Alice
Moderno e Teófilo Braga
Quem
consultar vários documentos existentes na Biblioteca Pública e Arquivo Regional
de Ponta Delgada e alguns textos publicados por Alice Moderno em vários jornais
facilmente chega à conclusão de que houve uma relação de amizade entre a
feminista e defensora dos animais, Alice Moderno, e o escritor e político que
foi presidente da República de Portugal, Joaquim Teófilo Fernandes
Braga.
A
troca de correspondência
Não
podendo, pelo menos por agora, precisar quando começou o relacionamento entre
eles, uma coisa é certa, Alice Moderno e Teófilo Braga não se conheceram nos
Açores. Com efeito, Teófilo Braga partiu de Ponta Delgada para Portugal
continental em 1861 e nunca regressou à sua terra natal e Alice Moderno,
nascida em Paris, fixou a sua residência em São Miguel em 1876, embora tivesse
passado por Ponta Delgada antes.
É
bem possível que a iniciativa de contato entre ambos tenha partido de Alice
Moderno, através da oferta do seu livro “Aspirações”, publicado em 1886. A
carta de agradecimento de Teófilo de Braga pode ser lida no livro “Uma Mulher pioneira-Ideias, Intervenção e Acção de Alice
Moderno”.
Em
1887, numa carta enviada por Alice Moderno a Teófilo Braga, aquela agradeceu o
tempo que este despendeu e agradeceu os conselhos dados, afirmando que os
seguirá.
Em
1888, Alice Moderno, por carta datada de 20 de agosto, convidou Teófilo Braga
para colaborar no seu jornal Recreio das Salas.
A
19 de fevereiro de 1890, Teófilo Braga agradeceu dois textos de Alice Moderno
sobre o livro, de Camilo Castelo Branco, “A Maior Dor Humana”, onde são homenageados
os dois filhos daquele que haviam falecido.
Também
em 1890, Alice Moderno, que era professora particular em São Miguel, pretendeu
ser colocada como professora de Francês num liceu feminino em Lisboa, tendo em
carta datada de 16 de abril pedido a Teófilo Braga para indicar o seu nome para
ocupar um lugar, visto que os professores eram nomeados e não colocados por
concurso. A resposta de Teófilo Braga foi a de que não tinha influência/poder
para tal. Na sua carta, datada de 4 de junho, afirmou o seguinte: “Não é por
serem governos monárquicos, que eu dignamente estou inibido de pedir qualquer
coisa em favor da justiça ou do talento; é porque eu conheço pessoalmente os
nossos homens públicos, os nossos grandes estadistas, sei a biografia íntima de
cada um, e tendo a todos por entes degradados, organicamente corruptos, enfim
como malandros- dando a esta palavra o sentido que o povo lhe imprime quando a
aplica aos gatunos mais incorrigíveis.”
Teófilo
Braga, a 1 de julho de 1893, agradece a oferta do romance de Alice Moderno, “O
Doutor Sandoval”, assinando a carta como “muito admirador e servo digníssimo”.
Em
carta datada de 6 de fevereiro de 1895, Alice Moderno pede a Teófilo Braga para
que este use a sua influência no sentido de ser feita justiça num caso de
contestação do testamento de Maria Balbina Peixoto, que estava a ser analisado
no Supremo Tribunal de Justiça.
A
7 de junho de 1901, Teófilo Braga responde a uma carta de Alice Moderno, datada
de 20 de maio, “sobre o projecto de uma correspondência para alguns dos jornais
mais importantes de Lisboa por ocasião da viagem régia aos Açores.”
Nos
dias 5 e 19 de outubro de 1915, Alice Moderno envia um cartão a Teófilo Braga
cumprimentando-o. Para além deste, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de
Ponta Delgada, há outros cartões de Alice Moderno, alguns não datados, de
despedida ou de apresentação de pêsames pela morte de familiares de Teófilo
Braga.
O
que havia em comum entre eles?
Entre
os pontos que tanto Teófilo Braga como Alice Moderno tinham em comum,
destacamos o republicanismo e a sua oposição às touradas.
Teófilo
Braga combateu a monarquia muitos anos antes do seu derrube, em 1910, tendo já em
1878 sido candidato republicano a uma eleições em que obteve 434 votos. Dois
anos depois, em 1880, foi candidato republicano pelo Círculo de Ponta Delgada,
tendo na altura sido considerado pelo Diário dos Açores como “anarchista” e
“atheu” e “defensor da revolução sangrenta”. O vencedor foi Caetano d’Andrade
Albuquerque, candidato do Partido Popular Progressista, apoiado pelo referido
jornal.
Alice
Moderno, por sua vez, também aderiu aos ideais republicanos antes da
implantação da República. Com efeito, Alice Moderno que primeiro fora
monárquica, admiradora dos reis
que respeitavam e defendiam a liberdade do povo e que, em 1901, aquando da
visita de D. Carlos e de D. Amélia aos Açores, escreveu “Açores, Pessoas e
Coisas” que dedicou à Rainha, a 3 de dezembro de 1906, em carta dirigida a Ana
de Castro Osório, declara a sua adesão ao movimento republicano, tendo escrito
o seguinte: “Felicito-a, ou antes, felicitem-nos que eu sou também uma
republicana pur sang”.
