quarta-feira, 3 de outubro de 2018

A Casa Azul de Natividade Ribeiro


A Casa Azul de Natividade Ribeiro

Depois de alguns anos de procura, foi no passado mês de julho que, na Ilha da Madeira, consegui adquirir o livro “A Casa Azul” da autoria da minha conterrânea Natividade Ribeiro.

Tal como muitos outros jovens vila-franquenses, Natividade Ribeiro estudou no antigo Externato de Vila Franca, tendo mais tarde ido para Lisboa, onde se licenciou em Filosofia. Foi durante muitos anos professora de português em Macau e depois lecionou (ou ainda leciona?) em Lisboa.

Da autora, para além do livro que abordo neste texto, já tive a grata oportunidade de ler “Os Três Lugares de uma Mulher” que também recomendo.

Neste livro que, também, pode ser considerado autobiográfico, Natividade Ribeiro retrata a vida em Vila Franca do Campo no final da década de 60 e início da de setenta do século passado.

Estando por escrever a história da Vila daquele período, este livro, embora de carácter literário, dá a conhecer a vida de um camponês com terra e da sua família, retrata a vida de jovens estudantes pertencentes a um estrato social médio e aborda ainda que levemente a política nos últimos anos do fascismo e o entusiasmo nos primeiros anos após o 25 de abril de 1974.

Para além das pessoas da família da autora, penso que não será difícil identificar os seus professores no Externato de Vila Franca e o ex-professor que era um “bufo amigo”.

O livro apresenta outra originalidade que é a descrição de vários locais onde a autora fazia piqueniques com os colegas estudantes e outros amigos. Assim, através da sua leitura fica-se a conhecer um pouco a geografia do concelho, como o Ilhéu, a Lagoa do Fogo, a Vinha d’Areia, a Lagoa do Congro, etc..

Sobre o Externato de Vila Franca, Natividade Ribeiro recorda o professor de Francês que “adorava fazer chamadas individuais a alunos que não tivessem estudado, quase como um prazer sádico”, o de Matemática que dizia que nos testes ninguém copiava pois ele sabia sempre mais uma cábula do que o aluno e o de “Ciências que tinha a mania que só os testes difíceis provavam a sua competência” e que fazia perguntas sobre conteúdos que não tinha ensinado, estando as respostas “nas notas de rodapé, em letra muito miudinha, nos manuais dos nossos irmãos mais velhos”.

Não se tratava do mero uso da pedagogia tradicional, para a qual foram treinados. Eram verdadeiros atos de malvadez de pessoas que, acabaram por ser, injustamente, homenageados em Vila Franca do Campo como grandes professores. Enfim, deviam ser reconhecidos por outros serviços prestados à comunidade, se os prestaram, e não como pedagogos.

A propósito da Casa Azul, hoje em ruínas, que era um mirante, Natividade Ribeiro apresenta as preocupações dos agricultores. Era a elevada produção de batata que não tinha venda, era a produção do vinho que não era boa, era a preocupação com a vinda de açúcar do continente que poderia prejudicar a cultura da beterraba que era “uma cultura que continua a ser rentável e pouco trabalhosa”.

Sobre a cultura do ananás os agricultores preocupavam-se com a eventual proibição da apanha de leiva. Sobre este assunto pode-se ler: “Dizem que já há picos muito devastados. Mas hão-de arranjar um substituto que não prejudique tanto a natureza”.

No capítulo intitulado “Piquenique na Vinha d’Areia”, a autora recorda que a mesma era conhecida por “Praia das Francesas”, que “fora comparada por umas francesas extravagantes que faziam nudismo nas varandas, para grande escândalo dos naturais”. Sobre as alterações sofridas pode-se ler: “A Vinha d’Areia actual é outra praia. É uma praia do progresso, do consumo. Igual a tantas outras que se foram descaracterizando pela construção do parque automóvel, balneários, bares, “Aqua Park”, marina.”

Muito ficou por dizer, daí que recomendo uma leitura e valia a pena uma reedição.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31640, 4 de outubro de 2018, p. 22)

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