terça-feira, 25 de abril de 2023

Combate insuficiente às espécies invasoras


1 – Decidiu plantar 1.500 plantas nativas e endémicas com o objetivo de ajudar a preservá-las. Quais as plantas que escolheu e onde decorre essa recuperação desse património natural?

No local da Ribeira Nova, na Ribeira Seca de Vila Franca do Campo possuo um terreno com cerca de 1 hectare que no passado esteve ocupado com matas de criptomérias, incensos e acácias, por fruteiras diversas e por uma pastagem, tendo estado durante algum tempo esteve abandonado.

Há alguns anos decidi recuperar o pomar, e o ano passado comecei a dedicar-me à apicultura, mais preocupado com o papel das abelhas na polinização do que na recolha de mel. Assim, comecei a plantar algumas fruteiras e plantas ornamentais melíferas e algumas endémicas.

No final do ano passado, decidi ocupar uma parte de terreno com espécies nativas e endémicas com o objetivo de tentar recriar o que terá sido a “floresta” primitiva dos Açores, tendo pedido plantio aos Serviços Florestais de Ponta Delgada que cederam mais de 1500 plantas, tendo sido da sua responsabilidade a escolha das seguintes espécies: faias (Morella faya), azevinhos (Ilex azorica), folhados (Viburnum treleasei), sanguinhos (Frangula azorica), ginjas-do-mato (Prunus azorica) e urzes (Erica azorica).

2 – Na qualidade de ambientalista que há várias décadas defende a preservação de espécies endémicas, qual a avaliação que faz do estado de conservação de algumas dessas plantas na Região?

Para a manutenção da vida na Terra é fundamental conservar a biodiversidade que está profundamente ameaçada pelas mais diversas atividades humanas.

Nas nossas ilhas, para além das alterações ao uso dos solos ao longo dos tempos, com destaque para a ocupação dos mesmos por pastagens artificiais, regista-se a expansão de algumas espécies invasoras, como a cletra (Clethra arborea) e o gigante (Gunnera tinctoria), que constituem uma ameaça para as espécies endémicas. Felizmente para as restantes ilhas, estas duas espécies apenas estão presentes em São Miguel.

Como não faço investigação na área, recorro ao livro “Flora Vascular dos Açores. Prioridades em Conservação”, da autoria dos biólogos Luís Silva, Mónica Martins, Graciete Maciel e Mónica Moura, para afirmar “que mais de dois terços da flora indígena açoriana …corre sérios riscos de desaparecimento”.

3 – As medidas, de diferentes níveis, de proteção das espécies endémicas nos Açores são suficientes e eficazes?

Para quem, desde os primeiros anos da década de oitenta do século passado, luta por um melhor ambiente e uma melhor qualidade de vida nos Açores, não deixa de ser frustrante o estado do património natural dos Açores. Se é verdade que desde aquela altura até hoje foram criadas diversas áreas protegidas nos Açores, algumas propostas por associações de defesa do ambiente, não é menos verdade que as mesmas quase figuram apenas no papel.

Também tem sido insuficiente o combate às espécies invasoras, tanto dentro como fora das áreas protegidas. Podia exemplificar com o caso do gigante que, na ilha de São Miguel, há quarenta anos apenas existia na parte ocidental da ilha e que hoje já está presente na parte oriental mais propriamente na Serra Devassa (Sete Cidades).

4 – Quais os danos que podem ser provocados nos ecossistemas devido à crescente pressão turística que se assiste nos Açores?

Se é verdade que o turismo poderá ter impactos positivos em termos ambientais, económicos e sociais, não é menos verdade que se não forem tomadas medidas para proibir o acesso a locais mais sensíveis, como no interior de algumas reservas naturais, ou limitar o número de visitantes, tendo em conta a capacidade de carga de uma determinada área protegida, poderão existir impactos negativos sobre a flora, a fauna e o próprio habitat.

Não sendo exaustivo, refiro que a presença de pessoas com uma fraca “consciência ecológica” leva inevitavelmente à deposição de resíduos, o pisoteio leva à compactação do solo o que origina alterações no padrão de circulação da água, provocando a erosão do mesmo.

Ao longo dos trilhos existentes nas áreas protegidas, algumas espécies da flora, sobretudo as invasoras, têm mais hipóteses de sobreviver do que outras mais sensíveis. O mesmo acontece com a fauna, em que há um aumento das espécies mais tolerantes à presença humana e uma diminuição das mais sensíveis. Além disso o pisoteio provoca uma redução da biomassa da fauna do solo.

(Diário Insular, 25 de abril de 2023)

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