quinta-feira, 10 de maio de 2018

Agostinho da Silva e as festas do Espirito Santo


Agostinho da Silva e as festas do Espirito Santo

O culto do Espírito Santo foi trazido para os Açores pelos primeiros povoadores portugueses, tendo sido depois levado, pelos açorianos, para os quatro cantos do mundo, nomeadamente para o Brasil e para a América do Norte.

Para a maioria da população dos Açores, creio, a Rainha Santa Isabel (1271-1336) é tida como a responsável pela criação das festividades e culto do Espírito Santo em Portugal.

O etnógrafo micaelense, natural de Vila Franca do Campo, Padre Manuel Ernesto Ferreira, no seu livro “ A alma do povo micaelense”, apresenta a hipótese do nascimento das festas em Coimbra ou em Alenquer, mas liga-as sempre à Rainha Santa Isabel, como se comprova pela seguinte frase: “O que parece mais provável é que a Rainha Santa, à imitação do que se fazia talvez em Espanha ou na Alemanha, instituísse a comovente solenidade em várias localidades, em anos em que acontecesse achar-se nelas no domingo de Pentecostes”.

O historiador Jaime Cortesão (1884-1960), citado por Maria Cabral e por Maria Nunes no seu texto “Contributos para o Estudo das Festividades Populares em Louvor do Divino Espírito Santo no lugar do Penedo (Colares-Sintra) sem por de parte o papel da Rainha Santa Isabel defende que a origem das festas do Espírito Santo deveu-se “a franciscanos, de tendência espiritual, e que a rainha [Isabel] a quem aquele culto de família e as cerimónias próprias lisonjeavam o tenha favorecido”.

Agostinho da Silva (George Agostinho Baptista da Silva), filósofo nascido no Porto, em 1906, que faleceu em Lisboa em 1994, não contraria Jaime Cortesão, tendo sobre o assunto escrito o seguinte: “… é a do Culto Popular do Espírito Santo, afirmando em pleno durante duzentos e cinquenta anos, desde Isabel a Dom João III, sobrevivendo como pode no Continente, enraizado ainda nas Ilhas e em seus focos de imigração, passado, e nela igualmente radicado, a tanta localidade brasileira desde o XVI por diante”.
Agostinho da Silva que terá tido contato com as festas do Espírito Santo no Brasil, país onde viveu, entre 1944 e 1969, depois de ter estado preso um mês na prisão do Aljube não escreveu sobre o que observou, mas terá idealizado o que deveria ser o “culto popular do Espírito Santo” que segundo ele “é a religião viva dos Açores, tão viva que me parece que a obrigação essencial dos açorianos deveria ser a de irem pelo mundo como missionários do seu culto”

Nas festas do Espírito Santo, há três componentes, a coroação, o bodo e a libertação de presos. Com efeito, segundo Agostinho da Silva, “o que o Povo diz no seu mais autêntico e espontâneo Culto é que devam as Crianças a governar o mundo, como afinal defendia Cristo; que deve o que se consome de básico ser abundante e gratuito, como nas Bodas de que fala o Evangelho, multiplicando-se o Pão; que se devem abolir as prisões, como ordena o “Não julgueis”.

No seu texto A Educação de Portugal, Agostinho da Silva relembra as várias componentes do culto e destaca uma delas. Assim, segundo ele “o ponto fundamental, do culto popular do Espírito Santo não é, porém, nem o banquete comum e livre, nem o soltar de presos, nem a procissão que segue a Pomba, no estandarte ou coroa; é a instalação de uma criança como Imperador do mundo” e acrescenta “No Paraíso terrestre que se quer dispensam-se os adultos de todas as funções dirigentes que têm tido até hoje e se declara mais importante que tudo quanto possa ter sido na vida o menino que foram e tão infelizmente morreu; declara-se que todos os imperadores de qualquer Império declarado Santo pela vontade, os interesses e os apetites dos homens, devem ceder seu trono às características infantis de atenção contínua à vida, de existência total no presente, de ignorância de códigos, manuais e fronteiras, de integração no sonho, de valorização do jogo sobre o trabalho, de simpatia pela cigarra, que logo a nossa escola substitui pelo aplauso à formiga, já que uma convém à alegria, apenas, e a outra ao lucro”.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31517, 10 de maio de 2018, p. 14)

Sem comentários: