quinta-feira, 24 de maio de 2018

Sobre o ensino profissional


Fotografia de Raimundo Quintal

Sobre o ensino profissional

De vez em quando, surgem vozes a chorar pela medida tomada depois de 25 de abril de 1974 que levou ao fim das escolas profissionais. Como principais argumentos apresentam dois: nem todos têm cabeça nem podem ser doutores e a sociedade precisa de profissionais das mais diversas áreas, como carpinteiros, pedreiros, eletricistas, etc.

No Estado Novo, na década de 1950, a par do ensino liceal, frequentado pelos alunos provenientes dos extratos médios e altos da sociedade e destinado essencialmente a preparar para a universidade, existia o ensino industrial e comercial frequentado pelos alunos pertencentes às famílias com mais posses de entre os mais desfavorecidos da sociedade e destinava-se a preparar para uma profissão.

Mais tarde, na década de 60 do mesmo século o regime, já com Marcelo Caetano, fez uma tentativa de aproximar os dois ensinos, na tentativa de acabar com a estigmatização dos alunos que frequentavam o ensino profissional., como se poderá concluir da leitura da Lei 5/73 que apresenta, entre outros, os seguintes argumentos: evitar “a discriminação de classes sociais” e dar “a todos os alunos igualdade de oportunidades e possibilidades”.

A unificação dos dois ensinos só se concretizou em 1975, devido à ação de Rui Grácio, pedagogo que foi investigador do Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste Gulbenkian e Secretário de Estado da Orientação Pedagógica nos II, III e IV Governos Provisórios, entre 17 de julho de 1974 e 8 de setembro de 1975.

António Teodoro, Professor Catedrático da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, antigo secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (FENPROF), no seu livro “Política Educativa em Portugal. Educação, desenvolvimento e participação política dos professores”, editado em 1994, cita as razões de Rui Grácio para a criação do ensino secundário unificado que abaixo se transcreve:

“Primeira: adiar para os quinze anos a escolha do rumo escolar que no sistema antecedente teria de fazer-se aos doze, permitindo aos rapazes e raparigas autodeterminarem-se com menor probabilidade de erro e adiando, com vantagem, a incidência dos factores financeiros e culturais de ordem familiar na opção do rumo escolar ou profissional do jovem;

Segunda: romper com a dualidade ensino liceal- ensino técnico, dualidade que no contexto político-social vigente exprime, ao mesmo tempo que reforça, não apenas a dualidade trabalho intelectual-trabalho manual, mas também, correlativamente, a dualidade dominante-dominado;

Terceira: romper com a dualidade escola-comunidade, educação formal-educação não formal, dualidade que empobrece os dois termos do binário.”

Hoje, depois de criadas as escolas profissionais e de criados cursos profissionais nas escolas oficiais, além do conflito existente entre aquelas devido à diminuição do número de alunos, verifica-se que alguns alunos, em número que não deixa de ser significativo, não apresenta qualquer motivação para o estudo pelas mais diversas razões, sendo uma delas a desvalorização da escola como meio de promoção social ou o facto de que o que é ensinado nas escolas nada dizer aos alunos ou mesmo às suas famílias, pois limita-se à transmissão de conhecimentos cuja utilidade para a vida diária é por vezes duvidosa.

Uma proposta para alterar o referido, que é um problema que não é de agora, foi apresentada pelo cientista açoriano Aurélio Quintanilha que achava que todas as escolas deviam ser “Escolas do Trabalho”.

Sobre aquela ideia de Aurélio Quintanilha, Amélia Gomes, autora de uma dissertação de mestrado sobre o seu pensamento em relação à educação, escreveu o seguinte:

“Nesta linha de pensamento, Quintanilha advertiu que o liceu não podia ser uma escola profissional com o objetivo de criar técnicos, no entanto, o ensino profissional devia ser parte integrante da educação em geral, sendo a base da educação do espírito e da educação do corpo”.

De acordo com a autora citada, “a proposta de Quintanilha era transformar o liceu do seu tempo numa “Escola do Trabalho”, contrariando a alienação da divisão do trabalho em manual e intelectual.”

Será que a sugestão de Aurélio Quintanilha, ainda hoje, faz sentido?

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31528, 24 de maio de 2018, p.12)

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