domingo, 16 de fevereiro de 2025

Alice Moderno e Teófilo Braga

 


Alice Moderno e Teófilo Braga

 

Quem consultar vários documentos existentes na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada e alguns textos publicados por Alice Moderno em vários jornais facilmente chega à conclusão de que houve uma relação de amizade entre a feminista e defensora dos animais, Alice Moderno, e o escritor e político que foi presidente da República de Portugal, Joaquim Teófilo Fernandes Braga.

 

A troca de correspondência

 

Não podendo, pelo menos por agora, precisar quando começou o relacionamento entre eles, uma coisa é certa, Alice Moderno e Teófilo Braga não se conheceram nos Açores. Com efeito, Teófilo Braga partiu de Ponta Delgada para Portugal continental em 1861 e nunca regressou à sua terra natal e Alice Moderno, nascida em Paris, fixou a sua residência em São Miguel em 1876, embora tivesse passado por Ponta Delgada antes.

 

É bem possível que a iniciativa de contato entre ambos tenha partido de Alice Moderno, através da oferta do seu livro “Aspirações”, publicado em 1886. A carta de agradecimento de Teófilo de Braga pode ser lida no livro “Uma Mulher pioneira-Ideias, Intervenção e Acção de Alice Moderno”.

 

Em 1887, numa carta enviada por Alice Moderno a Teófilo Braga, aquela agradeceu o tempo que este despendeu e agradeceu os conselhos dados, afirmando que os seguirá.

 

Em 1888, Alice Moderno, por carta datada de 20 de agosto, convidou Teófilo Braga para colaborar no seu jornal Recreio das Salas.

 

A 19 de fevereiro de 1890, Teófilo Braga agradeceu dois textos de Alice Moderno sobre o livro, de Camilo Castelo Branco, “A Maior Dor Humana”, onde são homenageados os dois filhos daquele que haviam falecido.

 

Também em 1890, Alice Moderno, que era professora particular em São Miguel, pretendeu ser colocada como professora de Francês num liceu feminino em Lisboa, tendo em carta datada de 16 de abril pedido a Teófilo Braga para indicar o seu nome para ocupar um lugar, visto que os professores eram nomeados e não colocados por concurso. A resposta de Teófilo Braga foi a de que não tinha influência/poder para tal. Na sua carta, datada de 4 de junho, afirmou o seguinte: “Não é por serem governos monárquicos, que eu dignamente estou inibido de pedir qualquer coisa em favor da justiça ou do talento; é porque eu conheço pessoalmente os nossos homens públicos, os nossos grandes estadistas, sei a biografia íntima de cada um, e tendo a todos por entes degradados, organicamente corruptos, enfim como malandros- dando a esta palavra o sentido que o povo lhe imprime quando a aplica aos gatunos mais incorrigíveis.”

 

Teófilo Braga, a 1 de julho de 1893, agradece a oferta do romance de Alice Moderno, “O Doutor Sandoval”, assinando a carta como “muito admirador e servo digníssimo”.

 

Em carta datada de 6 de fevereiro de 1895, Alice Moderno pede a Teófilo Braga para que este use a sua influência no sentido de ser feita justiça num caso de contestação do testamento de Maria Balbina Peixoto, que estava a ser analisado no Supremo Tribunal de Justiça.

 

A 7 de junho de 1901, Teófilo Braga responde a uma carta de Alice Moderno, datada de 20 de maio, “sobre o projecto de uma correspondência para alguns dos jornais mais importantes de Lisboa por ocasião da viagem régia aos Açores.”

 

Nos dias 5 e 19 de outubro de 1915, Alice Moderno envia um cartão a Teófilo Braga cumprimentando-o. Para além deste, na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, há outros cartões de Alice Moderno, alguns não datados, de despedida ou de apresentação de pêsames pela morte de familiares de Teófilo Braga.

 

O que havia em comum entre eles?

 

Entre os pontos que tanto Teófilo Braga como Alice Moderno tinham em comum, destacamos o republicanismo e a sua oposição às touradas.

 

Teófilo Braga combateu a monarquia muitos anos antes do seu derrube, em 1910, tendo já em 1878 sido candidato republicano a uma eleições em que obteve 434 votos. Dois anos depois, em 1880, foi candidato republicano pelo Círculo de Ponta Delgada, tendo na altura sido considerado pelo Diário dos Açores como “anarchista” e “atheu” e “defensor da revolução sangrenta”. O vencedor foi Caetano d’Andrade Albuquerque, candidato do Partido Popular Progressista, apoiado pelo referido jornal.

 

Alice Moderno, por sua vez, também aderiu aos ideais republicanos antes da implantação da República. Com efeito, Alice Moderno que primeiro fora monárquica, admiradora dos reis que respeitavam e defendiam a liberdade do povo e que, em 1901, aquando da visita de D. Carlos e de D. Amélia aos Açores, escreveu “Açores, Pessoas e Coisas” que dedicou à Rainha, a 3 de dezembro de 1906, em carta dirigida a Ana de Castro Osório, declara a sua adesão ao movimento republicano, tendo escrito o seguinte: “Felicito-a, ou antes, felicitem-nos que eu sou também uma republicana pur sang”.

