quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Embora alguém já tenha decretado o fim da história e outros o fim das ideologias o certo é que, embora ache que não têm razão, por vezes fico com muitas dúvidas.
O que ouço mais, hoje em dia, por parte de alguns comentadores que se reclamam de direita é que não faz qualquer sentido falar na divisão entre esquerda e direita. Por outras palavras, o seu sonho é que a chamada esquerda desaparecesse do mapa e que todo o mundo adotasse um pensamento único, o deles.
Para a maioria da chamada esquerda, sobretudo para a que vive, com a direita, sob o manto ou guarda-chuva estatal, as ideologias ainda existem, mas para não amedrontar o cidadão mal informado ou desinformado o melhor é deixar cair todas as referências aos pais do socialismo ou mesmo da social-democracia.
Para quem acompanha, ao longe e de fora, a vida dos partidos políticos, nos Açores, desde o 25 de Abril de 1974, é fácil perceber as mudanças que ocorreram ao longo dos tempos.
Já, em texto anterior, referi que o PPD/PSD começou por se afirmar social – democrata e que hoje muitos dos seus militantes nem sabem o que é isto ou mesmo estão, pelo menos ideologicamente, frontalmente em oposição a qualquer política que pretenda conciliar o capital e o trabalho. 
Tempos houve em que, tal como nalguns partidos marxistas-leninistas que evocavam os seus mentores, Marx e Lenine, no Partido Social-Democrata os candidatos a qualquer cargo interno mencionavam a sua fidelidade aos princípios do seu fundador, o Dr. Francisco Sá Carneiro, que alguns consideravam como populista e outros como um defensor da social-democracia adaptada ao contexto da sociedade portuguesa.
Se fosse vivo hoje e se consultasse as redes sociais, Sá Carneiro indignar-se-ia ao ler afirmações de alguns militantes do PSD que não escondem as suas afinidades com o pensamento do ditador de Santa Comba Dão, pois ele, embora tenha sido eleito deputado pelo partido único, desenvolveu esforços, sob a ditadura, para a transformar num regime democrático e não o tendo conseguido teve a coragem de resignar ao cargo.
O Partido Socialista que começou por se anunciar como marxista, mas defensor de um socialismo em liberdade, e que no seu primeiro congresso apresentou um programa arrojado, diria mesmo que mais avançado do que o do Partido Comunista Português foi, com o passar do tempo, deixando cair as suas bandeiras e hoje, pelo menos nos Açores, é constituído por gente cuja única preocupação parece ser a de ocupar lugares no aparelho de estado, proveniente de todos os quadrantes políticos e partidários.
Não tenho a mínima ideia se os seus militantes ainda se reclamam do socialismo em liberdade ou da social-democracia ou se são daqueles que acham que as ideologias acabaram e o que há a fazer é governar a contento dos poderosos, distribuindo umas migalhas aos mais desfavorecidos para que, com alguma caridade, não se chegue a qualquer revolta.
Disse revolta pois as revoluções não estão na ordem do dia e as que existiram no passado falharam ou foram traídas pelos vencedores ou por quem a elas se juntou com o único objetivo de açambarcar privilégios.
Não menciono aqui o CDS/PP pois continua igual a si mesmo, pelo menos nos Açores. A nível nacional, a par da rejeição do centrismo, distingo as guinadas à “esquerda” dos seus ex-líderes Prof. Freitas do Amaral e Dr. Basílio Horta, tendo este passado de armas de bagagens para a salada russa que é o Partido Socialista.
O PCP e o BE, pelo menos nos Açores, suponho que perderam qualquer veleidade revolucionária e limitam-se a tentar melhorar o regime, defendendo com as suas propostas e a sua ação, aparentemente (ou não?), muito centrada na atividade parlamentar, algo semelhante a uma social-democracia.
Com uma população desmotivada e cansada de tantas promessas que são esquecidas logo a seguir às tomadas de posse, independentemente das cores partidárias, a chamada democracia representativa parece que está esgotada e não se vislumbra qualquer alternativa mais “democrática” que concilie maior participação cidadã e uma distribuição mais equitativa da riqueza criada.
No horizonte, só vislumbro mais autoritarismo e mais injustiça social. Oxalá esteja enganado.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, nº 2900, 18 de setembro de 2013, p.16)

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