sexta-feira, 5 de maio de 2023
Entrevista ao Açoriano Oriental
1 - Quais são as suas principais preocupações quando se fala em ambiente nos Açores?
Como cidadão do mundo, não posso falar nos Açores sem falar na situação do nosso planeta. Não posso viver indiferente num mundo onde a pobreza e a fome em vez de diminuírem têm aumentado, onde para além de palavras bonitas pouco se tem feito para combater ou evitar as alterações climáticas. Também não posso ficar sossegado quando muito se fala de paz e as guerras persistem, quando a ameaça do uso de armas nucleares voltou a estar na ordem do dia.
Como defendo que os problemas ambientais são problemas sociais, nos Açores, aflige-me o facto de não termos sido capazes de eliminar a pobreza, acabar com a exclusão social e elevar significativamente o grau de escolarização da nossa população. Por cá também me preocupa o desrespeito pelo nosso património natural e cultural, não só por parte de cidadão comum, mas sobretudo por entidades que deviam ter a obrigação de zelar por ele.
No que diz respeito à componente natural do ambiente atormenta-me as ameaças às áreas protegidas terrestres e marinhas, que existem mais no papel do que no terreno, a sobre-exploração dos recursos marinhos e o desrespeito que é dado à árvore vítima da incompetência de alguns responsáveis e da falta de preparação dos executantes de podas e dos operadores das roçadoras.
2 – Os Açores estão a crescer turisticamente e já se nota muita pressão sobre o seu espaço natural. O modelo de desenvolvimento turístico que temos nos Açores respeita o seu maior ativo, a natureza, ou a prazo - com a tendência de massificação – poderão ser-lhe infligidos danos irreversíveis?
Sinceramente, tenho esse receio. Há alguns anos, os Amigos dos Açores promoveram uma conferência em Ponta Delgada com a presença do arquiteto paisagista Fernando Pessoa. Na altura, o arquiteto falou nos prós e contras do turismo e destacou a importância que este poderia ter para o desenvolvimento dos Açores, desde que fosse controlado e as receitas obtidas fossem aplicadas na conservação da natureza e equitativamente distribuídas.
A denominada aposta no turismo sustentável parece que não está a ser feita. Se o conceito de desenvolvimento sustentável já é de si vago, permitindo que em seu nome se cometam as maiores barbaridades, parece-me que nos Açores o mesmo é “perneta”, isto é, dos seus três pilares (pés, se fosse uma banca) é valorizado apenas o económico e esquecido o social e o ambiental. Não podemos continuar a deixar degradar a qualidade do ambiente nos Açores, pois estaremos a matar a nossa galinha dos ovos de ouro. A grande riqueza dos Açores está no seu património natural e cultural. Mas, se destruirmos o património natural e cultural, tornamo-nos numa Região igual a tantas outras, em que seremos invadidos por turistas sem qualquer consciência ambiental e a degradação não terá fim.
3 – De forma concreta e objetiva, o que se pode fazer de melhor e diferente para proteger pontos de visitação centrais, como são o caso das lagoas do Fogo e das Furnas e as Sete Cidades?
A pressão humana sobre os espaços referidos é muito grande, sendo necessário haver, de algum modo, um controlo para evitar a concentração de muitas pessoas, em simultâneo, naqueles locais.
Nas Furnas, preocupa-me o “falhanço” na reflorestação que havia sido iniciada pela Azorina, nas Sete Cidades, nomeadamente junto à Lagoa do Canário, é excessiva a concentração de viaturas e tenho dúvidas sobre se houve ou não a diminuição da presença de gado bovino junto da lagoa ou em terrenos que desaguam ainda que indiretamente na mesma.
Sendo a Lagoa do Fogo uma Reserva Natural e sendo os principais objetivos de uma reserva natural a conservação da fauna e flora e de outros atributos naturais considero que as visitas até ao espelho de água deviam ser muito restritas, apenas para fins educativos e científicos.
4 - A pecuária tem uma grande relevância no nosso contexto económico, mas é também um setor de lóbis, responsável por grandes emissões de gases com efeito de estufa, com as consequências maléficas que isso acarreta em termos de aquecimento global e alterações climáticas. Esta realidade não compromete a imagem ambiental imaculada dos Açores como um dos poucos destinos turísticos sustentáveis do mundo?
Tal como o pensamento único, todas as monoculturas são contraproducentes. A agricultura nos Açores deverá ter sempre como meta, mesmo que inalcançável, a autossuficiência alimentar da região, apontar para a máxima diversificação das culturas e ter em conta as características dos solos de cada ilha. Para além disso, é absurda a aquisição de produtos alimentares do outro lado do mundo devido às emissões poluentes oriundas do seu transporte, por isso a grande aposta deverá ser na produção de hortícolas, frutícolas, mel e flores e na experimentação de novas culturas, primeiro para consumo interno e só depois para exportação.
