sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Vinha da Areia



Ir a banhos

Nas férias, aproveito sempre para revirar e rever papéis velhos, onde por vezes encontro algumas preciosidades ou pelo menos algumas notícias curiosas.

Desta feita deparei com uma singular notícia publicada no jornal “O Autonómico”, de agosto de 1936. Antes de a comentar aqui vai ela:

“Por ordem da Comissão Administrativa da Câmara Municipal, foi mandada construir uma escada na praia de banhos da Vinha d’Areia, que este ano tem estado animadíssima. Oxalá que a digna Comissão resolva mandar construir barracas para assim esta Vila ficar com uma praia de banhos condigna”.

Através do mesmo jornal, fiquei a saber que no final de agosto o melhoramento já estava concluído.
Agora, vamos aos comentários/ interrogações:

- Não é de agora que quem gere a coisa pública faz obras a destempo. Então, as obras em zonas balneares não deviam ser feitas antes do começo da época balnear?

- O que terá levado a que aquela praia, alguns anos depois deixasse de ser “pública” e passasse a ser “propriedade” de cidadãos franceses?

Na minha juventude, a referida praia era conhecida por Praia da Vinha d’Areia, pelo menos para quem era da Ribeira Seca, Ponta da Cabra, para os meus colegas da sede do concelho e também praia das Francesas, porque o acesso à mesma fazia-se a partir de uma propriedade pertença de uns franceses que tinham lá casa onde passavam o verão.

Lembro-me bem de minha mãe falar na dificuldade em chegar àquela praia, pois o trajeto a seguir era feito a partir da foz da Ribeira Seca, havendo a necessidade de percorrer cerca de 300 metros, alguns dos quais por cima de rocha.

Mais tarde, surgiram dois caminhos, um que é mais ou menos o atual e que percorríamos antes das francesas lá colocarem o portão ou contornávamos o mesmo, saltando por terrenos que confrontavam com a propriedade dos franceses, e outro que era feito a partir de uma entrada aberta pelo sr. Albano de Azevedo, localizada na Figueira do Casquete. Neste caso só com autorização do sr. Manuel Andrade ou quando tínhamos a certeza que ele lá não estava, saltando os muros.

Com o 25 de Abril de 1974, a situação não se alterou significativamente pois o pronunciamento militar, nos Açores, terá levado a alguma descompressão, mas traduziu-se essencialmente por uma tentativa de ocupação dos diversos cargos quer por parte dos chamados democratas quer por parte dos ex-adeptos do antigo regime,  que se converteram, pelo menos aparentemente, à democracia. No caso de Vila Franca do Campo, aconteceu que dentro da ANP- Ação Nacional Popular, o único “partido político” legal dos últimos anos do Estado Novo havia “cisões” e com o 25 de abril uma delas saiu por uma porta do edifício da Câmara Municipal e a outra entrou pela outra, pelas mãos dos democratas.

No que se refere à Praia da Vinha d’Areia lembro-me que a melhoria introduzida foi a divisão da praia em duas partes, a nascente, aberta ao público que continuava sem acesso digno, e a poente reservada às francesas e amigos.

Lembro-me de um episódio ocorrido, não me recordo se no Verão de 1974 ou no de 1975, em que eu e um grupo de amigos decidimos não respeitar a regra e fomos ocupar o lugar reservado às francesas.

Pensando que com o 25 de abril os privilégios injustos e injustificáveis tinham acabado e por não estarmos a perturbar ninguém, já que nem havia estrangeiros na praia, fomos surpreendidos com a presença de um guarda da PSP que exigiu a nossa retirada do local.

Como não foi capaz de nos demover e como não usou a força da arma de fogo que possuía, que era a única que nos inferiorizava, a solução encontrada foi a via do diálogo. Assim, fui convidado a acompanhá-lo para falar com “as francesas”.

Sempre com o máximo de civismo e respeito estive algum tempo a dialogar com as estrangeiras, que matreiras me fizeram uma proposta no mínimo desonesta e que foi a seguinte: a partir daquela data elas permitiam o meu acesso à praia, passando pela sua propriedade, tendo a possibilidade de usar os seus duches, desde que continuasse tudo na mesma.

Como é óbvio, para quem me conhecia e me conhece bem, recusei.
Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 4 de Setembro de 2013)

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