quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A Récita da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo


A Récita da Ribeira Seca de Vila Franca do Campo


Desde criança ouço falar numa récita organizada na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo que havia contado com a participação de alguns familiares meus e cuja receita reverteu para o hospital da Santa Casa da Misericórdia.
Durante vários anos tentei recolher informação das pessoas mais idosas da localidade, mas em vão porque como vim a descobrir recentemente o espetáculo de amadores havia ocorrido em 1936.
Tanto quanto nos foi possível apurar a récita esteve no palco, em Vila Franca do Campo, no Salão Orion, nos dias 12 e 13 de Abril de 1936. No dia 19 de Abril, o espetáculo terá sido apresentado, no Vale das Furnas, no Salão Furnense e em data que desconhecemos estava prevista uma atuação do Grupo, que se denominava “Os Campesinos”, no “Yo-Yo Cinema”, pertencente ao sr. Antero Batista da Câmara, onde iria apresentar novas comédias e novos números de variedades.
O programa do grupo, dirigido por José Nicolau Pacheco, era, de acordo com o jornal Correio dos Açores, de 8 de Abril de 1936, o seguinte:
1ª Parte- “O criado distraído”, comédia em um ato que contou com a participação de Manuel de Sousa, Maria do Carmo Andrade, João Verdadeiro e David de Sousa.
2ª Parte- “Os Marinheiros”, canção com letra de João Jacinto Januário e música de Manuel Pereira Salvador, interpretada por Inês Furtado acompanhada por um coro constituído por um grupo de crianças.
“Dó, ré, mi”, terceto cómico, por João Verdadeiro, Manuel de Sousa e José de Braga.
“O Terrível”, monólogo, por Virgínio Branco.
“A Sirandina”, dueto por Carmo Lopes e Maria de Deus Pacheco.
“O operário”, tango, com letra de João Jacinto Januário, música de Manuel Jacinto Arraial, interpretado por João Verdadeiro.
“O mylord”, monólogo por Fernando de Melo.
“As castanholas”, fado por Inês Furtado.
“Os pastores”, “Romanza” interpretada por Diamantina Lopes, Ermelinda Andrade, Maria José de Melo, Maria do Carmo Andrade, Maria de Deus Pacheco, Diamantina Braga, Carmo Lopes, Virgínio Branco, José Braga, João Verdadeiro, João Bento, José Lopes, Gabriel Brum e Manuel Inácio.
3ª Parte- “Doutor especialista em doenças nervosas”, comédia em um ato, interpretada por José de Braga, Maria José de Melo, Maria de Deus Pacheco, Maria do Carmo Andrade e Virgínio Branco.
Todo o espetáculo era abrilhantado pelo agrupamento musical “Santa Cecília”, da Ribeira das Tainhas dirigido pelo “distinto violinista” Manuel Jacinto Arraial e a despedida e os agradecimentos eram feitos por Mariano da Costa Bota.
Em 1936, a Ribeira Seca que era habitada maioritariamente por camponeses pobres e com baixa escolaridade era exemplo a seguir pelas iniciativas que tomava, de que se destacam a récita referida anteriormente, cujos intérpretes na sua maioria nunca haviam pisado qualquer palco e nalguns casos nunca tinham entrado num teatro. Além disso, as dificuldades por que passavam não impediam que fossem solidários, de tal modo que os proveitos obtidas com espetáculo não eram para os organizadores e para os participantes, mas sim a favor do Hospital.
A outra iniciativa digna de apreço concretizada em 1936 foi o cortejo dos Reis Magos que, de acordo com o correspondente do Correio dos Açores, em Vila Franca do Campo, “fez sair para a rua toda a população desta vila e arredores, computada em alguns milhares de pessoas, na ansia de verem desfilar a referida embaixada”.
Hoje, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, reina a apatia e a mão estendida, de tal modo que parece haver alguma mobilização apenas durante a caça ao voto e as iniciativas que se fazem são quase todas suportadas por subsídios e outros apoios.
Sinais dos tempos?

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 30462, 15 de Outubro de 2014, p.9)

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