Para evitar os inegáveis efeitos perniciosos para o ambiente da pecuária e se se quer um arquipélago verdadeiramente sustentável, nos Açores terá de haver redução da criação de gado e a criação de pequenas agroindústrias para aproveitamento das produções não consumidas ou não exportadas e associar as explorações agrícolas ao agroturismo.
5 – Aposta-se o suficiente na (re)florestação como forma de evitar a escassez de água e as derrocadas, assim como para a absorção de dióxido de carbono e promover a replantação de plantas nativas?
Se a pergunta fosse feita a algum responsável dos Serviços Florestais, talvez a resposta fosse tem-se apostado o suficiente tendo em conta os meios disponíveis.
Para quem como eu tem calcorreado a ilha de São Miguel a resposta é que a aposta está muito longe do desejável, pois há muitos espaços sobretudo a altitudes mais elevadas que deviam ser reflorestados especialmente com espécies nativas e endémicas que são as mais adaptadas às condições do solo e meteorológicas.
Contudo, seria injusto se não referisse que nos últimos anos os Serviços Florestais têm produzido muito plantio de endémicas e nativas que têm sido usados por várias entidades e por particulares em replantações.
No meu caso, este ano, no mês de fevereiro, cedidas pelos Serviços Florestais de Ponta Delgada, plantei, em Vila Franca do Campo, mais de 1500 plantas nativas e endémicas (urzes, azevinhos, paus-brancos, faias e sanguinhos).
6 - O controlo de espécies invasoras está a ser bem feito na Região?
As espécies invasoras são uma das principais ameaças ao património natural dos Açores, sobretudo por competirem com as espécies nativas e endémicas. O seu controlo nunca foi levado muito a sério pelos detentores do poder. Nunca foram usados os recursos humanos necessários para um combate eficaz e as ações de combate têm sido pontuais quando deviam ser contínuas.
Por exemplo, o gigante (Gunnera tinctoria) está largamente espalhado na ilha de São Miguel quando no início da década de 80 do século passado estava confinado à zona oriental da ilha e existia um pequeno núcleo na zona da Serra Devassa, junto à Lagoa do Carvão. Um apelo dos Amigos dos Açores para a erradicação deste núcleo caiu em saco roto. Hoje, não sei se a sua erradicação será possível!
Se bem que algumas das invasoras chegaram aos Açores no século XIX vindas para os jardins de São Miguel numa altura em que ainda não se tinha consciência dos seus efeitos perniciosas, outras já foram introduzidas mais recentemente por vezes por ou com a conivência das entidades oficiais. Quem introduziu a cletra (Clethra arbórea) em São Miguel? Quem mandou plantar lantana (Lantana camara), em 1987/88 nos “taludes” do aeroporto de Ponta Delgada? Quem mandou (felizmente depois retirou) plantar a erva-confeiteira (Persicaria capitata) nos canteiros das Portas do Mar? Quem mandou plantar os penachos (Cortaderia selloana) ao longo das chamadas SCUT?
7 – Concorda com a construção de uma incineradora de resíduos em São Miguel?
Não concordo, tendo sido uma das primeiras pessoas que, quer a título individual, quer em nome dos Amigos dos Açores, criticou aquela opção de suposto tratamento de resíduos, por ser uma forma de delapidação de recursos que poderiam ser reutilizados e reciclados, por ser ambientalmente danosa e por ser economicamente uma desgraça que só é viável através do recurso às taxas e aos impostos pagos pelos contribuintes.
Sobre o assunto, algumas associações ambientalistas já demonstraram que a incineradora a construir em São Miguel é desnecessária e que nem as metas europeias da reciclagem serão cumpridas.
No que diz respeito aos resíduos sólidos urbanos, nota-se que nos Açores nunca se investiu a sério, tanto pelas autarquias como pelos sucessivos governos.
8 – Nunca mais se ouviu falar de lagoas eutrofizadas em São Miguel, pelo menos com gravidade. Tem a perceção que as nossas lagoas estão no caminho da verdadeira recuperação?
Não tenho e penso que não têm sido divulgados dados sobre a qualidade das águas das nossas lagoas nos últimos tempos, por isso não me posso pronunciar sobre o assunto. De qualquer modo acho lamentável o que se passa com o já referido insucesso na reflorestação na bacia hidrográfica da Lagoa das Furnas. Registo que acusar os responsáveis anteriores não basta, o que é preciso fazer é intervir no local quanto antes e no caso do combate às infestantes que terão invadido o local, o mesmo não se faz alargando compassos nem com o uso de tratores.