A posição de Alice Moderno sobre as touradas é
a de clara oposição às mesmas e foi manifestada publicamente por mais de uma
vez, através dos seus escritos, de que são exemplos as suas Cartas das Ilhas,
números XIX e XX.
Na “Cartas das Ilhas – XIX”, dedicada a Luís
Leitão, publicada no jornal “A Folha”, de 8 de março de 1912, Alice Moderno
relata que contrariada foi assistir a uma tourada a convite de amigos
terceirenses e confessa a sua compaixão pelo cavalo “esquelético”, um “pobre
animal, ser incompleto, irmão nosso inferior” que “no fim da vida, é posto à
margem e alugado a preço ínfimo, para ir servir de alvo às pontas de uma
fera…”. A fera (o touro) por seu lado, “será barbaramente farpeada, até que,
enfurecida, ensanguentada, ludibriada, injuriada, procurará vingar-se
arremessando-se sobre o adversário que a desafia e fere”.
Na “Cartas das Ilhas – XX”, publicada no jornal
“A Folha”, de 10 de março de 1912, Alice Moderno confidencia que, para não
ferir suscetibilidades, não fala no “tema perigosíssimo das toiradas”, nem
comunica o que vai na sua alma aos terceirenses, que segundo ela são
“semi-espanhóis no capítulo de los toros, e não compreenderiam a minha
excessiva sentimentalidade”.
A posição de Teófilo Braga sobre as touradas
é-nos dada a conhecer através de um texto de Vitória Pais
Freire de Andrade (1883-1930), uma professora natural de Ponte de Sor que teve
um papel de destaque nas organizações e atividades feministas, nomeadamente no
Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, no movimento associativo de
professores e no movimento que lutou pela extinção das touradas.
Segundo
Vitória de Andrade, Teófilo Braga “quando em 1889 foi demolida a célebre praça
do Campo de Sant’ Ana, e nesse mesmo ano foi apresentada à Câmara Municipal uma
proposta para ela conceder terreno no Campo Pequeno, a fim de ali se fazer uma praça
de touros, protestou com toada a sua energia para que tal concessão não se
fizesse, atentos os fins desmoralizadores a que se destinava. Como, porém, se
encontrava desacompanhado na luta, muito embora defendendo a verdade e a razão,
foi vencido…”
Após
a morte de Teófilo Braga, Alice Moderno escreveu vários textos sobres aquele. Para
além do que foi publicado no “In Memoriam do Doutor Teófilo Braga 1843-1924”, intitulado
“Um Forte”, destaco o que ela denominou “Teófilo Braga”, publicado num número
de homenagem que o Correio dos Açores lhe dedicou e que viu a luz do dia a 24
de fevereiro de 1943.
Através
do texto “Teófilo Braga” fica-se a saber que numa das suas viagens a Lisboa, Alice
Moderno foi convidada por ele, que ocupava o cargo de Presidente da República,
para o visitar, como amiga, na sua residência e não no palácio presidencial,
onde pouco permanecia, o que aconteceu. O escrito, que vimos citando, termina
do seguinte modo:
“Açoriano
dos mais ilustres, e o mais eminente dos micaelenses, volta a habitar esta
ilha, de onde saiu escorraçado pela má sorte, onde regressa, infelizmente em
efígie, mas como triunfador.
É
justo que lhe tributemos as nossas mais vibrantes palmas, e desfolhemos aos pés
do seu monumento as nossas mais lindas flores, e justo é também que a Câmara
Municipal de Ponta Delgada, seguindo o exemplo da Junta Geral, que comprou aos herdeiros
de Teófilo a sua Biblioteca, adquira por sua vez a casa modesta onde nasceu,
passando a ser o ninho da águia propriedade concelhia.”
Bibliografia
Braga,
T. (2016). O Dr. Teófilo Braga e os animais. Correio dos Açores, 2 de agosto.
Braga,
T. (2020). Vidas Exemplares. Ponta Delgada, Letras Lavadas, 327 pp.
Comissão
Teófilo Braga (org,) (1934). In Memoriam do Doutor
Teófilo Braga 1843-1924. Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 518 pp.
Moderno,
A. (1943). Teófilo Braga. Correio dos Açores, 24 de fevereiro.
Pereira,
J. (1985-1988). A vida em Ponta Delgada em 1880 através do jornal “Diário dos
Açores- subsídios para o estudo do século XIX micaelense. In Boletim do Núcleo
Cultural da Horta, Vol 8, nº 1-2-3, pp 85- 133.
Vilhena,
M. (1987). Alice Moderno- a mulher e a obra. Angra do Heroísmo, Direção
Regional dos Assuntos Culturais. 377 pp.
Vilhena,
M. (2001). Uma Mulher pioneira-Ideias, Intervenção e Acção de Alice Moderno”.
Lisboa, Edições Salamandra. 288 pp.
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