 

A posição de Alice Moderno sobre as touradas é a de clara oposição às mesmas e foi manifestada publicamente por mais de uma vez, através dos seus escritos, de que são exemplos as suas Cartas das Ilhas, números XIX e XX.

 

Na “Cartas das Ilhas – XIX”, dedicada a Luís Leitão, publicada no jornal “A Folha”, de 8 de março de 1912, Alice Moderno relata que contrariada foi assistir a uma tourada a convite de amigos terceirenses e confessa a sua compaixão pelo cavalo “esquelético”, um “pobre animal, ser incompleto, irmão nosso inferior” que “no fim da vida, é posto à margem e alugado a preço ínfimo, para ir servir de alvo às pontas de uma fera…”. A fera (o touro) por seu lado, “será barbaramente farpeada, até que, enfurecida, ensanguentada, ludibriada, injuriada, procurará vingar-se arremessando-se sobre o adversário que a desafia e fere”.

 

Na “Cartas das Ilhas – XX”, publicada no jornal “A Folha”, de 10 de março de 1912, Alice Moderno confidencia que, para não ferir suscetibilidades, não fala no “tema perigosíssimo das toiradas”, nem comunica o que vai na sua alma aos terceirenses, que segundo ela são “semi-espanhóis no capítulo de los toros, e não compreenderiam a minha excessiva sentimentalidade”.

 

A posição de Teófilo Braga sobre as touradas é-nos dada a conhecer através de um texto de Vitória Pais Freire de Andrade (1883-1930), uma professora natural de Ponte de Sor que teve um papel de destaque nas organizações e atividades feministas, nomeadamente no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, no movimento associativo de professores e no movimento que lutou pela extinção das touradas.

 

Segundo Vitória de Andrade, Teófilo Braga “quando em 1889 foi demolida a célebre praça do Campo de Sant’ Ana, e nesse mesmo ano foi apresentada à Câmara Municipal uma proposta para ela conceder terreno no Campo Pequeno, a fim de ali se fazer uma praça de touros, protestou com toada a sua energia para que tal concessão não se fizesse, atentos os fins desmoralizadores a que se destinava. Como, porém, se encontrava desacompanhado na luta, muito embora defendendo a verdade e a razão, foi vencido…”

 

Após a morte de Teófilo Braga, Alice Moderno escreveu vários textos sobres aquele. Para além do que foi publicado no “In Memoriam do Doutor Teófilo Braga 1843-1924”, intitulado “Um Forte”, destaco o que ela denominou “Teófilo Braga”, publicado num número de homenagem que o Correio dos Açores lhe dedicou e que viu a luz do dia a 24 de fevereiro de 1943.

 

Através do texto “Teófilo Braga” fica-se a saber que numa das suas viagens a Lisboa, Alice Moderno foi convidada por ele, que ocupava o cargo de Presidente da República, para o visitar, como amiga, na sua residência e não no palácio presidencial, onde pouco permanecia, o que aconteceu. O escrito, que vimos citando, termina do seguinte modo:

 

“Açoriano dos mais ilustres, e o mais eminente dos micaelenses, volta a habitar esta ilha, de onde saiu escorraçado pela má sorte, onde regressa, infelizmente em efígie, mas como triunfador.

 

É justo que lhe tributemos as nossas mais vibrantes palmas, e desfolhemos aos pés do seu monumento as nossas mais lindas flores, e justo é também que a Câmara Municipal de Ponta Delgada, seguindo o exemplo da Junta Geral, que comprou aos herdeiros de Teófilo a sua Biblioteca, adquira por sua vez a casa modesta onde nasceu, passando a ser o ninho da águia propriedade concelhia.”

 

 

Bibliografia

 

Braga, T. (2016). O Dr. Teófilo Braga e os animais. Correio dos Açores, 2 de agosto.

Braga, T. (2020). Vidas Exemplares. Ponta Delgada, Letras Lavadas, 327 pp.

Comissão Teófilo Braga (org,) (1934). In Memoriam do Doutor Teófilo Braga 1843-1924. Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 518 pp.

Moderno, A. (1943). Teófilo Braga. Correio dos Açores, 24 de fevereiro.

Pereira, J. (1985-1988). A vida em Ponta Delgada em 1880 através do jornal “Diário dos Açores- subsídios para o estudo do século XIX micaelense. In Boletim do Núcleo Cultural da Horta, Vol 8, nº 1-2-3, pp 85- 133.

Vilhena, M. (1987). Alice Moderno- a mulher e a obra. Angra do Heroísmo, Direção Regional dos Assuntos Culturais. 377 pp.

Vilhena, M. (2001). Uma Mulher pioneira-Ideias, Intervenção e Acção de Alice Moderno”. Lisboa, Edições Salamandra. 288 pp.

Sem comentários: