quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Do ensino privado ao público em Vila Franca do Campo



Do ensino privado ao público em Vila Franca do Campo
Em 1904, a então regente do reino, D. Maria Pia, concedeu licença para que o Instituto de Vila Franca do Campo, futuro Externato, iniciasse a atividade letiva.
Até à criação da então chamada Escola Preparatória de Vila Franca do Campo, que abriu as suas portas a 29 de Outubro de 1984, o Externato desempenhou um papel de relevo como instituição de caráter cultural e educativo, sendo apenas lá que se ministrava o ensino para além da quarta classe.
Até ao seu desaparecimento, pelo Externato de Vila Franca passaram muitos alunos sobretudo das famílias com mais posses. Contudo, foi graças a ele que muitos jovens oriundos de algumas famílias sobretudo da chamada classe média, de camponeses com terra ou filhos de emigrantes conseguiram prosseguir os seus estudos, pelo menos até ao antigo quinto ano de escolaridade (hoje nono ano).
Não sei se sempre, mas pelo na altura em que o frequentei a direção do Externato concedia, embora em reduzido número, a isenção do pagamento de propinas a alguns alunos mais carenciados, o que é digno de ser elogiado. Mas, como no melhor pano cai a nódoa, na ocasião soube que um aluno de Água d’Alto com bom aproveitamento escolar não conseguiu prosseguir estudos, para além do segundo ano, pois foi preterido a favor de outro que vivia com uma pessoa sem quaisquer dificuldades económicas.
Com a democratização da sociedade iniciada a 25 de Abril de 1974, os partidos e as pessoas ideologicamente situados à esquerda ou os “cristãos-novos” tudo fizeram para controlar o jornal “A Vila” que acabou por deixar de se publicar e para tirar o monopólio do ensino pós primário ao Externato de Vila Franca do Campo, cujos dirigentes e professores, na maioria padres e professores do primeiro ciclo do ensino básico, eram ou tinham sido apoiantes do regime deposto ou eram conservadores e ligados aos partidos colocados à direita do espectro político, o que só viria a acontecer 10 anos depois do levantamento militar.
De entre as diligências e ações efetuadas recordo-me de uma “campanha” de artigos de opinião publicados num dos jornais diários de Ponta Delgada planeada na casa, de um militante de um partido político não pertencente ao arco da governação.
No âmbito da referida “campanha”, que ocorreu em 1977, escreveram António Medeiros Andrade (pseudónimo), Humberto Amaral (pseudónimo), Ricardo Rodrigues e José Dias, tendo o Corpo Diretivo do Externato emitido um esclarecimento onde critica “os autores do artiguelho e da carta aberta” que “ou estão mal informados ou adulteram propositadamente a realidade para desvirtuarem a ação deste Externato “.
O esclarecimento, para além de referir “a degradação que o Ensino sofreu após o 25 de Abril com a onda de libertinagem e anarquia que assolou a Nação, a que Vila Franca do Campo não ficou alheia, da qual ainda se ressente e que alguém procura recriar, insuflando-lhe novas energias pseudo progressistas” apresenta ataques pessoais como se pode ver pelo parágrafo seguinte: “Não pode conceber-se que a formação de um Corpo Docente responsável fique à mercê de indivíduos que não conseguem outro emprego ou que falharam no exame de aptidão ao Ensino Superior e que pretendem apenas entreter as horas de ócio onde, erradamente julgam mais conveniente e fácil”.
Humberto Amaral, no seu texto denuncia o facto de os professores serem admitidos por simpatia, de alguns professores acumularem funções indo portanto “auferir dois ordenados” quando “naquela vila, há pessoas desempregadas, uns casados, outros solteiros, que não podem ser admitidos, e a razão é muito simples: o sr. Prior não quer!”
Ricardo Rodrigues, em Carta aberta ao Dr. Reis Leite, Secretário Regional da Educação, além de denunciar as mesmas situações referidas por Humberto Amaral, refere o facto de um professor recusar distribuir aos alunos textos recebidos do Ministério da Educação e o encerramento de uma cantina “porque não dava lucro”.
José Dias, por seu turno, relata que após algumas diligências feitas antes do 25 de Abril para a instalação do ensino oficial no concelho, foi a primeira Comissão Administrativa da Câmara Municipal que procurou dar corpo à ideia, a qual não foi implementada apesar de haver um despacho favorável à criação da referida escola. José Dias também referiu que outras localidades de outras ilhas iriam já beneficiar no ano letivo de 1977-78 “com o Ciclo Oficial” e acaba com a seguinte questão: o que espera a população local? Que o ensino oficial caia do céu?”
Por último, António Andrade chama a atenção para o facto de ser da incumbência do Estado “levar a todas as parcelas do território nacional, a toda a população do país, o ensino, a instrução, a cultura”
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 2996, 15 de Janeiro de 2014, p.15)

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