sábado, 1 de maio de 2021

SOBRE AGRICULTURA


 


SOBRE AGRICULTURA

1 – O Governo dos Açores anunciou a elaboração de um estudo sobre a Agricultura e deu um prazo de um ano para a sua conclusão. Este será um estudo que atenderá a outros que já existem e terá em atenção os novos desafios que se colocam ao sector agrícola. Em seu tender para que objetivo deve apontar este estudo tendo em atenção que cada ilha é uma realidade agrícola própria?

 

O desenvolvimento da agricultura nos Açores deverá ter sempre como meta, mesmo que inalcançável, a autossuficiência alimentar da região, apontar para a máxima diversificação das culturas e ter em conta as características dos solos de cada ilha. O estudo em questão também não pode ignorar a história da ocupação do solo desde o povoamento e a tradição agrícola de cada ilha.

 

Todos os estudos sobre o futuro da agricultura também deverão ter em conta o respeito pelas áreas naturais e não esquecer que existem pastagens implantadas em zonas de altitude ou declivosas que deveriam ser ocupadas por matas ou mesmo por vegetação indígena e que seria de todo o interesse proceder à sua recuperação.

 

Qualquer estudo e este em especial não pode ser feito à margem dos interessados, pelo que é importante o envolvimento de todos os agricultores em todas as fases do mesmo.

 

2 – A Agricultura açoriana está a entrar numa nova fase, com reajustamentos que indiciam um decréscimo na fileira do leite e, em contrapartida, um aumento da fileira da carne e da horticultura e fruticultura. Em sua opinião como se devem processar estes reajustamentos? Que área de terra deve ser ocupada por cada uma destas fileiras? Porquê?

 

A tendência mundial, pelo menos nos países mais desenvolvidos tem sido a da redução gradual, ainda que lenta, do consumo de carne e de leite, por razões ambientais ou por opções alimentares relacionadas com a saúde dos consumidores. Assim sendo, a grande preocupação deverá ser como reduzir as fileiras da carne e do leite e que alternativas para as mesmas, haverá sem reduzir os rendimentos dos que hoje se dedicam à agropecuária.

 

No que diz respeito às áreas ocupadas por cada uma das fileiras, penso que já dei a resposta antes. Apenas não referi que em cada área deverão ser usadas as melhores práticas agrícolas para obter o máximo rendimento sem degradar os solos.

 

3 – A fileira da carne tem potencial para crescer nos Açores. Como se deve desenvolver esse potencial e que raças se deve usar na fileira da carne?

 

Embora esteja atento a tudo o que se passa na nossa terra, não estou suficientemente informado sobre que raças devem ser usadas para melhor rentabilizar a fileira da carne.

Lembro-me que há alguns anos, o arquiteto paisagista Ribeiro Teles ter mencionado o facto de as raças de gado bovino existentes nos Açores para a produção de leite não serem as mais adequadas, tendo em conta o seu peso e tamanho para as características das pastagens. Será que este é um não problema ou um problema que já foi resolvido nos Açores?

 

4- Há quem defenda que uma das soluções para a “necessária” redução da produção de leite é transformar as pequenas explorações de leite em explorações de carne. Concorda com esta medida e como deve ser aplicada? Que programa de incentivos deve acompanhar este importante reajustamento?

 

Para não se andar aos ziguezagues como tem acontecido em várias áreas da vida económica açoriana tudo deverá ser bem pensado. Como já referi anteriormente, para mim a grande aposta deverá ser na produção de hortícolas e frutícolas, flores, na experimentação de novas culturas, primeiro para consumo interno e depois para exportação.

 

5 – O cálculo do rendimento do produtor de leite e carne tem sido feito na perspetiva da receita obtida por litro de leite e pouco pelo custo das matérias-primas para o produzir. Quando se defende a produção do leite biológico, do leite com iodo e do leite de pastagem, que impacto terá essa alteração na alimentação do gado e, que impacto isso terá para o rendimento do produtor e para o consumidor?

 

Os apoios à criação de gado serão sempre inevitáveis, não pela vontade dos produtores, mas por “imposição” das políticas de preços da Comunidade Europeia. Gostaria imenso de saber quantas explorações agropecuárias seriam viáveis sem a receção de qualquer subsídio.

 

Creio que as necessárias alterações na alimentação do gado farão com que, para a produção do leite biológico, do leite com iodo e do leite de pastagem, os custos de exploração sejam maiores e que não aumentando os subsídios às explorações o preço do leite terá de subir muito, com consequências desagradáveis para os consumidores.

 

Meu pai que por circunstâncias da vida, “herdou” uma pequeníssima exploração agropecuária, há 30 anos já se indignava com o baixo preço do litro de leite pago pela indústria. Hoje parece-me que a situação se mantém.

 

6 – O mercado da carne ainda tem muito caminho para fazer nos Açores, nomeadamente, em São Miguel, onde se exporta ainda muito gado vivo, e a carne em carcaça. O que é preciso fazer para que a Região possa certificar a carne abatida nos matadouros dos Açores, já com a desmancha feita e embalada em vácuo e, com isso, acrescentar valor e desenvolvendo a agroindústria, e criando mais-valias?

 

Penso que quando há 20 anos foi construído o matadouro da ilha de São Miguel, o objetivo era fazer com que na região ficassem as mais valias da produção de carne e acabar com o transporte de gado vivo para o continente português.

 

Não faço ideia por que razão tantos anos depois continua a haver transporte de gado vivo para fora da região, prática cada vez mais contestada nomeadamente pelas organizações integradas no Eurogroup for Animals, por razões relacionadas com o bem-estar animal.

 

7 – A diversificação agrícola passa por um aumento significativo das produções de hortícolas, frutícolas e flores, de modo a equilibrar o déficit que existe quanto às importações que a Região faz. Tal como se tem feito com os incentivos à plantação das vinhas, que incentivos devem ser disponibilizados para incentivar o crescimento da produção agrícola em todas as Ilhas da Região?

 

Para o combate às alterações climáticas é urgente o fomento da biodiversidade tanto na agricultura, como na pecuária e também nos espaços florestais.

 

Acredito que o futuro dos Açores tem de passar pela redução da criação de gado que tem de ser acompanhada pela diversificação agrícola, através da produção de mais hortícolas, mais frutos, mais flores, mais mel, etc., sempre que possível associada a pequenas agroindústrias de aproveitamento das produções não consumidas na região ou não exportadas. Para potenciar o rendimento dos agricultores, às explorações agrícolas poderá estar associado o agroturismo.

 

Para a manutenção dos rendimentos, são importantes apoios à reconversão das explorações, que deverão ser maximizados nos primeiros anos até às novas culturas atingirem a produção plena. Apoio especial, deverão ter todos os agricultores que optem pelo modo de produção biológico.

 

Mas, os incentivos não se devem limitar aos financeiros. O Governo Regional através dos vários Serviços que possui, isoladamente ou em colaboração com a Universidade dos Açores, deverá incrementar o apoio aos agricultores, quer no aconselhamento das melhores culturas e das técnicas mais adequadas às características dos solos, quer na investigação e desenvolvimento de melhores cultivares e no combate a pragas e doenças.

 

Um grande obstáculo à pequena produção é a comercialização dos produtos obtidos. Embora dependa essencialmente da vontade dos produtores, a criação de cooperativas de consumo/produção poderiam ser uma mais valia para o escoamento das colheitas.

 

Outra medida urgente a ser tomada é o ensino da agricultura nas escolas que não pode ficar pelos alunos que não se adaptam ao ensino dito regular.

 

Pico da Pedra, 25 e 26 de abril de 2021

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 1 de maio de 2021)

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