sábado, 1 de março de 2008

Escolas, fábricas de precariedade do século XXI ??

Como prof. do ensino secundário, é triste para mim sentir que estou a entusiasmar alunos para estudarem, para serem aplicados nos estudos, mas com a certeza de que muitos, talvez os mais criativos (?), serão impiedosamente esmagados pela máquina de triturar do capitalismo, com as roupagens de hoje, através da chantagem do emprego precário.

Também é um sofrimento, evidentemente, como pai de três jovens (com 22,14 e 12 anos), que partilharão necessariamente as agruras da selvajaria de mercado, com os restantes da sua geração (e com os mais velhos).

Como revolucionário que participou anonimamente no «25 de Abril», apesar de derrotado (uma revolução que fica a meio caminho transforma-se sempre em contra-revolução), nunca me deixei adormecer no conforto relativo de uma situação «estabilizada» e
posso dizer que sinto enorme frustração/sofrimento: pensar que fizemos tantos esforços para derrubar o fascismo, para erguer um regime democrático e tentar dar corpo ao nosso sonho de um socialismo auto-gestionário... para chegarmos a «isto»...

Pois temos de aprender com as nossas próprias experiências e com as dos outros.

Temos de fazer vingar uma organização horizontal, flexível, democrática, com um modo assembleário de tomada de decisão, descentralizada, capaz de impulsionar as lutas onde elas surjam e de as sustentar, divulgar em todo o lado.

A luta contra a precariedade começa na escola? Não, ela começa em nós próprios. Temos de sacudir a canga de indiferença, de conformismo, de medo, de cobardia e pensar naquilo que está ao nosso alcance (ao meu, ao teu ao nosso) fazer para mudar uma situação.
Porque a precariedade já assume o papel de maior ameaça que paira sobre as cabeças das jovens gerações e portanto, sobre a das gerações mais velhas também, que olham para os jovens com amor e desespero ao vê-los quase desarmados, enfrentar a pior crise, que o capitalismo jamais fabricou.

Os profs precários são mantidos precários por vontade deliberada do ME, porque é ele que tem feito com que os lugares de quadros de zona sejam desviados do seu objectivo louvável inicial, o que explica porque cada novo ano lectivo haja cerca de 10% (é enorme!) dos professores colocados no INÍCIO do ano lectivo que são precários.
Isto significa que os quadros do ME são grosseiramente calculados abaixo das necessidades REAIS do sistema de ensino (cuja estimativa é fácil de fazer).
A mesma coisa se passa (ou pior ainda) com os auxiliares de acção educativa e com técnicos administrativos das escolas.
É preciso denunciar isto, com força.
É preciso explicar isto à sociedade civil em geral.

Mas apenas pela voz dos trabalhadores da educação (docentes e não-docentes) apenas pelo seu discurso directo se poderá compreender a dimensão humana desta tragédia, a repercussão gravíssima que tem na escola, na sua qualidade como um todo... por mais dedicados que sejam os nossos colegas com vínculo precário.
Se uma turma fica meses a fio sem prof., a culpa é do ME, não dos profs que desejam vir substituir um prof. com doença prolongada, ou uma prof. em licença de parto, ou outros casos.

A sociedade civil tem de compreender que o efeito da precariedade na escola é multiplicador, embora seja uma condição, infelizmente banalizada na sociedade em geral. Atrevo-me a considerar que na escola e na saúde, essa precariedade torna-se criminosa, pois é um ataque directo à qualidade dos referidos sistemas.

Manuel Baptista (a título individual)
Colectivo Luta Social


PS- Este é o depoimento de um colega de Lisboa, as minhas preocupações não seriam muito diferentes.

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