José Joaquim Delgado Domingos
Muito
poucos são os professores universitários que não têm qualquer problema em vir
para a praça pública denunciar as políticas ruinosas seguidas pelos governantes
ou mesmo o compadrio de colegas com projetos desastrosos para a economia e para
a qualidade de vida dos cidadãos de um país.
Uma
das pessoas que fugiu à regra da subserviência aos poderes estabelecidos foi José
Joaquim Delgado Domingos, professor catedrático jubilado do Instituto Superior
Técnico, desde 2005, e que nos deixou no passado domingo, dia 6 de Julho, com
79 anos de idade.
Para
quem não conhece a sua obra, recomendo a consulta da página “Textos de José J.
Delgado Domingos (http://jddomingos.ist.utl.pt/)
onde poderão ter acesso ao seu Curriculum Vitae resumido e a um conjunto de
“textos pedagógicos e de intervenção pública bem como referências
bibliográficas” que ele reuniu.
Tive
o prazer de jantar uma vez em Lisboa com o professor Delgado Domingos a convite
de um amigo comum, o Engenheiro Luís Tavares, onde conversamos sobre alguns
projetos que os dois estavam a implementar no âmbito da associação “IDEA-
Iniciativa para o Desenvolvimento, A Energia e o Ambiente” de que eu era um dos
trinta e dois sócios fundadores.
Infelizmente,
muito pouco foi concretizado pois a associação teve uma duração efémera.
Contudo, foram publicados três boletins com textos de distintas personalidades
do mundo científico e da luta ecológica, como José Carlos Costa Marques,
Viriato Soromenho Marques, Jorge Paiva, Rui Cortes, Henrique Schwarz da Silva,
Manuel Gomes Guerreiro, José Mattoso, Gonçalo Ribeiro Telles, Ilídio de Araújo,
Fernando Santos Pessoa, Jacinto Rodrigues e Delgado Domingos.
No
número dois do boletim “Iniciativa”, num texto intitulado “Energia Nuclear:
para uns a energia, para os outros os resíduos”, Delgado Domingos, que segundo
Viriato Soromenho Marques, “todos nós lhe devemos um
contributo fundamental para impedir que Portugal entrasse no beco sem saída da
energia nuclear”, escreveu a propósito dos que defendem a segurança do nuclear:
“Essa segurança acaba sempre confiscando os direitos dos cidadãos. Porque os
cidadãos que pensam, … ou podem começar a pensar de modo autónomo, são a arma
mais temível para os vendedores dos dogmas e das drogas que os mantêm no
poder”.
Ainda
a propósito do mesmo tema, Delgado Domingos defendeu que a energia nuclear era
mais do que uma simples forma de energia, sendo “um modelo de sociedade e uma
cega visão de crescimento” e acrescentava: “visão cega, porque se recusa a
admitir a evidência que é o colapso para que se dirige e que a finitude e
estrutura do próprio planeta Terra inexoravelmente impõe. Demagógica porque
ilude no crescimento global o crescimento da diferença, na qualidade de vida
entre pessoas, entre regiões, entre países, e entre continentes. Desonesta,
porque os mais pobres ficam com as promessas e os mais ricos com os seus
frutos”.
Noutro
texto, publicado num número especial da “Iniciativa”, Delgado Domingos não perdoa
todos os que desvirtuam o conceito de desenvolvimento sustentável, e consideram
que tudo se limita a “boas ou más oportunidades de negócio” e a soluções
técnicas que resolvem todos os problemas, escrevendo o seguinte: “Este é o
triste retrato da incultura que muita da nossa Universidade exprime, mostrando
aonde pode levar a confusão entre Ciência e lobby quando se perdem as
referências culturais e a cultura se transforma em mimetismo.”
Aquando
do debate sobre a coincineração Delgado Domingues criticou os trabalhos da
denominada comissão científica independente, tendo escrito vários artigos. Num
deles, intitulado “A Coincineração e a Comunidade Científica”, acusa os membros
da referida comissão de se terem enganado e de não terem vindo a público pedir
desculpa. Segundo ele, “não só não o fizeram como substancialmente o agravaram
com declarações públicas amplamente difundidas. Em linguagem científica, a este
comportamento chama-se fraude científica”.
Empenhou-se
politicamente, tendo colaborado com o MPT na altura em que vários militantes
ecologistas, alguns dos quais oriundos dos Amigos da Terra- Associação
Portuguesa de Ecologistas, faziam parte do mesmo, tendo sido cabeça de lista
numa candidatura ao Parlamento Europeu.
A sua luta por uma Terra para todos não cairá no
esquecimento.
Teófilo Braga
(Correio dos
Açores, nº 30387, 16 de Julho de 2014, p.14)
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