quarta-feira, 24 de abril de 2013

O assalto



O assalto aos Paços do Concelho de Vila Franca do Campo

A 25 de Abril de 1974 era presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo o professor primário Orlando Augusto Borges Brandão que durante alguns anos foi presidente da Comissão Concelhia da Ação Nacional Popular, organização política que resultou da União Nacional, e dirigente da Legião Portuguesa”, organização criada, em 1936, para “defender o património espiritual da Nação e combater a ameaça comunista e o anarquismo".
Como seria de esperar, com o derrube de Marcelo Caetano, os adeptos do Estado Novo não se renderam e nalguns casos resistiram o mais que lhes foi possível para se manterem nos cargos que antes ocupavam. Por outro lado, os adversários da ditadura começaram a organizar-se e a mobilizar as pessoas com vista à substituição daqueles.
Com quase 17 anos de idade, sem nenhuma formação política a não ser as aulas de Organização Política e Administrativa da Nação que estavam a ser ministradas pelo Dr. Álvaro Dâmaso, no Liceu Nacional de Ponta Delgada, fui assistindo com atenção ao que se passava e participando de forma passiva em alguns acontecimentos, como ocorreu na primeira manifestação do Dia do Trabalhador, em Vila Franca do Campo, e no processo de substituição dos “inquilinos” da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo.
No final de Maio, os partidários da democracia elaboraram um abaixo-assinado que, para além de contestar o aumento da taxa da água, solicitava a destituição da administração municipal. Este abaixo-assinado, que teve 1056 subscritores, foi enviado à comissão do Movimento Democrático Português de Ponta Delgada que por sua vez remeteu um telegrama ao Ministério da Administração Interna, dando conhecimento do conteúdo do mesmo.
Os adeptos do antigo regime não permaneceram quietos e começaram a pressionar algumas pessoas para reagir à iniciativa dos democratas, tendo um grupo de cidadãos, de que faziam parte Eduardo Manuel Mendes Araújo, Eduíno Manuel Simas Couto, José Lopes e Manuel da Costa Braga, enviado uma Declaração aos jornais onde afirmavam que haviam assinado um texto a pedir a redução da taxa da água e não a solicitar a demissão da Edilidade de que não tinham razão de queixa.
Na mesma altura, o professor Orlando Brandão reagiu violentamente, tendo, numa nota datada de 5 de Junho de 1974, afirmado que o referido abaixo-assinado era “um documento reconhecidamente falso, onde até crianças inocentes ainda em idade escolar, irresponsavelmente apuseram a sua assinatura” e aproveitado a ocasião para denunciar o facto da Comissão do Movimento Democrático estar a “ser manobrada pelos fascistas que forjaram o abaixo-assinado, um dos quais foi presidente da Comissão de Freguesia de São Miguel de Vila Franca do Campo, até ao dia 25 de Abril e em cuja casa a Comissão de Concelho da extinta ANP se reuniu e planeou a ação a desenvolver”.
A 11 de Junho do mesmo ano, pelas 10 horas, algumas centenas de pessoas reuniram-se junto à Câmara Municipal de Vila Franca do Campo e elegeram uma comissão administrativa composta por Raul Eduardo Vale Raposo Borges, licenciado em direito, Armando Botelho Henrique, lavrador, Alfredo Moniz Gago da Câmara, industrial, João José Sardinha, lavrador, e Elias Pimentel Costa, comerciante.
De acordo com a ata da eleição, o povo de Vila Franca reuniu em frente aos Paços do Concelho e de forma “espontânea e conscientemente manifestou o seu desejo aberto e claro de deixar de ter na sua administração municipal as pessoas que a executavam há muito tempo”.
Não satisfeitos com o rumo dos acontecimentos, os partidários do antigo regime convocaram uma concentração, para o dia 14 de Junho, em frente aos Paços do Concelho, com vista à escolha de uma outra Comissão Administrativa para a Câmara Municipal. A iniciativa não resultou e transformou-se num “assalto” ao edifício da Câmara Municipal e na queima de alguns documentos.
Assisti à eleição da comissão administrativa e ao “assalto” à Câmara junto ao muro do jardim, em frente ao estabelecimento comercial “A Construtora”, tendo presenciado a situação caricata por que passou o Dr. Raúl Borges que, por não querer ser levado em “triunfo” para a escadaria da Câmara Municipal, esteve, durante muito tempo aos ombros de duas pessoas, agarrado aos ramos de uma árvore.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2782, 24 de Abril de 2013, p.16)

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