9 – Os açorianos já desenvolveram uma consciência ambiental que garanta um maior respeito pelos recursos naturais e aposta na reciclagem?
Infelizmente não, a esmagadora maioria dos açorianos não tem quaisquer preocupações com a conservação da natureza e com a proteção do ambiente em termos globais. Como razões principais apontava o desinvestimento por parte dos governos na educação ambiental e alguma desinformação por parte de pretensos educadores que depois é expandida através da comunicação social e das redes sociais. Além disso, muitas famílias passam por dificuldades em termos económicos de modo que os seus esforços são dirigidos para a sua sobrevivência, em termos materiais: habitação, alimentação, etc.. É muito triste vermos que o número de pobres ou de pessoas em risco de pobreza, mesmo entre os que exercem uma profissão é muito elevado.
Por último é um erro que penso que é propositado praticamente só se falar em reciclagem, quando a aposta devia ser na redução. O melhor resíduo não é o reciclável, mas sim o que não é produzido.
10 - É o histórico líder da Associação Amigos dos Açores e está agora à frente do Núcleo Regional da IRIS – Associação Nacional de Ambiente. Os movimentos ambientalistas têm desempenhado bem o seu papel na defesa ecológica do arquipélago ou a sua voz não costuma a ser considerada pelas autoridades?
O movimento ambientalista é um reflexo do que se passa na sociedade onde está inserido e nos Açores foi e continua a ser muito fraco. Há algumas ilhas onde nunca existiram associações de defesa do ambiente, e nas onde ainda existem a atividade, pelo menos a mais visível junto do público, da maioria das associações está relacionada com a organização de percursos pedestres.
Estaria a mentir se dissesse que a voz das associações tem sido ignorada de todo pelas autoridades.
Como exemplos refiro que foram os Amigos dos Açores que propuseram a classificação das seguintes áreas protegidas: Monumento Natural da Caldeira Velha, Monumento Natural da Gruta do Carvão, Monumento Natural da Ferraria- Pico das Camarinhas e Área Protegida para a Gestão de Habitats ou Espécies da Lagoa do Congro.
Recordo também que foi o movimento informal “SOS-Lagoas” que alertou a opinião pública para o problema da eutrofização das lagoas e se tal não tivesse sido feito as intervenções oficiais mais ou menos bem conseguidas nas bacias hidrográficas da Lagoa das Sete Cidades e da Lagoa das Furnas não teriam ocorrido pelo menos na altura em que ocorreram.
Creio que se não fosse a intervenção de muitos cidadãos, de algumas associações formais e do grupo de cidadãos ACT-Azores já teriam ocorrido intervenções desastradas na Reserva Natural da Lagoa do Fogo.
Por último, se não fosse a intervenção de membros do recente Núcleo Regional dos Açores da IRIS- Associação Nacional de Ambiente, nos Açores e de alguns deputados não existiria o “Regime Jurídico de Classificação do Arvoredo de Interesse Público”, ainda incompreensivelmente ainda não regulamentado.
Teófilo Braga
Nasceu em Vila Franca do Campo, a 22 outubro de 1957.
É professor do 3º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário de Física e Química.
Possui o Bacharelato em Ciências Físico-Químicas / Matemática, pela Universidade dos Açores, o Curso de Estudos Superiores Especializados em Administração Escolar, pelo Instituto Superior de Educação e Trabalho, do Porto, e o Mestrado em Educação Ambiental, pela Universidade dos Açores.
Desde 1982, está ligado ao movimento ecologista e ao de defesa dos animais, tendo sido um dos fundadores e Presidente da Direção dos Amigos dos Açores - Associação Ecológica. Coordena o Núcleo Regional da IRIS- Associação Nacional de Ambiente.
Não se considera ambientalista, embora tenha pontos comuns com aquele movimento. Inspira-se no conceito de ecologia social de Bookchin, bem como na vida e obras de Mahatma Gandhi, Tolstoi e Lanza del Vasto e dos portugueses António Sérgio, Agostinho da Silva e Gonçalves Correia.
Foi Diretor da Agência Regional da Energia e do Ambiente da Região Autónoma dos Açores.
“Prémio QUERCUS 1996”, distinção atribuída a personalidades que se evidenciam de forma relevante na área do ambiente.
É autor e coautor de diversos roteiros de percursos pedestres e de várias publicações sobre energia e património natural.
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