos de cana-de-açúcar e as vinhas,
exigia que ninguém tivesse “colmeias dentro na Vila e que quem as quiser ter as
tenha meia légua da Vila e meia légua fora das vinhas”.
Hoje,
sabe-se que em vez de prejudicar as vinhas, as abelhas são muito úteis pois, de
acordo com Carolina Schoof Centola, como “polinizadoras primárias das plantas
que existem nos vinhedos e ao redor, elas criam um ecossistema saudável para
elevar a qualidade das uvas.”
Outra
ideia errada é a de que as abelhas causam danos nas uvas, picando-as. Sobre o
assunto, a autora citada acima é clara quando escreve: “Sim, as abelhas bebem o
suco da uva, mas, só se essa já estiver sido bicada por um passarinho, inseto
ou abertura natural da pele. Ela não fura a uva para beber o líquido!”
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 32730, 11 de maio de 2022, p. 8)
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